Qualidade é a saída

Quando Cassiano Elek Machado se entendeu por gente, o livro e todo seu universo infindável se faziam presentes em sua casa. E não poderia ser diferente, já que ele é sobrinho de ninguém menos que Ruth Rocha, uma das mais aclamadas e talentosas escritoras de literatura infantil e juvenil do Brasil. Muitos devem conhecê-la por seu livro mais festejado, Marcelo, Marmelo, Martelo. “Uma das pessoas mais importantes na minha aproximação com esse universo foi minha tia, Ruth Rocha, que considero uma das grandes autoras brasileiras e que é uma leitora voraz”, diz Machado, na entrevista por e-mail ao site da Brasileiros. [nggallery id=14202] MAIS ESPECIAL LIVRO:
“Nasci no meio dos livros”
Uma profissional de cautela
“Formar leitor, só no livro de papel”
Livro, um produto diversoCassiano tem uma larga experiência na mídia imprensa. Tem passagens pela Ilustrada, da Folha de S. Paulo, onde trabalhou por dez anos como editor, além das revistas Trip e Piauí. Em 2007, ele foi diretor da programação da Feira Literária Internacional de Paraty (Flip).Toda essa bagagem agora está a serviço da editora Cosac Naify, que se firmou no mercado editorial pela excelência de suas publicações, não só pelo conteúdo (com títulos que dão inveja até mesmo às melhores editoras do País), mas também pela qualidade do design dos livros.Nesse momento de transição de plataforma de leitura, Cassiano afirma que as editoras ainda não serão afetadas no seu papel principal, que é o de escolher o que será publicado. “Além de filtrar entre as centenas e centenas de milhares de opções quais serão os títulos que ela, editora, acredita que o seu leitor deveria ler, ainda será a responsável por fazer com que a matéria-prima, o original, chegue a seu leitor da melhor maneira possível. Se for um texto escrito em outra língua, que receba a melhor tradução. Que passe pela melhor revisão, que encontre seu tamanho e seu título mais apropriado”, analisa. Ele salienta, no entanto, que as editoras, no primeiro momento, não estão aparelhadas para as mídias digitais. Para o diretor da Cosac Naify, haja o que houver no futuro do mercado editorial, “o livro sairá intacto desses chacoalhões”.Leia abaixo a entrevista.Brasileiros – Qual o papel das editoras nesse processo de transferência de livros físicos, os impressos, para livros digitais?Cassiano Elek Machado – O papel das editoras não tende a ser alterado neste momento de consolidação de novas plataformas de leitura. Elas continuarão tendo de cumprir um papel central que é o de escolher. Além de filtrar entre as centenas e centenas de milhares de opções quais serão os títulos que ela, editora, acredita que o seu leitor deveria ler, ainda será a responsável por fazer com que a matéria-prima, o original, chegue a seu leitor da melhor maneira possível. Se for um texto escrito em outra língua, que receba a melhor tradução. Que passe pela melhor revisão, que encontre seu tamanho e seu título mais apropriado. Em um segundo momento, quando houver uma quantidade grande de autores produzindo especificamente para plataformas digitais, o dia a dia das editoras talvez mude mais consistentemente, porque atualmente elas não estão aparelhadas para produções multimídia, por exemplo. Mas, haja o que houver, a essência permanecerá a mesma: a editora continuará sendo aquela que escolhe.Brasileiros – Alguns especialistas sobre a história do livro e do seu futuro, como o historiador americano Robert Darnton e o pesquisador inglês Peter Burke, que estiveram na Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), mostraram um mundo ainda muito incerto de como se dará, na era do livro digital, a garantia dos direitos autorais, o armazenamento dos livros e o acesso a eles, a possibilidade de plágios, etc. Como você avalia esses problemas e como podemos amenizá-los?C.E.M. – Historicamente, qualquer momento de grandes mudanças tecnológicas gera questionamentos dessa natureza. Mas a tendência é de que os principais atores do universo do livro continuem com os mesmos papéis. É natural que apareçam dúvidas quanto a direitos autorais e com relação à segurança dos novos processos. Com a mudança da plataforma de leitura, do impresso para o digital, mudam significativamente os custos de produção de um livro. Com a diminuição brutal de investimentos antes alocados em impressão, papel e distribuição, o preço do produto final cai muito. E é natural que tenha de se rediscutir os direitos do autor. E o fato de as plataformas digitais permitirem uma multiplicação muito mais simples de conteúdos realmente faz com que os produtores de livros tenham de encontrar uma solução tecnológica para impedir que deixem de ser remunerados, mas não encaro nenhuma dessas questões como uma hecatombe. O livro sairá intacto desses chacoalhões.Brasileiros – As editoras poderão passar pelos mesmos riscos que a indústria fonográfica passou, quando os livros digitais passarem a ser maioria? O que elas podem fazer para evitar um colapso nas suas vendas no futuro e, consequentemente, a possibilidade do fim dos seus negócios?C.E.M. – Não creio que as editoras tendam a perder um papel de destaque na cadeia do livro, mas é possível que, para alguns segmentos editoriais, voltados para produtos mais descartáveis, exista uma diminuição de faturamento. Acho que sobreviverão melhor as editoras que investirem em qualidade: quanto mais reafirmarem seu papel, que é o de escolher e dar o melhor tratamento aos diferentes tipos de originais, maior a chance de escaparem intactas dessa mudança de padrões.Brasileiros – Uma das questões levantadas pelo Robert Darnton será o problema da autoria de um livro, na era digital. Na época do Iluminismo francês, não existia a autoria de um livro, pois cabia ao rei decidir o que seria publicado. Com a proliferação dos livros digitais, haverá, segundo ele, um grande risco de que a autoria possa deixar de existir ou fique cada fez mais difícil de reconhecê-la. Como você analisa a questão?C.E.M. – São inúmeras as demonstrações de que no universo digital haverá mais espaço para a produção colaborativa, e, portanto, menos autoral, e esse tipo de processo criativo tende a crescer, o que é muito saudável. Mas, assim como a Wikipédia não consegue se firmar como um oráculo confiável, o livro “sem autor”, ou de autoria pouco clara, não substituirá o livro autoral.Brasileiros – A cada ano que passa há uma predominância, cada vez maior, na mídia impressa, de textos sintéticos, textos curtos, acompanhado um pouco o formato de textos produzidos pelas redes sociais (Orkut, Twitter, Facebook). Como isso vem afetando a produção literária dos escritores que publicam em editoras? O futuro do livro, além de digital, será de textos curtos, ou seja, de histórias curtas. Isso será uma exigência da editora e/ou dos leitores?C.E.M. – É inegável que, na média, o tamanho dos textos na imprensa esteja caindo, e há quem se influencie por isso em outros segmentos. A Cosac Naify lançou neste ano um livro, Os Anões, de Veronica Stigger, que é feito de relatos minúsculos, alguns com menos de mil caracteres. Mas de outra parte é interessante salientar que boa parte de nossos livros de mais êxito estão entre os mais volumosos. Clarice, de Benjamin Moser, biografia de Clarice Lispector, com mais de 700 páginas, é um de nossos maiores sucessos. Conversas com Woody Allen, de Eric Lax, é outro hit. O mesmo pode ser dito de livros como Os Miseráveis, Moby Dick e até de volumes como O Romance, de Franco Moretti, e História do Design Gráfico, de Meggs, dois livros gigantescos que têm vendas bem consistentes. Há muita gente interessada em livros de grande porte. E continuará existindo.Brasileiros – Como o livro eletrônico afetará o hábito da leitura?C.E.M. – O livro eletrônico será uma das possibilidades de leitura. Será uma das plataformas mais usadas para viagens, para leituras técnicas, para atividades didáticas. O livro impresso continuará tendo grande espaço.


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