“Transo de manhã, de tarde e de noite.”
De professora infantil a símbolo sexual e feminista, a atriz fluminense Leila Diniz teve uma breve, mas meteórica vida, tragicamente interrompida em um acidente aéreo na cidade de Nova Délhi, na Índia, há exatos 40 anos. A bordo do voô JAL 471, da Japan Airlines, que explodiu em 14 de junho de 1972, Leila Diniz, então com 27 anos, foi uma das 82 vítimas do desastre. A atriz retornava de uma viagem à Austrália onde divulgara o filme “Mãos Vazias” no Festival Internacional de Adelaide.
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Leila havia decidido retornar ao Brasil mais cedo para rever sua filha Janaína, então com sete meses de idade, fruto de seu relacionamento com o diretor moçambicano Ruy Guerra – radicado no Brasil desde 1958 – com quem era casada.
Mais do que mãe e atriz, Leila Diniz se consolidou como uma das figuras femininas mais emblemáticas e significativas do Brasil contemporâneo. Com seu comportamento exacerbado, a atriz e celebridadade não tinha papas na língua nem medo de cara feia.
Soltando o verbo
Em sua mais famosa e polêmica entrevista, dada ao jornal O Pasquim em novembro de 1969, Leila fez juz à expressão “soltar o verbo”, disparando algumas de suas mais célebres frases, como: “Você pode muito bem amar uma pessoa e ir para cama com outra. Já aconteceu comigo”, e outras ainda mais apimentadas, cujos diversos palavrões precisaram ser “maquiados” pelo periódico.
Mais do que o estardalhaço midiático, a entrevista causou verdadeiro furor nos orgãos de censura da ditatura militar então vigente no País. No dia seguinte de sua publicação, foi estabelecido o Decreto nº 1.077, uma das mais severas leis de censura à imprensa até então. Ironicamente, a lei passou a ser chamada “Decreto Leila Diniz” por seus detratores.
Outra das maiores polêmicas de Leila foi o registro – estampado em diversas capas de revistas e jornais – da atriz, então grávida de seis meses, usando biquíni na praia de Ipanema, em 1971. A imagem, hoje quase pueril, escandalizou a classe média e os conservadores da época, que a atacaram com veemência.
Tempos difíceis
Musa do Cinema Novo, em franca ascenção no País, Leila era amiga íntima de personalidades como Chico Buarque, Marieta Severo e Flávio Cavalcanti, responsável por abrigar a atriz em seu sítio quando sofreu forte perseguição do regime ditatorial. Foi Cavalcanti também quem estendeu a mão para a atriz em um dos momentos de maior dificuldade de sua vida.
Renegada pela TV Globo, onde havia integrado o quadro de atrizes, e ofendida por diretores de televisão, que diziam “não haver papel de puta na próxima novela”, Leila se tornou jurada do programa de Cavalcanti, quando chegou a sair escondida no banco de trás do carro do apresentador para não ser interpelada pela Polícia Federal, que a aguardava na entrada do estúdio da extinta TV Tupi.
Legado
Se estivesse viva, Leila estaria hoje com 67 anos, provavelmente muito diferente da figura sensual, debochada e corajosa que encantou – e provocou – o Brasil conservador dos anos 60 e 70.
Apesar de quatro décadas terem se passado, Leila continua viva no imaginário cultural brasileiro. “Toda mulher é meio Leila Diniz”, cantou Rita Lee em “Todas As Mulheres do Mundo”. Erasmo Carlos também a homenageou em “Coqueiro Verde”, um de seus mais elogiados sambas. “Como diz Leila Diniz, o homem tem que ser durão”, compôs o Tremendão.
Recentemente, a atriz também foi celebrada na seção Retratos da Vida, publicada no site do jornal Extra, onde as globais Luana Piovani, Mel Lisboa e Hermila Guedes reproduziram algumas de suas históricas fotografias.
Com quatorze filmes, doze telenovelas e diversas peças teatrais em seu currículo, foi mesmo através de suas atitudes e declarações que Leila Diniz deixou seu maior legado, afirmando o papel sexual, social e independente da mulher brasileira em uma sociedade com fortes tendências machistas e sob as rédeas curtas de uma implacável ditadura militar.
A receita para tamanha liberdade e simbolismo parece estar escancarada em uma das mais famosas e reproduzidas declarações de Leila: “Viver, intensamente, é você chorar, rir, sofrer, participar das coisas, achar a verdade nas coisas que faz. Encontrar em cada gesto da vida o sentido exato para que acredite nele e o sinta intensamente.”
“Coqueiro Verde” em versão do Trio Mocotó, com trechos da entrevista de Leila ao jornal O Pasquim.
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