Professor doutor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), o economista Pedro Rossi coordena o conselho editorial do site Brasil Debate, que reúne pesquisadores de diferentes áreas empenhados em discutir um projeto para o País. Especializado nos aspectos macroeconômicos do desenvolvimento brasileiro, Rossi afirma que um dos grandes equívocos do governo Dilma Rousseff em 2015 foi promover um ajuste brusco dos preços regulados na esfera federal, como os da energia e da gasolina. “Pior do que segurar os preços, é soltá-los de uma vez só”, diz o economista. “O que foi implementado foi o choque de preços.” Na opinião de Rossi, se tivessem sido adotados aumentos graduais, a inflação estaria próxima do teto da meta, em vez de avançar para a casa dos dois dígitos. Ainda assim, Rossi se prepara para a virada do ano otimista em relação à possibilidade de mudança do cenário econômico: “A sociedade tem mecanismos e mobilização capazes de tornar muito difícil a implementação do projeto conservador, ultraliberal, que está em andamento”. Quanto à saída, ele não tem dúvidas: “O remédio é uma política econômica voltada para a manutenção do emprego e para a geração de renda. Temos que inverter os valores que estão postos nos debates e inverter a direção das políticas. Acredito que isso vai acontecer, porque o ajuste liberal fracassou”.
Brasileiros – Quais as suas expectativas para a economia em 2016?
Pedro Rossi – O ano que vem não vai ser pior, porque 2015 está uma catástrofe em termos de crescimento econômico. Espero alguma melhora, que talvez não se reflita em um indicador positivo do Produto Interno Bruto ou talvez o PIB pare de cair. Mas isso é muito imprevisível ainda, depende de uma série de circunstâncias, como o andamento da crise política e a orientação da política econômica, que a meu ver está absolutamente equivocada, com esse choque liberal implementado em 2015.
Existe a possibilidade de os atentados em Paris afetarem a economia mundial e, por tabela, o Brasil?
Não vejo grandes transformações da economia mundial decorrentes desses atentados. O preço do petróleo já está muito baixo. A economia mundial continua patinando. Os parâmetros para o nosso crescimento estão dentro das fronteiras nacionais. A chave para o crescimento continua sendo a expansão da infraestrutura produtiva, logística, social e um modelo voltado para o mercado interno, que, apesar de estar desinflando, continua sendo uma fonte de dinamismo. Não vejo saídas pelo front externo.
Quem tem menos de 40 anos nem sempre consegue imaginar o cotidiano dos tempos em que o preço dos produtos subia da noite para o dia. O Brasil corre o risco de voltar a viver esse tipo de problema?
Não. Uma série de mecanismos que geravam aquela hiperinflação foi desmontada. É possível a retomada de uma inflação de dois dígitos, mas não acredito em volta à bola de neve que era a hiperinflação. O Brasil não conseguiu resolver totalmente o problema da inflação, mas dificilmente retornará à dinâmica dominó, em que a indexação vai repassando a inflação para a frente e aumentando-a. Ainda temos, no entanto, que resolver os problemas de indexação que persistem. E o ajuste brusco dos preços administrados que o governo fez este ano é arriscado. Por isso, é interessante discutir o diagnóstico.
Qual a origem da atual inflação?
A inflação no Brasil estava próxima do teto da meta já há alguns anos, em torno de 6%, 6,5%. O que ocorreu este ano foi um ajuste dos preços administrados, principalmente energia e gasolina. O governo resolveu fazer um ajuste de uma tacada só, em vez de optar por aumentos graduais. Essa opção se mostrou equivocada. O aumento da inflação foi muito grande porque se juntou a outro choque, da taxa de câmbio, e a uma economia extremamente oligopolizada, que ainda tem resquícios da indexação. Ou seja, os produtores repassam o aumento para o consumidor. Esse tipo de ajuste se difunde de uma forma muito rápida. Na minha opinião, o grande erro da política inflacionária deste ano foi o ajuste dos preços administrados.
Como é a política de preços administrados?
Os preços administrados são determinados por contrato e regulados pelo governo, que determina os preços-chave. Ao longo do tempo, isso se mostra positivo ou negativo. Segurar os preços foi um erro do ponto de vista do setor energético, elétrico, talvez um erro difícil de apontar a priori, porque não se sabia que passaríamos por um período de seca muito longo.
A medida teve a ver com a campanha eleitoral?
Acredito que não. Foi a forma que o governo Dilma Rousseff encontrou para manter a inflação abaixo do teto da meta. O governo Lula fez isso com o câmbio. Apreciou a taxa de câmbio para segurar os preços. O governo Dilma mudou os preços administrados. Podemos questionar se foi correto. O fato é que isso foi discutido na campanha eleitoral. E a campanha de Dilma estava muito mais propensa a um repasse gradual dos preços administrados. O choque de preços estava posto pelos economistas associados a Aécio Neves.
Qual o impacto da mudança?
Pior do que segurar os preços, é soltá-los de uma vez só. O que foi implementado foi o choque de preços. Ou seja, durante os primeiros três meses, o preço da energia subiu mais do que 30%. Em torno de um quarto da inflação atual pode ser explicado diretamente pelo aumento de preço da energia. Se não tivéssemos o aumento dos preços administrados e seus efeitos indiretos, provavelmente a inflação estaria em torno de 6,5%. O erro é não ter uma estratégia gradual.
Quais os principais efeitos da inflação?
O problema da inflação é que ela vai distorcendo os preços relativos. Se tudo aumentasse de preço de maneira uniforme, não teria problema, porque o poder de compra ficaria inalterado. Mas a inflação distorce alguns preços. Uns setores ganham, outros perdem. E isso é um problema do ponto de vista da alocação de recursos e da distribuição da renda. Não há nenhum consenso sobre qual é a inflação ideal. O que se sabe é que uma inflação acima de 10% pode gerar mecanismos de indexação ruins para a economia, mas uma inflação muito baixa, de 1%, de 2%, ou uma deflação é terrível para a economia.
Por quê?
Porque a inflação é uma espécie de oxigênio da economia, um sinal de que a economia está funcionando. Alguns setores ajustam os preços porque têm essa folga e assim conseguem sobreviver ou permanecer produzindo. Uma deflação significa que os produtores não têm espaço para aumentar preços. Pelo contrário, eles têm que reduzir os seus preços. Isso geralmente está associado a uma crise enorme do setor produtivo, que os Estados Unidos e a Europa viveram recentemente, e que foi gravíssima na década de 1930. Então, a deflação é terrível para o sistema econômico, assim como uma hiperinflação.
Dependendo do nível, a inflação pode aguçar a desigualdade social?
Sem dúvida, porque ela pode decorrer de conflitos distributivos. Os trabalhadores podem reivindicar aumento de salário e os empresários evidentemente podem repassar esses custos para os preços. Então, a dinâmica da inflação é muito afetada pelos movimentos de reivindicação salarial, de recomposição de lucros ou de conflito distributivo.
Ela pode afetar as pessoas de forma diferente?
Sim, e isso era importante no período da hiperinflação. Eu sou muito jovem, não vivi isso, mas os mecanismos de indexação foram criados justamente para proteger a economia do processo inflacionário. Tanto que o Brasil conseguiu conviver com a inflação durante muito tempo. Só que, ao mesmo tempo que essa indexação garantia à economia seguir adiante, ela aumentava a inflação.
Quais as consequências?
Quem tinha acesso a mecanismos de indexação estava mais protegido dos efeitos da inflação, ao contrário da população mais pobre, que não tinha nem conta bancária. Em um momento de crise como o atual, que aumenta a taxa de desemprego e fragiliza os sindicatos, a inflação prejudica a classe trabalhadora, porque há perda de salário real. Há uma piora na distribuição de renda. Do ponto de vista do conflito distributivo, estamos revertendo o processo dos últimos 15 anos, que teve aumento de salário real. Esse é o sentido geral do ajuste. E a inflação é uma peça desse ajuste.
Com o aumento generalizado dos preços, as finanças pessoais voltaram a ocupar lugar de destaque no cotidiano do cidadão. Como ele pode se defender dessa inflação?
A população hoje tem mais acesso aos bancos, aos fundos de aplicação financeira, à própria poupança. Esse tipo de aplicação protege um pouco, não totalmente, a renda das pessoas. O problema maior é a vinculação da inflação com a crise econômica, que cria um quadro de fragilidade da classe trabalhadora. Ela não consegue aumentar os salários nominais acima da inflação, o que gera uma perda de salário real, ou seja, perda do poder de compra.
Aumentar a taxa de juros para combater a inflação no ritmo que se tem feito no Brasil não é um remédio pior do que a doença?
É pior do que a doença. É absolutamente inócuo. Como eu coloquei no início, essa inflação é essencialmente uma inflação de custo. É uma inflação de preços administrados, uma inflação de taxa de câmbio. A taxa de juros não afeta isso. A taxa de juros não vai reduzir o preço da energia, o preço da gasolina e o preço dos produtos importados, que aumentaram por conta da taxa de câmbio. Então, esse ajuste de juros está, no fundo, aprofundando a recessão. E transferindo renda para a parcela da população detentora de títulos públicos.
Um pouco de inflação com crescimento é melhor do que estabilidade com recessão?
Sem dúvida. A recessão que aumenta o desemprego é a pior coisa que tem. O desemprego dilacera os laços sociais, acaba com o planejamento familiar, tira o filho da universidade, bota para trabalhar, porque o pai está desempregado. É uma violência contra o cidadão. Já houve um tempo em que a política econômica dava prioridade absoluta ao emprego. Era dever do Estado cuidar do emprego das pessoas. Agora o consenso da política econômica mudou. Virou a inflação. E o emprego é uma coisa que o mercado deveria naturalmente ajustar. Considero esse um consenso perigoso.
A atual taxa de desemprego já é preocupante?
O preocupante é a velocidade do aumento da taxa de desemprego. No final do ano passado, tínhamos a menor taxa de desemprego dos últimos anos, da série do IBGE. Em torno de 5% no final do ano. Agora estamos com a taxa de desemprego chegando a 8%. E a previsão é chegar em janeiro com 10%. Talvez em 13% março. O Brasil não vai conviver bem com taxas de desemprego nesse nível.
Qual o remédio contra isso?
É o crescimento. O remédio é uma política econômica voltada para a manutenção do emprego e para a geração de renda. E não uma política econômica que visa gerar austeridade para reduzir a dívida pública ou ajustar a inflação. Temos que inverter os valores que estão postos nos debates e inverter a direção das políticas. Acredito que isso vai acontecer, porque o ajuste liberal fracassou. O ajuste do choque liberal nos preços, nos juros e na política fiscal está levando o Brasil para o buraco. O debate público vai se dar conta disso e o governo, consequentemente, vai mudar a direção. Espero que não demore muito para mudar de direção. Mas a nova direção deve olhar para o crescimento e o emprego. E não se preocupar exclusivamente com o corte de gastos e aumento dos juros.
E a crise política? Como o cenário político afeta a economia nesse momento?
Tem afetado a economia em particular pelo canal das expectativas que reprime o investimento privado e pelas operações relacionadas ao setor de petróleo e às construtoras. A Petrobras retraiu muito o investimento e ela é uma empresa fundamental para a economia brasileira. A Petrobras é a maior exportadora do Brasil. A maior importadora. A maior gastadora. Quando uma empresa desse porte retrai os gastos, retrai suas atividades de modo geral, tem um impacto imediato na economia. Da mesma forma, a operação Lava Jato tem afetado a atividade das construtoras. Quando você paralisa o setor da construção civil, o efeito na economia é imediato. O combate à corrupção é absolutamente bem-vindo, mas não precisa paralisar o País. Os culpados não são as empresas, muito menos a grande maioria de seus empregados, são pessoas físicas, que praticaram atos ilícitos. Então, essa crise política tem afetado sim, tem uma parcela grande da responsabilidade pelo crescimento negativo deste ano.
Você acredita na reversão desse quadro a curto prazo?
Depende de uma série de fatores. Não quero passar uma imagem pessimista, mas acredito que essa reversão social que a gente está vivendo não vai acontecer sem resistência. A sociedade tem mecanismos e mobilização capazes de tornar muito difícil a implementação desse projeto conservador, ultraliberal que está em andamento. Sou otimista de acreditar que haverá resistência.
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