Prazer de viver no teatro

Ele é um dos grandes nomes vivos do teatro brasileiro. Ao longo de mais de meio século de dedicação ao teatro e 80 anos de vida, completados em 12 de dezembro, vem procurando se renovar. “A gente se enjoa da gente mesmo. Quero ir mais fundo. Quero sair na chuva de madrugada e me molhar. Tem de fazer alguma coisa para renovar tudo”, diz ele. Essa inquietude consigo e com o trabalho de autor são as doses de insanidade que Antunes Filho pleiteia para si próprio. A sua nova empreitada nesse teatro de autor estreia neste sábado (27), no Teatro Anchieta do Sesc Consolação. Policarpo Quaresma inicia a temporada e encerra a Trilogia Carioca, que começou com a montagem da peça A Falecida Vapt-Vupt, seguida de Lamartine Babo. Em meio aos ensaios com o grupo do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) e com o Grupo Macunaíma, ele concedeu ao site da Brasileiros essa entrevista para falar sobre a peça, baseada no livro Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, sobre teatro e o que lhe motiva a continuar trabalhando. “A alegria de viver. O prazer de viver. Fazer teatro é um ato criativo que te dá elã. Você renova teu elã”, filosofa. Confira o papo!
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Antunes Filho – Alô Amilton, boa tarde!

Brasileiros – Boa tarde!

A.F. – Desculpe, mas estou cheio de ensaios. Aqui tem muito barulho (ele reclama com as pessoas do outro lado da linha). Por favor, está muito por aqui. Vamos parar tudo. Pode falar…

Brasileiros – Gostaria que você falasse da Trilogia Carioca, que iniciou com a montagem de A Falecida Vapt-Vupt, passou por Lamartine Babo, e agora se encerra com Policarpo Quaresma. Qual foi o intuito dessas três montagens?
A.F. – É porque eu tinha feito, há algum tempo atrás, uma (peça com o tema) Pernambucana (uma das peças que ele montou foi A Pedra do Reino, baseado em livro homônimo de Ariano Suassuna), e ali inclui o Nelson (Rodrigues). Agora, na Trilogia Carioca, eu coloquei novamente uma peça do Nelson, que foi A Falecida Vapt-Vupt. A ideia aconteceu sem querer. Quando batizei essas três montagens de Trilogia Carioca. Queria, de certa maneira, ser grato a tantos amigos e tantos artistas que conheci no Rio, e muitos já morreram. Lá, conheci Clarice (Lispector), Antonio Callado, Paulo Pontes. Enfim, uma porção de artistas. O Vianinha (o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho), que apesar de ser de São Paulo, morava no Rio. Foi uma espécie de homenagem que fiz para todas essas pessoas amigas. Se você pegar, por exemplo, o Lamartine Babo e o Lima Barreto, o L.B. e o L.B., são geniais. Nem preciso falar que, no caso do Lima, não tive o privilégio de conhecê-lo (risos).

Brasileiros – Qual é a interlocução entre essas três montagens?
A.F. – Se você me pergunta isso, me deixa de calça curta. Não sei se essa foi realmente só uma inter-relação, pelo meu impulso fraternal com essas pessoas. Foi também. Acho que fazer isso é, de alguma forma, colocar o meu amor pelo Brasil e pelo Rio de Janeiro, que durante tanto tempo foi capital federal e lá residia o centro cultural do País. Então, a relação foi essa: uma saudade de um tempo que já se foi, mas que permanece na minha memória.

Brasileiros – Lima Barreto é um dos poucos intelectuais ou artistas que não abriu concessões no seu percurso de vida profissional. Sabemos que ele pagou um preço alto por essa atitude…
A.F. – Mas também o que ele viveu de contradições dentro dele. Foram muitos os demônios que conviveram com ele. Lima foi à loucura de tantas contradições que ele tinha. A decepção com a República, as dificuldades materiais, a convivência com o pai louco e tantos outros infortúnios, alquebraram-no. Ele foi jogado ao alcoolismo e a loucura. Lima era um homem muito honesto, sempre. Mudou de lado algumas vezes, mas sempre brigando pelas suas contradições. Não é que ele mudou de lado, foram as forças que ele tinha de superar que mudavam de rumo.

Brasileiros – Entrevistamos a antropóloga Lilia Schwarcz e ela disse que Lima Barreto sempre foi um personagem muito caro para ela. Inclusive, ela pensou várias vezes em pesquisar sobre ele, mas ia deixando de lado esse projeto. Agora, finalmente, aceitou a empreitada e está fazendo um livro-ensaio sobre ele…
A.F. – Oba, que notícia bacana.

Brasileiros – Ela encontrou na Biblioteca Nacional textos e anotações inéditos do escritor. Em um desses textos, Lima Barreto relata sua decepção com os rumos da República…
A.F. – Ele era simpatizante da Monarquia, mas depois mudou para a República. O que houve de muito triste com o Lima Barreto foi que o pessoal da Semana de 22 o rotulou de ultrapassado. O outro que não era modernista, Monteiro Lobato, também foi tachado pelo pessoal da Semana de Arte Moderna. Lobato era muito admirador da obra do Lima, inclusive chegou a visitá-lo no Rio de Janeiro. Tomara que agora a gente quebre essa corrente negativa em torno do Lima Barreto. Ele é extraordinário, é extraordinário.

Brasileiros – Qual a força do Lima Barreto, que chegou até os nossos dias. O que mais lhe impressiona nele?
A.F. – Acho que ele é um puta precursor, até mais que o pessoal da Semana de Arte Moderna. Muitos não acham isso, mas eu acho. O que importa é que ele põe o dedo na ferida. O que mais me impressiona nele são as contradições. Ele trabalha com as contradições o tempo todo e é raro você ver um autor que trabalhe com as contradições. O Lima não só trabalha como vai fundo nelas. Por isso, foi que ele ficou louco (risos).

Brasileiros – Você defende algumas teses fortes. Quando você adaptou o livro Macunaíma, de Mário de Andrade, disse na ocasião que o personagem Macunaíma trazia muitos traços da personalidade de Oswald de Andrade…
A.F. – Tenho certeza sobre isso. É uma coisa intuitiva. Têm coisas particulares da vida do Oswald que o Mário colocou no personagem Macunaíma. Há estudiosos do Mário de Andrade que não concordam de jeito nenhum com minha posição. Eles não concordam mesmo. Briguei na época (a peça Macunaíma foi montada por Antunes Filho, em 1978) com esse pessoal. Eles ficaram putos da vida comigo (risos). Muitos intelectuais paulistas também são arredios ao Lima Barreto.

Brasileiros – Como será a montagem da peça Policarpo Quaresma?
A.F. – O personagem Policarpo Quaresma é nosso Dom Quixote. O espetáculo é miscigenado. Ele é mestiço mesmo. Tem de tudo lá: circo, teatro de revista, comédia de costumes. Apesar de ser uma história triste do nosso passado, o espetáculo pega também o lado tragicômico dessa história. Todo o romance de Lima Barreto está dialogado no meu espetáculo. Eu e o elenco lemos o livro Triste Fim de Policarpo Quaresma durante meses e montamos o espetáculo em cima dessas leituras, desse texto.

Brasileiros – Como você trabalha com o texto?
A.F. – É louco, muito louco. Com uma dose imensa de loucura, de devaneio (risos).

Brasileiros – Com o encerramento da Trilogia Carioca, qual teu próximo projeto?
A.F. – Não sei ainda. Pode ser que eu até passe para o lado do arquinimigo do Lima Barreto (risos)ou seja, Machado de Assis. Talvez sim, não sei. E se eu pegar para fazer, certamente será em cima do livro O Alienista, que há muito tempo quero fazer, mas vou adiando.

Brasileiros – Você, em determinada fase da sua carreira de diretor, decidiu não mais trabalhar com peças comerciais. Não vai mesmo mudar de ideia?
A.F. – Por enquanto isso não me faz falta nenhuma. Não estou necessitando disso (risos). Cada vez mais acho que tenho de ir mais fundo naquilo que eu propus fazer. Estou ficando enjoado de mim mesmo.

Brasileiros – Como assim?
A.F. – A gente se enjoa da gente mesmo. Quero ir mais fundo. Quero sair na chuva de madrugada e me molhar. Tem de fazer alguma coisa para renovar tudo.

Brasileiros – Você acha que se renova a cada trabalho?
A.F. – Eu tento. Fico brigando de um lado e de outro. A Falecida Vapt-Vupt foi uma briga. Pouca gente entendeu, porque as pessoas não têm cultura visual, de artes plásticas, de vídeoarte. Então, foi um luta, mas eu gostei muito daquilo que criei. É difícil se renovar, é difícil. Tem de cortar um dedo, sem virar Lula (risos).

Brasileiros – O que mais lhe motiva a continuar trabalhando aos 80 anos de idade e mais de meio século de carreira?
A.F. – A alegria de viver. O prazer de viver. Fazer teatro é um ato criativo que te dá elã. Você renova teu elã.

POLICARPO QUARESMA
Quando: de 27 de março até 6 de junho
Sextas e sábados, às 21h. Domingo, às 19h
Onde: Teatro Anchieta – Sesc Consolação
Rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque – São Paulo (SP)
Informações: (11) 3234-3000
Site: www.sescsp.org.br


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