Houve um tempo em que quase me aproximei de estranhas leituras. Ocultei-me em dicionários sebosos e, dali, não foi difícil procurar os livros da verdadeira maçonaria operativa ou textos de Rosenkranz que meu pai lia. Imaginava alusões a Cagliostro; Bíblias com apócrifos insuportáveis; o catálogo antigo de uma livraria pondo à venda M. De La Serna e seu Dictionnaire Bibliographique Choisi du Quinzième Siècle ou Description por Ordre Alphabétique des Éditions les Plus Rares et le Plus Recherchées, etc. E ainda La Magie et la Astrologie, de Maury (1877).
De todas essas passadas d’olhos (que leituras nunca o seriam) a que mais me seduziu foi aquela oferecida por uma mulher. Estatelei-me diante de sua pele escura, dos cabelos assim delicados, os olhos pedintes. Era uma jovem cigana, tão jovem quanto eu, e que não me pedia somente a mão. Mas na nossa vida limitada havia a crença de que ciganos roubavam crianças ou seduziam jovens para que fossem empregados em seus furtos. Quem passaria incólume por mãos delicadas e olhos assim macios?
A leitura das mãos, eu já o verificara, é uma arte de adivinhação com cinco mil anos de existência. Teria se originado na China, talvez na Índia. Os ciganos a carregaram consigo desde o norte da Índia até Tiblisi na Geórgia e, dali, pela Romênia, espalharam-na pelo mundo.
De acordo com o Dictionnaire Encyclopedique, de Charles de Saint-Laurent, publicado em 1845, a quiromancia é uma leitura que por um tempo foi desenvolvida pelos boêmios. Especialmente depois da morte do rei da França Luís XIII, que a cultivava.
No Brasil muito se deve a Onig Chanakarian Sana Khan, um mago armênio que, às vésperas da Revolução de 1930, foi levado à presença de Getúlio Vargas. Ele andava dizendo que uma revolução levaria ao poder pelas armas um gaúcho. Segundo as memórias de João Neves da Fontoura, ele predisse que Getúlio teria 24 anos de poder pela frente. Os primeiros 15 anos de glória seriam incontestáveis. Entretanto, estrelas maléficas na sua mão prenunciavam os restantes anos graves e nublados. Por vezes sua influência parecerá finda, mas estrelas ocultas lhe reconduzirão ao poder, vaticinou o quiromântico. Ora, Vargas foi uma sombra na política nacional de 1930 a 1954 segundo as vicissitudes que todos conhecem.
Em 1943 Jânio Quadros saía do escritório do advogado Vicente Rao, quando conheceu Sana Khan na sala de espera. O vidente leu-lhe a mão e previu que ele seria eleito vereador, deputado, prefeito, governador e presidente. Seria derrubado e recomeçaria tudo de novo. Mas na segunda vez seria assassinado. Bem, dessa vez o mago acertou somente a primeira parte. Jânio, de fato, acreditou-se derrubado por “forças ocultas” e recomeçou, em 1985, como prefeito de São Paulo. Deve ter imaginado uma candidatura à Presidência em 1989, mas talvez o temor do assassinato lhe tenha dissuadido da pretensão.
Tendo lido muito cedo A Cartomante, de Machado de Assis, jamais me aproximei das artes divinatórias. Ainda hoje me pergunto se o meu destino não estava ali, naquela jovem a quem eu deixei, já desvirtuado pelo meu realismo machadiano.
*Professor de História Contemporânea na Universidade de São Paulo.
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