Construído em meio a uma nascente metrópole já abraçada à sua vocação cosmopolita que, no limiar do século 20, entrava com os pés firmes na modernidade, o Theatro Municipal de São Paulo possui trajetória que se confunde com a história da cidade e as transformações ocorridas nos últimos 100 anos. Fundado em 1911, seu primeiro centenário foi celebrado com uma série de eventos, entre eles o lançamento do livro Theatro Mvnicipal de São Paulo: 100 anos – Palco e Plateia da Sociedade Paulistana.
Com texto assinado pela pesquisadora e jornalista Marcia Camargos – autora de A Semana de 22: Entre Vaias e Aplausos (Boitempo Editorial) e coautora de Monteiro Lobato: O Furacão da Botocúndia (Editora Senac) -, ensaio fotográfico de Cristiano Mascaro e ilustrado com belíssimo material iconográfico, incluindo fotos, cartazes e programas inéditos ou poucas vezes vistos, a obra tem sua origem no heroísmo do editor Luciano Cerri, que morreu em 1998.
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As quase 300 imagens reproduzidas – algumas assinadas por nomes como Tarsila do Amaral – teriam se perdido para sempre, não fosse o trabalho de resgate realizado por Cerri, um amante da ópera e das artes em geral e que fez parte do corpo de funcionários do teatro. Até seus últimos dias, dedicou-se em manter viva a memória.
O ano era 1973 e a editora responsável pelos programas e impressos relacionados aos eventos do Municipal abrira falência. Todo o material até então produzido tinha destino certo: o lixo. Por conta própria, Cerri se prontificou a recolher e preservar o acervo. Somados a outros de sua coleção particular, a ideia era reunir o material em livro. A publicação, no entanto, foi adiada devido a dificuldades, por exemplo a de encontrar parceiros para a empreitada. Em 1994, já com a saúde debilitada, ele teria transferido a Carlos Eduardo Macedo a tarefa de levar adiante o projeto que só agora ganha forma.
O Theatro Municipal de São Paulo começou a ser idealizado no final do século 19, quando a cidade se despedia do modo de vida colonial para dar início à fase de modernização. A época foi marcada pela expansão comercial, concentração de recursos financeiros gerados pelo café e uma nova burguesia disposta a romper com as tradições rurais, abraçando valores da cultura europeia. Tendo em vista a importância de São Paulo no cenário político e econômico nacional, a cidade necessitava de um símbolo que representasse sua grandeza e fizesse justiça às suas ambições.
Já com uma efervescente cena teatral local e com o Brasil entrando no calendário de artistas internacionais, como as divas Eleonora Duse e Sarah Bernhardt, o município precisava urgentemente de um teatro que pudesse oferecer palco e estrutura profissional à altura dos espetáculos.
Sob a batuta do engenheiro Francisco de Paula Ramos de Azevedo, com arquitetura inspirada nas casas de ópera europeias – em especial a Ópera de Paris -, o Municipal começou a ser erguido em 1903, e foi entregue no curto prazo de oito anos, graças à dedicação e ao trabalho ininterrupto dos operários. No dia 12 de setembro de 1911, o Municipal abriu suas portas com uma récita de O Guarani, de Carlos Gomes, e com o barítono italiano Titto Ruffo, em turnê pela América Latina, interpretando Hamlet, de Shakespeare, em ópera assinada por Ambroise Thomas.
Um dos principais cartões-postais de São Paulo e ícone arquitetônico da cidade, o teatro acompanhou a metamorfose paulistana dos últimos 100 anos. Passaram por seu palco nomes como Maria Callas, Villa-Lobos, Enrico Caruso, Arturo Toscanini, Claudio Arrau, Arthur Rubinstein, Ana Pawlowa, Nijinsky, Isadora Duncan, Nureyev, Margot Fonteyn, Baryshnikov, Duke Ellington, Ella Fitzgerald e muitos outros.
Projetado para receber espetáculos clássicos e eruditos, também abriu as portas para as revoluções jazzísticas de Miles Davis e Charles Mingus e, recentemente, para nomes emblemáticos da MPB, como Tom Zé e Arrigo Barnabé. A casa também abrigou os eventos da histórica Semana de 22 da vanguarda brasileira, que deu início à aventura modernista e abalou as estruturas culturais da São Paulo da época.
Em momentos políticos delicados, ofereceu guarida para movimentações pela liberdade. Em 22 de janeiro de 1945, por exemplo, o Municipal foi palco do encontro da Associação Brasileira de Escritores, reunindo Aníbal Machado, Sérgio Milliet, Monteiro Lobato e Jorge Amado. O evento tinha como objetivo fazer frente à censura e a opressão do Estado Novo de Getulio Vargas, resultando no manifesto escrito por Lobato e apoiado por seus companheiros que exigiam a democracia como garantia da completa liberdade de pensamento.
Esses e outros eventos são bem explorados no ótimo texto de Marcia Camargos. O lançamento de Theatro Mvnicipal de São Paulo: 100 anos abre também a exposição homônima com fotos de Cristiano Mascaro e o acervo de Luciano Cerri. Fecha a história do teatro até aqui e abre expectativas sobre o futuro que, ao que tudo indica, será ainda o de instrumento essencial para a evolução e difusão cultural na São Paulo do jovem século 21.
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