Durante 20 anos, Patti Smith conviveu com uma antiga promessa. Poeta e musa precursora do punk, foi somente no início de 2010 que cumpriu o que havia jurado ao fotógrafo Robert Mapplethorpe pouco antes da morte dele, em 1989: escrever a conturbada e apaixonante história vivida entre os dois em plena efervescência da Nova York nas décadas de 1960 e 1970.

O resultado foi o livro Só Garotos (Just Kids), que não demorou a arrebatar leitores no mundo todo, faturar importantes prêmios literários, como o National Book Awards, nos EUA, e entrar para o rol dos best-sellers. Mas a recente notícia que deixou em polvorosa milhares de admiradores da publicação foi o anúncio de que a história será adaptada para o cinema, com produção prevista para estrear em 2013, e roteiro assinado pela própria autora, em parceria com o consagrado John Logan (Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, Gladiador e O Aviador).

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Para o crítico de cinema Christian Petermann, o futuro filme se encaixa no nicho das cinebiografias. “Elas sempre foram constantes e regulares, desde os anos 1940. Mas o que se observa é um número maior dessas produções globais (o que é normal), e em especial a tendência a uma fidelidade cada vez maior à realidade dos fatos, mais afeito ao espectador de hoje. Vive-se um absurdo culto à celebridade, mas este se reflete em uma curiosidade básica televisiva e viral. O cinema continua se debruçando para figuras de relevância.” De fato, quem percorre os olhos pelas páginas de Só Garotos sabe o porquê das expectativas para as telonas serem as melhores. De imediato, Patti apresenta ao leitor aquele por quem ela se apaixonara e com quem dividira as descobertas da arte e da existência humana: “Muito já se falou sobre Robert e outras coisas ainda serão ditas. Os rapazes imitarão seu jeito de andar. As garotas usarão vestidos brancos e chorarão por seus cabelos cacheados. Ele será condenado e adorado. Seus excessos serão malditos e romanceados. Por fim, descobrirão a verdade em seu trabalho, o corpo físico do artista. Isso não se afastará. Os homens não podem julgá-lo. Pois é a Deus que a arte canta, e afinal pertence a ele”.

Chelsea em cena
Nascidos em 1946, foi na Nova York de 1967 que Patti Smith e Robert Mapplethorpe se conheceram. Ela havia deixado para trás um emprego em uma fábrica, uma faculdade não concluída e um filho que, por não ter a menor condição financeira de criá-lo, foi doado assim que nasceu. Robert, por sua vez, havia rompido com o que a família esperava dele – o pai queria vê-lo cursar comunicação visual e a mãe o imaginava padre. Em comum, os dois estavam dispostos a viver da arte e para arte. Não demorou aos dois juntarem seus poucos pertences e aceitarem qualquer tipo de emprego para pagar o aluguel de um pequeno apartamento. Robert fazia colares de miçangas, desenha e pintava. Patti pintava e escrevia poesias. Colocavam na vitrola os discos de John Coltrane, Bob Dylan, Rolling Stones, Vanilla Fudge, Tim Buckley e Tim Hardin, e passavam horas admirando livros sobre arte tântrica, Michelangelo, surrealismo e arte erótica. Nos cinco anos seguintes, até 1972, viveriam uma avalanche definitiva de transformações. Nesse período, os primeiros trabalhos foram publicados, a falta extrema de recursos financeiros deu espaço para uma vida modesta, mas permitiu que se mudassem e respirassem a atmosfera de um minúsculo quarto do famoso Hotel Chelsea.

Conhecido na época por abrigar ou ser ponto de passagem de artistas – dos mais famosos aos mais decadentes -, foi lá que o casal conheceu, entre outros, a cineasta Sandy Daley, os poetas beatniks Allen Ginsberg e Gregory Corso, o escritor William Burroughs, além de Bob Dylan e Janis Joplin. Também frequentaram a badalada casa noturna Max’s Kansas City, ficando íntimos da turma de Andy Warhol.

Foi por esse tempo também que Patti deu vazão às suas poesias e começou a musicá-las, originando uma melodia que seria apontada, mais adiante, como a precursora do punk. “Ela foi importante pela forte personalidade e posicionamento em uma época muito complicada para ser jovem nos Estados Unidos. O fato de ela ser mulher e roqueira também ajudou a jogar luz em sua pessoa contundente”, destaca o crítico musical Lúcio Ribeiro. É ele quem arrisca uma trilha sonora ideal para o filme: “Na órbita da Patti Smith giravam nomes como o Velvet Underground, Television, Blue Oyster Cult. Mas colocaria também Doors e Modern Lovers”.

Patti e Robert não ficaram juntos por muito mais anos. Ele assumiu sua homossexualidade e viveu paixões. A principal foi pelo homem que seria seu mecenas até o fim da vida. Realizado por meio da fotografia, que o deixou milionário, ele encontrou a fama mergulhando no universo sadomasoquista homossexual e produzindo trabalhos. Patti se casou com Fred “Sonic” Smith, fundador da banda de rock MC5, teve dois filhos e não parou mais de cantar.

Mas como se espera no roteiro do filme, a Sétima Arte deixará registrada a história de duas pessoas que, um dia, garantiram que nunca ficariam longe um do outro. Foi ele quem sempre a fotografou e a inspirou. E foi ela quem sempre esteve presente na vida dele, inclusive quando Robert descobriu ser portador do vírus da AIDS. Assim como foi Patti também quem melhor pôde compreender o tom de rebeldia, contracultura e cumplicidade que os envolveu: “Aprendi a ver com você e nunca faço um verso ou desenho uma curva que não venha do conhecimento que consegui durante nosso valioso tempo juntos. Passando por anos de trabalho na minha cabeça, vi que, de todos os seus trabalhos, você ainda é o mais bonito. O trabalho mais lindo de todos”.


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