Walter Carvalho é um dos mais celebrados diretores de fotografia do cinema brasileiro e também realizou cinco filmes nos últimos dez anos. Codirigiu os documentários Janela da Alma (2001) ao lado de João Jardim, e em seguida Moacir, Arte Bruta (2005). Em 2009, ele debutou na ficção, adaptando o romance Budapeste, de Chico Buarque. Em 2011, Carvalho concluiu seu mais recente documentário Raul – O Início, o Fim e o Meio, dedicado à vida e obra de Raul Seixas (1945-1989), o eterno Maluco Beleza. A produção está prevista para chegar aos cinemas no início deste ano. “Quase todos os filmes que dirigi partiram de convites, não eram projetos meus”, revelou Carvalho, em entrevista à Brasileiros, realizada em João Pessoa (PB) durante a sétima edição do Fest Aruanda, onde o longa conquistou o prêmio de crítica da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE).
A carreira do cantor e compositor Raul Seixas foi uma das mais meteóricas do cenário musical brasileiro. Ele estourou em 1972 com a música Let Me Sing, Let Me Sing, que ficou em segundo lugar no 7o Festival Internacional da Canção (FIC), no Rio de Janeiro, cidade em que Raul morou depois de ter deixado a Bahia para tentar a vida artística com a banda Raulzito e os Panteras. Let me sing, Let me Sing evidencia a influência de Elvis Presley na formação musical de Raul e o documentário amplifica essa referência, dando um espaço generoso ao Rei do Rock. Elvis surge em uma sequência do filme Balada Sangrenta e o documentário ainda traz outras cenas consagradas pelo cinema, como as do filme Sem Destino, com Dennis Hopper e Peter Fonda, intercaladas com imagens de um sósia de Raul pilotando uma moto preta cheia de estilo em uma estrada no sertão da Paraíba.
Em outra sequência, o escritor e jornalista paraibano Bráulio Tavares recita um trecho do poema Uivo, de Allen Ginsberg. “Depois de ver o filme algumas vezes, percebi que o viés que dou a ele é o de um cineasta paraibano, que teve sua formação influenciada pelo rock and roll, pelos cantores Elvis Presley, Little Richard, Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Lá está o sertão onde eu me criei, o meu amigo Bráulio, o rock de Presley que me influenciou. De certa forma, esse é meu filme mais autobiográfico, porque as influências da formação de Raul em Salvador são parecidas com as minhas de quando eu era garoto na Paraíba. Só que nasci dois anos depois dele”, defendeu Walter.
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Uma difícil engenharia
Quando aceitou dirigir o filme, Carvalho não imaginou que falar sobre Raul Seixas seria tão complicado. O cantor deixou cinco mulheres e três filhas, herdeiras dos direitos do uso de imagem do artista. “Não sabia que teria problemas com questões autorais”, disse Carvalho. Mas teve. O documentário, orçado em R$ 2,5 milhões, tem coprodução da Paramount Pictures. Desse total, 25% foi aplicado para bancar os custos de imagens. “Não acho errado ter de pagar os direitos do uso de imagens. Afinal, o filme usa a obra de um artista para expressar outra obra”, relativizou o diretor.
Além desse impasse, juntar depoimentos das ex-mulheres foi também trabalhoso. Edith, a primeira companheira de Raul, não deu entrevista para o documentário, mas mandou uma pequena mensagem via Skype para o filme. As demais – Glória Vaquer, Tânia Menna Barreto, Kika Seixas e Lena Coutinho – aparecem no filme, assim como as três filhas, cada uma de um casamento diferente: Simone, Edith Scarlet e Vivian. Os depoimentos são sinceros, emocionantes e reveladores, como o de Glória Vaquer, apresentando o neto de Raul, Dakota Price, filho de Scarlet.
Mas a entrevista mais difícil foi a do escritor Paulo Coelho, o primeiro parceiro musical de Raul, que quase não participou do documentário. A produção entrou em contato com o escritório que agencia a carreira do escritor, mas Coelho só poderia pensar nisso um ano depois do contato. Carvalho foi produzindo as outras entrevistas (ao todo, foram 94) e quase desistiu do depoimento de Paulo Coelho. Indagado se faria o filme sem entrevistar o escritor, disse: “Faria, faria, fazer o quê? Mas certamente teríamos outro filme”. No documentário, uma das sequências mais reveladoras são as imagens do show que Raul fez ao lado de Marcelo Nova, ex-vocalista da banda Camisa de Vênus, no Canecão do Rio de Janeiro, em 1988, ocasião em que Paulo subiu ao palco para cantar Sociedade Alternativa, pela primeira vez diante de uma plateia ao lado de Raul. O filme mostra ainda imagens do camarim desse show e flagra um longo e afetuoso abraço no amigo que Paulo não via desde 1974, ano em que encerraram a parceira musical de grande sucesso.
Além desses registros históricos do passado, Paulo, enfim, aparece no filme em depoimento recente. O escritor assistia a um programa no canal GNT sobre Raul Seixas, quando novamente ouviu falar do documentário de Carvalho por meio de Sylvio Passos, presidente do fã-clube oficial do cantor e decidiu aceitar o convite protelado há meses. “Um belo dia de 2010, o Paulo assistiu a essa entrevista com Passos, na qual ele falava sobre o documentário e que ele estava sendo feito por um cara muito sério. Logo depois, o próprio Paulo telefonou para a produção do filme dizendo que daria a entrevista”, recorda Carvalho. O depoimento é um dos mais importantes, além de mostrar uma sequência divertida e cheia de simbolismo: no decorrer entrevista (registrada na casa do escritor em Genebra, na Suíça), surge uma mosca que voa sobre o escritor. Paulo continua a falar e, a certa altura, diz que não vai matar o inseto porque pode ser o amigo Raul. O eterno Maluco Beleza morreu em 1989, sozinho em seu apartamento em São Paulo na madrugada de 21 de agosto, quando foi vítima de um ataque cardíaco, decorrente de um alcoolismo crônico e de diabetes.
SERVIÇO
O documentário estreia na sexta-feira, 23 de março, no circuito nacional de cinemas
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