Porto Príncipe? Não. É o centro de São Paulo

Se um marciano descesse na tarde desta segunda-feira no centro de São Paulo, antes da chuva, poderia imaginar que errou o caminho e foi parar em Porto Príncipe, no Haiti.

Por toda parte no entorno da praça da Sé, o marco zero da cidade, no Vale do Anhangabaú e bairros adjacentes, tinha gente jogada ou vagando pelas ruas e gramados, sem rumo, mendigo pedindo esmola para mendigo, nóias roubando crack de outros nóias, um cenário de completa degradação humana. Deu até medo.

Há tempos não ia ao chamado centro velho de São Paulo. Confesso que fiquei assustado com o que vi. Nas últimas semanas, já havia reparado como aumentou a quantidade de indigentes de todas as idades largados pelas calçadas, cercando motoristas e pedestres, pedindo alguma ajuda.

Como aqui não tivemos terremoto nem guerra, logo relacionei a triste paisagem ao que li em notícias esparsas publicadas pelos jornais nos últimos dias sobre o fechamento de albergues na região central. Os números variam, mas dão conta de que a população de rua perdeu 700 leitos em albergues municipais e outros 485 devem ser desativados ainda este ano.

O Movimento Nacional da População de Rua calcula que cerca de 15 mil pessoas sem teto perambulam pelas ruas de São Paulo – duas mil delas na região em volta da Praça da Sé, segundo a Associação Viva o Centro. Com as enchentes, a quantidade de desabrigados na cidade só fez crescer, mas não há estatísticas recentes.

A Secretaria de Assistência Social do Município alega que os albergues “foram desativados porque estão com estruturas precárias”, segundo o Estadão. Poder-se-ia perguntar porque, em lugar de fechá-los, não foram providenciados consertos para melhorar as estruturas ou construídos novos albergues.

Ao que parece, planeja-se tirar esta população do centro e levá-la para as periferias, como já foi feito com muitas favelas, mas o que se vê hoje é cada vez mais gente vagando pelas ruas, como aconteceu nas semanas seguintes ao terremoto em Porto Príncipe.

As cenas de abandono e miséria absoluta, antes restritas ao centro, espalharam-se por outros bairros da chamada área nobre da cidade, e nada indica que os sem-teto aceitem ir para longe dos locais onde, bem ou mal, catam lixo e pedem esmolas para sobreviver.

Sob as marquises de prédios abandonados ou viadutos, famílias inteiras multiplicam-se na maior e mais rica cidade do país. Claro que não é de hoje que isto acontece, mas como não costumo ir ao centro fiquei impressionado, no pequeno trajeto que caminhei, após o almoço, do Largo São Francisco à Praça da Sé, com a quantidade de lojas e prédios inteiros fechados, pichados, abandonados.

Tinha ido almoçar com amigos no restaurante Itamaraty, em frente à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tradicional reduto de estudantes, advogados e magistrados. Dos velhos tempos, quando as famílias paulistanas vestiam “roupa de domingo” para passear no centro nos finais de semana, só restaram mesmo a faculdade e algumas cadeiras de engraxates.

Mudaram a paisagem urbana e humana, com mais gente andando de chinelo e bermuda do que de terno, o restaurante estava sem luz e a comida já não era a mesma, pessoas a caminho do trabalho ou do ônibus cruzando com jovens drogados, desocupados fazendo hora nos bancos e nas muretas da praça. Por volta das três da tarde, um forte cheiro urina tomava conta do ar e centenas de sacos amarelos de lixo, utilizados pelos garis da prefeitura, esperavam nas esquinas o caminhão passar para recolhê-los _ se possível, antes da chuva.

Não aguentei ficar por ali mais de meia hora, de preferência perto de um posto da Base Comunitária Móvel da Polícia Militar. Tão cedo não vou esquecer destas poucas horas em que voltei ao velho centro paulistano, onde trabalhei e me diverti por mais de vinte anos, entre as décadas de 60 e 80 do século passado. Não aconselho a ninguém este passeio.

Em tempo: o leitor Thales Segosi enviou um comentário, às 16h29, no qual afirma que a mesma situação de São Paulo pode ser encontrada em outras capitais brasileiras e sugere que cada um conte como está a sua cidade. Bela idéia. Está feito o convite, caros leitores.

Em tempo 2: voltei para casa no começo da noite com uma boa notícia. Hoje não choveu em São Paulo! Pelo menos, até onde minha vista alcança E a calçada do bar do meu amigo Beto Ranieri, uma tradicional tabacaria da cidade, no Jardim Paulista, onde não se pode fumar, algo inédito no mundo, virou uma agradável prainha no final da tarde. Só faltou a brisa do mar


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