Princesa Anastasia

Depois de uma fase de separação, começamos a rever antigos amigos que tinham se perdido no tempo em que mudamos de turma para conhecer o mundo – não só nas viagens físicas, como amorosas, namorando pessoas que frequentavam outros lugares, que tinham outros amigos. Quando ocorre esse reencontro, são como diferentes livros contando suas histórias diversas. Pode acontecer no clube que voltamos a frequentar, em uma festa ou até no meio da rua. Às vezes, as pessoas estão irreconhecíveis; outras, levemente parecidas. Mas, após o reencontro, o comentário é quase sempre o mesmo:
– Coitada, era tão rica e perdeu tudo!

Por que será que quase sempre a narração desses reencontros termina com essa frase? Como final de novela em que uma personagem confessa ao marido que o filho não é dele.

Outro dia fui visitar uma antiga amiga, de família riquíssima, que estava alugando um andar da sua casa para melhorar de vida, quando encontro uma senhora fina e loura, candidata ao aluguel, que me perguntou se eu era filha dos meus pais, que tinham sido seus amigos no clube. Respondi que sim, e ela me disse que tinha comprado a coroa de brilhantes que meu pai deu para minha mãe e que tinha pertencido à Marquesa de Santos. Lembro-me bem dessa coroa que mamãe colocava, de brincadeira, na minha cabecinha de criança, me levando até o espelho e dizendo:
– Cuide bem dela, porque quando eu morrer, tudo isso será seu.

E eu ficava ali olhando o cofre aberto, cheio de pedras brilhando, louca para sair dali e brincar com a sobrinha da empregada. Depois, meus pais morreram e nada daquilo ficou para mim ou para minha irmã, já que eles tinham perdido tudo. São histórias de família e de empresas cujo primo roubou, o tio sumiu, o empregado bobeou e por aí vai. Contei essa história da coroa para minha irmã, e ela me aconselhou a não falar mais nisso, pois iria ficar com fama de doida como a princesa Anastasia, que se dizia Romanov e ficou conhecida como louca, já que toda a família imperial russa tinha sido morta.

Após muitos anos, há amigos antigos que tenho dificuldade em reconhecer. Outro dia, cumprimentei uma senhora magra, de cabelos brancos, achando que era o Ferreira Gullar. Ainda bem que não rolou nenhum papo entre nós, pois eu pagaria o maior mico. Acho que as pessoas, hoje em dia, deveriam usar crachá com nome e sobrenome em letras bem grandes para evitar confusão. E quanto a perder tudo, o que se pode fazer em um País onde, desde menina, ao mesmo tempo que eu olhava a coroa da Marquesa de Santos, lia nas paredes das ruas, em época de eleições: “Adhemar rouba, mas faz”. Depois, veio o Cacareco, um rinoceronte-candidato que ganhou muitos votos e, por fim, ou sei lá se é ou não o fim, o Tiririca veio para afirmar que: “Pior que tá não fica”.
Seria essa a terra do futuro anunciada por Stefan Zweig? Ou será que nessa crise mundial, o Brasil irá se tornar realmente o tal?

Tomara que ele vire “o cara” e que, nos tempos dos meus netos, alguém pergunte pelo Brasil e não tenha ninguém para dizer:
– Era tão rico, né, meu Deus? Cheio de rios, florestas, ouro, petróleo, pedras preciosas… Não é que perdeu tudo?

Deus queira que o País seja emergente como os frequentadores atuais dos restaurantes onde não conhecemos mais ninguém, como o antigo Antonio’s, no Leblon, em que Tom Jobim e seus amigos ficavam na calçada com seus uísques e cigarros nas mãos e se ouvia Elba Ramalho na calçada defronte ao Bar People, falando em um orelhão:
– Me encontre no Pipo. É, tô te esperando. Escreve aí: Pipo. Pi-pó!

Que saudades daqueles tempos! Tom, Antonio’s, Pipo…
Será que eu estou mesmo ficando louca, assim como a princesa Anastasia, ou perdemos tudo?


*É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries. Também é cronista do Jornal do Brasil – onde ainda tem uma coluna na versão on line. Seus textos foram compilados em O Quebra-Cabeças, publicado pela Imprensa Oficial, em 2005.


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