Profissão Repórter

Ao leitor que estranhar o “R” maiúsculo (em caixa alta, como diríamos nós, jornalistas) no título desta resenha, um primeiro esclarecimento: quando se trata de Audálio Dantas, reverências de seus pares são mesmo necessárias. Ele é Repórter com caixa alta, desses nobres colegas de profissão que, exercendo o ofício com ética e coragem, contribuíram para mudar os rumos históricos do País. Seu feito mais célebre, o gesto desafiador de, à frente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, em 1975, denunciar a morte covarde de Vladimir Herzog e contestar a abjeta versão de suicídio do jornalista, nos porões do DOI-CODI – braço forte da sangrenta repressão endossada pelo AI-5.

A denúncia de Audálio teve tamanha repercussão, dentro e fora do País, que as consequências foram desastrosas para o próprio regime militar. Menos de três meses depois, o operário Manoel Fiel Filho também foi assassinado e tratado como suicida na mesma cela em que morreu Herzog. Versão contestada por Audálio, que multiplicou a oposição dos sindicatos de jornalistas de todo o País ao regime. Três dias depois, o general Ednardo D’Ávila Melo, que comandou as duas operações, foi destituído do II Exército. Fiel Filho foi a última vítima fatal do regime e o gesto de presidente forte defendido por Audálio só fez fortalecer a luta pela reabertura política, reverberada na intensa militância sindical dos metalúrgicos do ABC paulista, sob o comando do ex-presidente Lula.

Retirante nordestino, como Lula, Audálio nasceu em Tanque D’Arca, no interior de Alagoas, e veio para São Paulo aos 12 anos. Hoje, aos 83, trata a denúncia da morte de Herzog como sua maior reportagem. Quem conhece a extensa produção de Audálio, sabe que é fácil discordar dele, sobretudo injusto apontar um texto que seja “maior” ou “melhor”. Prova inconteste dessa teoria chega às livrarias de todo o País neste mês. Acaba de ser reeditado, com o novo título Tempo de Reportagem (Editora Leya, 288 páginas), o clássico O Circo do Desespero, coletânea de reportagens, publicada em 1976.

Entre elas, textos históricos como O Drama da Favela Escrito por uma Favelada (publicada em 1958 no jornal Folha da Noite), Nossos Desamados Irmãos Loucos (sobre as condições desumanas do Hospital Psiquiátrico do Juqueri, veiculada na revista O Cruzeiro, em 1963) e Joaquim Salário Mínimo (narrativa das agruras de um brasileiro que sobrevive com o piso salarial instituído por Getulio Vargas, publicada na revista Realidade, em 1971).

Ao leitor que deve estar a pensar “…pronto, mais um livro de jornalista”, um esclarecimento final: o livro de Audálio (que além da experiência sindical, também protagonizou um respeitado mandato de Deputado Federal, entre os anos de 1978 e 1982) é para todos e é leitura enriquecedora. Como um cronista ou um contista, dado seu grande talento literário, Audálio registrou fatos históricos e dramas cotidianos que marcaram a trajetória recente deste País que ele sempre amou e, cumprindo a ética de seu ofício, ajudou a libertar.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.