Ranieri resiste: Lei antifumo cria pracinha caipira nos Jardins

Até os vizinhos mais antigos que não fumam e, portanto, nunca haviam entrado no bar e tabacaria do Beto Ranieri, na esquina da Lorena com a Ministro Rocha Azevedo, um reduto de charuteiros, estranharam ao ver a cena de cidade do interior em pleno coração dos Jardins, em São Paulo.

“Vocês também foram expulsos?”, perguntou-me um deles, sábado passado, ao nos ver do lado de fora, pitando na calçada, em bancos improvisados de jardim, que chamaram a atenção dos transeuntes.

Nunca fumei charutos, continuo fiel ao velho cigarro, mas desde que vim morar no bairro, faz quatro anos, fiquei amigo desta turma do Ranieri que se reúne ali no bar da tabacaria há mais de duas décadas, nos finais de tarde e de semana, para bater papo e tomar um aperitivo.

Tem de tudo nesta turma e, por isso mesmo, sempre sai uma conversa bem divertida: advogados, empresários, cineastas, construtores, gente do mercado financeiro, artistas globais, políticos e até jornalistas, entre outros tipos da cidade.

Moro ali perto e aquele virou meu bar da esquina, onde encontro os amigos e fico sabendo das novidades. Como trabalho em casa, é vital para mim saber o que anda acontecendo além das janelas do meu apartamento e do portão do prédio.

Agora, com a entrada em vigor, há duas semanas, da Lei Antifumo do Serra, que proibiu o fumo até em tabacarias, aonde as pessoas vão para fumar e quem não fuma não vai, como diria o conselheiro Acácio, tive que mudar meus hábitos.

Para encontrar as minhas “fontes”, que dizer, meus amigos, tenho que fazer como na praça principal em Porangaba: chegar cedo para garantir um lugar nos quatro bancos de madeira instalados na calçada do bar ao lado de vasos de manacá.

Ao ser entrevistado no Ranieri pela minha amiga Miriam Clark para um especial do programa do Jô com o governador José Serra, na semana em que a lei entrou em vigor, só me restou brincar com a nova ordem.

Falei que aquela era uma sacanagem com os carecas (o governador, assim como eu, tem uma certa deficiência capilar), já que agora serei obrigado a ficar ao relento, gelando a cabeça nas noites mais frias deste inverno.

O Jô gracejou que eu devo ter ficado careca de tanto fumar. Pode ser. Mas como explicar o que aconteceu com os cabelos do ilustre governador Serra, a seu lado, que não fuma e não quer que os outros fumem?

Lei é lei, eu sei, e como bom cidadão só me resta respeitá-la, mas acho que proibir o fumo num local reservado para fumantes é mais ou menos como proibir que sirvam carnes numa churrascaria ou obrigar ateus a frequentar a igreja.

Imaginava que poderia ficar cada um no seu quadrado, um respeitando a vontade do outro. Mas, já que é assim, melhor buscar na calçada as coisas boas da nova lei.

Passei a encontrar e prosear com outros amigos e apreciar mais de perto as moças bonitas que não entram em tabacaria. Em dias de sol com céu claro, como neste belo sábado, a calçada do Ranieri vira uma prainha ou pracinha de interior em meio aos prédios, e é para lá que vou daqui a pouco.

Além dos bancos, temos outras novidades. Almoço de sábado agora tem uma bela polenta (com ragu, rabada, quatro queijos ou shitaque), preparada por um dos sócios, o Max Abdo, que é servida no belo lounge junto ao bar, recentemente inaugurado.

No começo da tarde, todos os sábados apresenta-se no pequeno palco (toda noite agora, a partir das 21 horas, também tem uma atração musical) um quarteto de cordas da Orquestra Bachiana de João Carlos Martins, e vira-e-mexe o próprio pianista-maestro, que é vizinho, aparece por lá para dar uma canja.

O Ranieri resiste.

Inspeção veicular: para que isso, prefeito?

Mudando de pato a ganso, não posso deixar de falar de um programa de índio que fui obrigado a fazer na sexta-feira, sem entender até agora para que serviu meu esforço ao cumprir outra lei implantada recentemente em São Paulo.

Vocês já devem ter ouvido falar de uma tal de inspeção veicular (até rimou), que obriga os proprietários de veículos fabricados a partir de 2003 a comparecer a um dos quatro postos instalados pela Prefeitura para provar que teu carro não está poluindo o ar puro da cidade.

Até aí, tudo bem. Os carros, como os cigarros, são grandes agentes de poluição, mas só não entendi uma coisa: por que não começar pelos mais antigos, fabricados antes de 2003, em lugar de fiscalizar os mais novos que, teoricamente, são melhor equipados e poluem menos?

O mais estranho neste processo, no entanto, não é nem isso. É o sistema que criaram para você cumprir a lei. É preciso pagar uma taxa para ser fiscalizado, agendar um horário e, ao final do kafkiano processo, se ficar provado que teu carro não é poluidor, você recebe o dinheiro de volta.

Para fazer tudo isso, contando o tempo perdido com a burocracia e o trânsito para chegar aos locais de inspeção, até receber de volta a taxa de R$ 52,73, gasta-se pelo menos quatro horas para cumprir a lei.

Por que não fazer o contrário? Ou seja, obrigar o sujeito a pagar multa, após a inspeção, caso seu carro não atenda às especificações legais?

Na saída do posto da Barra Funda, tem uma placa informando que 800 mil veículos já haviam sido inspecionados pela Controlar, a empresa contratada para este serviço.

A inspeção propriamente dita não dura mais do que cinco minutos e mais parece um teatrinho para justificar a cobrança da taxa. No caminho de volta para casa, fiz um pequena conta para ver quanto a cidade perde em homens/hora de trabalho nesta brincadeira:

800 mil carros X 4 horas perdidas X R$10,00 (salário médio por hora de quem tem carro novo) = RS 32.000.000,00.

Isto sem contar quanto a Prefeitura paga à Controlar para fazer a inspeção.

Alguém poderia me explicar que estranha novidade é essa, para que e a quem serve?

Eu, pelo menos, ainda não senti nenhuma melhora no ar que respiramos. Ao contrário, com mais gente fumando nas ruas, a coisa só tende a piorar


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