Cumprindo rotina diária, o maestro John Neschling ensaia a Orquestra Sinfônica Municipal do Theatro Municipal de São Paulo. Sisudo, sentado em uma cadeira giratória, ele ordena várias repetições dos movimentos finais da Sinfonia n°2, de Rachmaninov, até que um sorriso extasiante estampado em seu rosto e a queda vertiginosa da mão que sustenta a batuta até o joelho direito evidencia o fim do ensaio da manhã de uma quinta-feira. Neschling é perfeccionista. Para alguns, a fama de obsessivo faz divisa com certa tirania. Mas, naquela manhã, o que se viu foram músicos felizes e motivados.
Entre 1997 e 2009, com essa mesma disposição para exigir sempre mais, Neschling promoveu uma revolução ao conduzir a OSESP. Além de legar à capital paulistana a imponente Sala São Paulo – criada por exigência dele, ao aceitar o convite para ser o regente da orquestra –, a OSESP teve um salto musical qualitativo e tornou-se a mais importante orquestra sinfônica do País. Experimentou também um crescimento exponencial de público.
A Sala São Paulo recebe hoje mais de 200 mil visitantes por ano e quadruplicou o número de assinantes – hoje superior a 12 mil. Mas nem tudo foram flores. Em 2009, após o vazamento na internet de um vídeo em que Neschling classificava o ex-governador José Serra de “menino mimado” e uma entrevista para o jornal O Estado de São Paulo, em que fazia severas críticas à Fundação OSESP (criada em 2005), o maestro, que estava na Grécia, recebeu por e-mail uma carta de demissão, assinada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – que preside, até junho deste ano, o Conselho de Administração da fundação.
Na carta, a despeito dos elogios à gestão exemplar do maestro carioca, FHC justificou: “…À luz da gravidade dos termos da entrevista, o conselho optou pela ruptura contratual imediata”. O rompimento abrupto rendeu um processo trabalhista milionário, ainda em julgamento. Não bastasse o turbilhão de problemas na OSESP, Neschling ainda enfrentou, em 2009, a notícia do surgimento de um tumor maligno no rim esquerdo, que foi extirpado na Suíça, onde ele mora desde aquele ano com sua mulher, a escritora Patrícia Melo, autora de sucessos como O Matador e Elogio da Mentira.
Câncer superado, rancores relevados, Neschling, que comandou a transformação da OSESP sob gestões tucanas, voltou a São Paulo em fevereiro passado para assumir o comando do Theatro Municipal, a convite dos petistas Fernando Haddad, prefeito da cidade, e Juca Ferreira, secretário Municipal de Cultura. Entre 1989 e 1990, ele exerceu o mesmo papel na casa, a convite da ex-prefeita Luiza Erundina, mas considerou a experiência como “malograda”, devido à falta de recursos e sua incipiência como gestor. Agora, com um orçamento anual de R$ 64 milhões ao longo dos próximos quatro anos, ele pretende transformar o teatro, projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo e fundado em 1911 – que também acolhe o Balé da Cidade de São Paulo e o Coral Lírico –, em um paradigma de espaço público para a música lírica, democratizando o acesso à ópera.
Em entrevista exclusiva à Brasileiros o maestro, que é pai do ator Pedro Neschling (fruto de sua relação com a atriz Lucélia Santos), falou da influência de seus ancestrais para sua formação (ele é sobrinho-neto do compositor Arnold Schöenberg e do maestro Arthur Bodanzky), da vida cotidiana no Brasil e em Lugano, na Suíça, e dos impasses que terá de enfrentar para realizar seu mais novo sonho.
Brasileiros – Maestro, a tradição artística de seus ascendentes foi determinante para o senhor escolher a música como profissão?
John Neschling – Sim, acho que não houve como fugir dessa tradição. Desde que me entendo por gente, sempre estive envolvido com música. Tive as primeiras aulas de piano no Rio de Janeiro, aos 4 anos. Aos 6, já tocava recitaizinhos em casa e estudei piano como principal instrumento até os 16.
Brasileiros – Aos 17, o senhor foi à Europa estudar regência…
J.N. – Fui para a Áustria e me inscrevi na Academia de Música de Viena. Formei-me com o professor Hans Swarowsky, em regência orquestral, regência coral e composição. Pouco depois, fiz alguns cursos importantes na Europa e nos Estados Unidos, um deles em Massachusetts, com Leonard Bernstein, em Tanglewood. Estudei também com Bruno Maderna, um grande compositor contemporâneo italiano. Depois fui premiado em alguns concursos internacionais de regência, o primeiro deles, em 1969, em Florença, na Itália.
Brasileiros – Em 1973, o que o motivou a voltar ao País em dias sombrios, pós-AI-5?
J.N. –Acho que voltei, sobretudo, para reencontrar minhas raízes. Saí do País muito jovem, no final de 1964, e perdi totalmente o contato com o Brasil e com as pessoas daqui. Foi um período de grandes transformações em minha vida e do País. Quando voltei, alguns amigos estavam exilados, outros tinham sido presos e outros estavam do outro lado, na direita. Perdi completamente essa época turbulenta, pois passei quase dez anos na Europa.
Brasileiros – Vivendo na Europa, o senhor tinha noção do momento em que o País vivia?
J.N. – Não. Além de distante, eu estava concentrado em meu trabalho e nos estudos. Até que chegou o momento em que concluí que tinha de voltar. Larguei tudo e abandonei uma carreira promissora, pois já estava regendo em diversos lugares. Com o distanciamento do tempo, reconheço hoje que decidi voltar porque estava com medo da carreira na Europa.
Brasileiros – De volta ao País, o senhor, de fato, muda de rumos e passa a compor trilhas de filmes e peças teatrais…
J.N. – Comecei a escrever música para teatro e cinema, e também passei a dar aulas. No cinema, fiz a trilha de um filme do Zelito Vianna, chamado Os Condenados. Depois, fiz várias trilhas para o Hector Babenco, Pixote, Beijo da Mulher Aranha, Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, filmes importantes da cinematografia brasileira.
Brasileiros – E o que o fez retornar para a Europa no início dos anos 1980?
J.N. –Resolvi voltar para retomar minha carreira. Cheguei em 1982 e, em pouco tempo, fui convidado para ser diretor do Teatro São Carlos, em Lisboa. Quando voltei ao Brasil, no final da década, dirigi os teatros municipais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Experiências curtas e malogradas, pois eu tinha pouca bagagem, algo que não me deixou enfrentar os problemas que esses teatros apresentavam. O Brasil ainda não estava em condições de ter teatros de categoria. Acabei retornando para a Europa e trabalhei em grandes teatros, com muitas orquestras. Estive em Portugal, França, Suíça e Itália.
Brasileiros – E sua segunda volta ao Brasil foi para dirigir a OSESP, onde o senhor empreendeu uma gestão considerada, por muitos, revolucionária…
J.N. – Em 1997, fui chamado para reestruturar a OSESP que, à época, estava completamente esfacelada. Iniciei essa aventura, que seguiu até o começo de 2009. Foram 12 anos intensos e um dos trabalhos mais importantes da minha vida. Transformei uma realidade e construí uma orquestra de grande qualidade, internacionalmente reconhecida. Gravamos inúmeros CD’s, ganhamos inúmeros prêmios e fizemos muitas turnês internacionais. Depois dessa jornada na OSESP, voltei para a Europa e, aos 62 anos, comecei tudo de novo. Regi grandes orquestras em vários países, até que fui chamado pelo secretário Juca Ferreira e o prefeito Fernando Haddad para assumir o Theatro Municipal – desta vez com outra bagagem, outro perfil e num momento bem diferente do Brasil e de São Paulo.
Brasileiros – E quais são os principais desafios que enfrentará à frente do Municipal?
J.N. – Minha tarefa básica, nos próximos quatro anos, será reconstruir esse teatro, que está quase tão esfacelado quanto a OSESP estava em 1997. Não há dúvida de que o teatro como estrutura técnico-artística existe. Ele tem corpos estáveis bons, que foram indignificados, relegados à pouca importância durante muito tempo. O que é uma vantagem, pois posso praticamente começar do zero.
Brasileiros – O Municipal teve sua reforma concluída há menos de dois anos. A restauração não veio a contento?
J.N. –Alguns dizem que o teatro tem agora uma grande estrutura, que foi muito bem reformado e está pronto para uma grande temporada de ópera. Mas essa reforma foi, na verdade, uma boa maquiagem na parte pública do teatro. O teatro precisa ser refeito, no sentido de ser reestudado, reconstruído em todos os seus departamentos.
Brasileiros – Será possível romper o preconceito de que a música lírica é elitista e aproximar o grande público do Municipal?
J.N. – Temos um público sedento por ópera. Os três primeiros concertos que regi estavam lotados. Se você oferece qualidade, o público vem. E vamos oferecer bons espetáculos, sobretudo, os líricos, a partir do segundo semestre de 2013. Mas confesso que não me preocupo agora em atrair esse grande público. O que pretendo, nesse momento inicial, é criar uma estrutura adequada para o teatro. Para que ela seja imanente e as conquistas que alcançarmos ficarem para a cidade.
Brasileiros – O senhor tem a expectativa de alcançar, no Municipal, êxitos similares aos conquistados à frente da OSESP?
J.N. – Tenho total apoio do prefeito e do secretário, além de grandes colegas trabalhando comigo. Gente que eu confio e que tem em mim grande confiança. Meu horizonte não é de quatro semanas ou de quatro meses, é de quatro anos. Acho que vou conseguir fazer um bom trabalho, mas não esperem milagres, nem depois de quatro meses e nem nesse primeiro ano. Esperem um grande trabalho em quatro anos. Vou deixar o teatro tinindo, pronto para integrar o rol dos grandes teatros líricos internacionais.
Brasileiros – A estrutura humana existente hoje no teatro é suficiente para atingir tais metas?
J.N. – Em parte, essa estrutura existe, mas ela foi tão relegada e maltratada que não conseguiria render nada do que é capaz. Assumi o teatro há um mês e, nesses 30 dias, já se nota uma mudança de clima. Mudou a postura dos músicos, dos técnicos, dos artistas. É preciso dignificá-los e fazer com que se sintam parte significativa de um projeto importante, que também irá colocá-los em um patamar diferente. Se eu conseguir convencê-los da importância desse trabalho, grande parte desses colaboradores já está aí. Evidentemente, ao longo desse processo perceberei aqueles que não se adaptarão à nova realidade que vamos criar, mas não há o que reclamar das pessoas que estão aqui. Elas são fundamentais e estão me ajudando muito.
Brasileiros – Como foi reger os três primeiros concertos?
J.N. – Gostei muito. Foi uma semana intensa em que tive de explicar a eles uma nova maneira de encarar o trabalho. Essa orquestra tem imenso potencial e será, em menos tempo do que a OSESP demandou, uma orquestra de nível internacional. Aliás, já está tocando muito bem, basta vir aqui e ouvir com ouvidos bem abertos, sem preconceitos, para constatar que ela já é uma excelente orquestra.
Brasileiros – A rotina na Suíça é muito diferente daqui, maestro?
J.N. – É uma vida completamente diferente. Lá, eu sou um maestro freelancer e faço uma série de concertos por ano. Quando estou em casa, descanso e leio muito. Não tenho nenhum trabalho administrativo e a vida na Suíça é pouco burocrática. Antes de vir para cá, eu tinha tempo de sobra para descansar, ler e me preparar para os concertos. Lá, a vida é muito calma, a natureza é linda, as pessoas não se metem na sua vida. A qualidade de vida é altíssima. Não tem trânsito, não tem barulho.
Brasileiros – E como o senhor dividirá a grade de trabalho entre os dois países?
J.N. – Somando todos os compromissos, deverei passar uns oito meses por ano em São Paulo. Vir para cá é uma mudança radical. Principalmente porque enfrento trânsito todos os dias, além do barulho que ouço o tempo todo, o calor, a sujeira e a poluição. Mas relevo tudo. Entro às 8 da manhã e só saio no fim do dia. Quero trabalhar muito por esse teatro, mas também pretendo continuar minha carreira internacional. Acabei de chegar dos Estados Unidos, estive antes na Itália, e agora vou para a Bélgica e para o Peru. Em 2013, ainda vou reger na Suíça e na China. Continuarei regendo em outros países, mas estou me dedicando de corpo e alma ao Municipal e à construção desse “novo teatro”. Tenho orgulho de ter criado um novo paradigma sinfônico para a OSESP e estou em vias de criar um novo paradigma lírico para o Municipal e para a cidade de São Paulo.
Brasileiros – E como tem sido a rotina de ensaios?
J.N. – Fazemos ensaios todas as manhãs. Lógico, nem todos são conduzidos por mim, mas estou todos os dias por aqui.
Brasileiros – E o que tem feito nos momentos livres?
J.N. – Aproveito para estudar, pois o que me faz mais falta no momento é o estudo. Na Suíça, tinha muito tempo para a leitura e sou um leitor voraz. Já me “despedi” dos livros nesse primeiro mês de Municipal, mas dos estudos não posso me despedir.
Brasileiros – Além dos livros dedicados à música, que outra leitura aprecia? Lê muita ficção?
J.N. – Gosto de ficção, mas sou ligado em história. Sou um amador, só que, digamos, tenho grande formação em história. Sobretudo na história da segunda metade do século 19 e na primeira metade do século 20. Lógico, leio bastante sobre a música dessa época, o que explica meu interesse por esse período histórico.
Brasileiros – Sua mulher é uma romancista consagrada dentro e fora do País. Há uma recíproca de influência entre vocês?
J.N. –Estamos juntos há mais de 12 anos e acho que essa relação, tão íntima, acaba influenciando um ao outro de alguma forma. Na literatura, ela me influencia mais do que eu a influencio na música. Mas, vez ou outra, eu descubro bons novos escritores e recomendo para Patrícia. Tem um argentino extraordinário, chamado Eduardo Berti, que apresentei a ela. O curioso é que ela conheceu o Berti pessoalmente, mas ainda não havia lido nada dele.
Brasileiros – Patrícia costuma consultar sua opinião quando está produzindo os livros dela?
J.N. –Sempre leio os livros dela e acompanho a evolução dos romances, mas não dou o menor pitaco. Afinal, quem sou eu?! Ela costuma pedir que eu leia e até digo o que acho, mas não ousaria impor minha opinião, mesmo sendo um bom leitor.
Brasileiros – O senhor lê em quantos idiomas?
J.N. – Em seis: português, inglês, francês, alemão, espanhol e italiano. Evidentemente, prefiro e procuro ler sempre o original. Acho tradução, cada vez mais, uma coisa horrível. A maioria delas é traição, e não tradução.
Brasileiros – Ouve muito música clássica?
J.N. – Não consigo ouvir música clássica com distanciamento. Ouço sempre com um ouvido profissional. Fico o tempo todo analisando o que está acontecendo. Já a música popular é outra coisa. Gosto ou não. Apaixono-me ou não. Ouço muita música popular, MPB, sobretudo. Tenho com a música popular uma relação livre.
Brasileiros – Muitos teóricos e compositores têm falado sobre o esgotamento ou a morte da canção. O que o senhor pensa disso?
J.N. – Temos uma escala musical com sete notas e um número “x” de combinações. Por conta disso, na música popular, é natural que grande parte das melodias lembre outras que já existem. Tanto em harmonia quanto em melodia não há mais como aspirar originalidade. Mas, assim como ocorreu com a Bossa Nova, a canção é um gênero muito ligado a seu tempo. Até as décadas de 1970 e 80, é indiscutível que o século 20 foi o século da canção. Não houve uma canção do século 19, assim como ainda não temos a canção do século 21. Como expressão da música popular, a canção surgiu no início do século 20, com as operetas, e acabou nos anos 1980 e 90 com o rock pesado e o rap – que não deixam de ser um novo tipo de música popular, a meu ver, nem melhor nem pior, apenas diferente.
Brasileiros – O senhor diria, então, que o compositor de hoje está em um beco sem saída?
J.N. – Sim. Infelizmente, é fato: por aí, não há bons compositores de canções. Até mesmo os grandes musicais chegaram a um esgotamento e carecem de bons compositores. Um musical de Cole Porter tinha, no mínimo, uns dez hits.
Brasileiros – Na seara da MPB, quais compositores o senhor mais ouve e gosta?
J.N. – Edu Lobo é, para mim, figura única na música brasileira. O maior! Ele e Tom Jobim são, em minha opinião, as duas figuras máximas da criação musical popular brasileira.
Brasileiros– Nesse contexto, como ficam as grandes gravadoras?
J.N. – Não acredito que a indústria seja capaz de criar sucesso. A indústria “fareja” um potencial sucesso e o transforma em produto de êxito comercial. Quem cria o sucesso é o artista e suas ideias. Não é a indústria que determina o gosto das pessoas. Você acha que Michel Teló é uma criação da indústria? Não, Michel Teló é Michel Teló. A indústria é que sacou seu enorme apelo e fez dele um grande sucesso comercial.
Brasileiros – E o que pensa dos reality shows televisivos que prometem revelar novos artistas?
J.N. – São subprodutos e, como tais, a indústria pode fazer deles o que quiser. Hoje tem essa coisa física, da importância do corpo, que vemos em cantoras como Rihanna, Shakira e Beyoncé. Esses programas se apropriam dessas fórmulas que envolvem canto, dança e espremem a laranja até a última gota. Mas há também um fator inegável e influente para que isso aconteça: o aumento da classe média em todo o mundo. Por mais que a gente diga que o mundo é dividido entre ricos e pobres, a classe média cresceu, não só no Brasil. E ela não se desenvolve culturalmente na mesma proporção que se desenvolve economicamente. A vulgaridade que encontramos nesses subprodutos culturais se deve a essa falta de educação. Uma carência de repertório cultural que, na verdade, é uma característica do mundo moderno, o aparecimento de uma enorme massa inculta, mas que consome e quer consumir constantemente.
Brasileiros – O que torna a aproximação desse público com a música erudita e lírica um desafio enorme…
J.N. –Sim, pois não crescemos na mesma medida em que cresce o grande consumo vulgar. O continente africano, por exemplo, consome música popular, mas não consome ópera. Até a África chegar ao ponto de precisar de música sinfônica e ópera, levará gerações. Há um descompasso entre o crescimento econômico e o crescimento cultural. No Brasil, sobretudo, isso é claríssimo. Somos campeões mundiais de vendas de geladeira, mas estamos longe de sermos campeões mundiais de ópera. Vendemos muito carro e geladeira, mas não existe um crescimento cultural paralelo a esse grande crescimento econômico.
Brasileiros – O senhor acredita que a sensibilidade musical do brasileiro resistirá a essa onda de vulgaridade?
J.N. –Não tenho dúvida de que o povo brasileiro, por causa de sua formação étnica e multicultural – africana, europeia, americana –, tem sensibilidade especial para a música, sobretudo para o ritmo e a harmonia, dependendo do gênero. Em termos de música folclórica e popular, essa sensibilidade é, estruturalmente, muito mais sofisticada que a do europeu. A influência negra, tanto nos Estados Unidos quanto aqui, mudou completamente nossa produção musical. Até mesmo aquele que nasce aqui, mas não tem nada de negro, como eu, cresce em meio a essa cultura e também tira proveitos dessa sensibilidade.
Brasileiros – Maestro, o senhor enfrentou um processo traumático em sua saída da OSESP. Depois, superou um câncer e agora assumiu o Municipal. É movido a desafios?
J.N. – Sou desses que prefere acreditar que tudo me fortalece. Não quero parecer idiota e chulo ao dizer que me considero um sonhador, mas a coisa mais importante, para mim, é o sonho. E quando ele me é oferecido, eu não sei recusar. Já passei por momentos de mágoa, desencanto e decepção na minha vida e tive de superá-los, mas tudo isso é menos forte do que minha capacidade de aceitar a proposta de um sonho. Quando me ofereceram esse teatro, da forma como me ofereceram, por mais consciência que eu tivesse das dificuldades que terei e que tudo tem um prazo de validade, aceitei o convite, pois gosto que me deixem sonhar. Quando isso acontece, vou fundo.
Brasileiros – Ainda é cedo para pensar em sucessão, mas vislumbra outros quatro anos à frente do Municipal?
J.N. –Isso é algo que mudei em minha vida. Quando assumi a OSESP, tinha 50 anos. Recebi o convite para o Municipal com 65. Se eu pensar em 15 anos à frente do teatro, terei 80 quando sair. Não tenho mais essa expectativa de planejar períodos tão longos. Quatro anos, sei que posso, tranquilamente, cumprir. Se, depois, as condições estiverem positivas, pode ser que eu continue, mas, por enquanto, meu grande objetivo é daqui a quatro anos deixar para São Paulo um Theatro Municipal melhor. I
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