Punks de butique

Tudo o que eu queria ver, e o que não queria, sobre o movimento punk o fiz durante os anos 1970 e 1980. Assim, não estava interessado em revisar a coisa toda em um museu. Quando o Metropolitan Museum of Art, de Nova York, lançou, em maio, a exposição PUNK: Chaos to Couture, minha disposição era a de manter distância. Desconfiei que seria, novamente, submetido aos espancamentos comuns nas pistas de dança dos clubes noturnos, como Mud Club ou CBGB. Mas a noite de gala do evento, mostrada pela televisão, revelou mudanças de comportamento nessa questão. A começar pelo carpete vermelho à entrada da venerada instituição. Vermelho, no chão da frente das boates do gênero, na minha época, revelava apenas sangria desatada.

Em maio, na abertura da mostra, o que se viu foi uma súcia de celebridades vestidas de brilharecos e se comportando como seus antepassados faziam nas idas às discos Club 54 e Lenox. Tinha-se a antítese do punk. E também era de se esperar, já que o próprio nome da exposição indica que, ali, o punk passou do caos à alta costura. Uma perspectiva que está absolutamente correta, uma vez que até o CBGB – antro famoso nas noites nova-iorquinas – acabou virando loja do designer John Varvatos. O que se vê no museu é isso mesmo: coisa de butique.

Uns amigos brasileiros vieram a Nova York e marcamos encontro no Metropolitan. Achei que desejavam ver o acervo. Não era nada disso, queriam lamber com a testa a mostra punk. Como bom anfitrião, fui obrigado a acompanhá-los. São muito jovens, esses conhecidos, não viveram a época daquele movimento. Eu poderia ter montado para eles uma boa mostra com apenas um manequim. Colocaria no boneco o cabelo do Neymar – pintado de verde ou roxo. Vestiria nele uma calça preta de boca fina, toda rasgada e suja, sustentada na cintura por um cinto cheio de tachas metálicas. Na parte de cima, correspondente ao tronco, viria uma camiseta em frangalhos, com imagem mal impressa de uma banda de rock obscura. O colarinho teria sido cortado a tesouradas erráticas, assim como as mangas, decepadas nas alturas dos ombros. Por cima disso, um casaco de couro com a aparência de ter sido atacado por uma matilha de pit bulls. Nos pés estariam botas pretas cheias de metais pontiagudos. Por toda a superfície, da indumentária e do corpo propriamente dito, um sem-número de alfinetes de segurança seria fincado, dando ao modelo certo ar de boneco de vodu.

Mas roupa, como se sabe, não faz o monge. Era fundamental certa atitude. Um misto de nojo, demência e revolta. Fundamental também era ter um nariz de abutre. Quem entrava no CBGB, por exemplo, era assaltado por um violento fedor de vômito, cerveja azeda, bodum de suor e, nas noites mais agitadas, lufadas suspeitas de carne pobre. Não era à toa que a turma mantinha as narinas entupidas com cocaína, já empedrada, servindo de rolha. Quem passasse por essa provação, entraria na porrada, que era o tipo de dança que animava as massas. Nem os músicos se salvavam, pois a apreciação à sua performance era manifestada com disparos de garrafas de cerveja ao palco.

Era divertidíssimo. Eu não saía do CBGB, do Mud Club e do Pyramid Club. Gostava dos punks. Tanto que me casei com uma. Hoje, ela é uma respeitada professora, mãe atenta e uma santa que mora comigo há 30 anos. Já a exposição do Met… Esqueça, não tem nada a ver.


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