A rede é a notícia

Foto: Reprodução/Facebook
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Em outubro de 2014, em um artigo para sua coluna Media Equation do jornal The New York Times, o escritor e colunista David Carr (falecido em fevereiro deste ano) fez uma comparação divertida. Segundo ele, o Facebook, para as empresas de mídia, era “parecido com aqueles cachorros enormes que correm em sua direção no parque. Com frequência, é difícil dizer se ele quer brincar ou quer comer você”.

A coluna de Carr endereçava naquele momento a existência de um projeto do Facebook que, em conversa com grandes publishers do mercado norte-americano, tentava criar um formato de exibição de páginas de notícias diretamente em seu aplicativo móvel que acelerasse a exibição das páginas para os usuários de smartphones. A pegadinha: os leitores não sairiam da rede social para ler os artigos, já que as notícias produzidas por grandes jornais e revistas seriam publicadas no próprio Facebook ao invés dos sites de cada veículo. A recompensa: a rede de Mark Zuckerberg compartilharia a receita de publicidade gerada por essas páginas com os jornais e revistas que fizessem parte do projeto.

Como a maioria dos acessos atualmente acontece via dispositivos móveis, o Facebook enfrentava um problema: o tempo de latência para exibir uma página da web dentro do seu aplicativo. Entre o clique no link publicado no post do Feed de Notícias e a exibição da página, a média de espera do usuário era de 8 segundos, tempo precioso que poderia ser usado para exibir um anúncio, por exemplo. Daí a ideia de manter o conteúdo dentro da própria rede.

O que era rumor em 2014 transformou-se em realidade no mês passado com o lançamento do Instant Articles, o projeto do Facebook para entregar artigos diretamente ao Feed de Notícias do seu aplicativo móvel, em um formato próprio, com recursos de vídeo, áudio e fotos interativas que carrega dez vezes mais rápido que as páginas da web. O Instant Articles estreou em parceria com nove grandes publishers globais – The New York Times, National Geographic, BuzzFeed, NBC News, The Atlantic, The Guardian, BBC News, Spiegel e Bild – e imediatamente desencadeou a polêmica: estarão tais publishers dormindo com o inimigo? Alimentando a fera que vai devorá-los?

Com 1,3 bilhão de usuários mensais, a rede social criada por Zuckerberg transformou-se em um gigantesco publisher, sem contratar um só jornalista ou produzir uma só página de texto próprio. Seus usuários compartilham entre si milhares de textos, fotos e vídeos por minuto, fazendo dele uma gigantesca fonte geradora de tráfego para jornais, revistas e outros sites de conteúdo no mundo todo. Em alguns casos, há sites de notícias que chegam a ter 75% do seu tráfego mensal dependente da rede social.

Foto: Reprodução/Facebook
Foto: Reprodução/Facebook

A questão é que o Facebook não detém apenas a audiência, detém também o conhecimento sobre ela, sobre seus gostos, hábitos e compartilhamentos, ganhando dinheiro com a publicidade exibida em suas páginas que, com o uso de ferramentas de marketing tecnológico, pode ser fracionada e dirigida para grupos específicos de indivíduos gerando melhores resultados.

Com o projeto Instant Articles, o Facebook ofereceu aos publishers participantes a oportunidade de aproveitar melhor a audiência, ter controle sobre os artigos que querem publicar na rede social, ter conhecimento do comportamento dos leitores e gerar receita sobre as páginas vistas dentro do Facebook, vendendo, eles mesmos, a publicidade e ficando com a receita gerada, ou deixando a venda por conta do Facebook Audience Network recebendo 70% da receita. No entanto, não dá para ignorar que o projeto entrega o filé mignon de bandeja à rede social: o conhecimento sobre os hábitos de consumo de notícias da audiência e o que ela compartilha dentro das suas paredes, dando ao Facebook entendimento completo do ciclo de engajamento do leitor.

O que temem os críticos do projeto? Que ao deter a audiência, os meios de acesso, os canais de venda, os canais de tráfego e agora o entendimento sobre as notícias, a rede social poderia, em algum momento futuro, mudar as regras do jogo e decidir ela mesmo ser o publisher, puxando o tapete das empresas de mídia. O Facebook tem dito publicamente que criou o projeto porque quer que seus usuários tenham a melhor experiência possível lendo artigos em dispositivos móveis e não porque tenha intenção de tornar-se um publisher. Sobre o tema, durante um evento realizado em fevereiro deste ano pelo site Re/Code, o Chief Product Officer do Facebook, Chris Cox, afirmou ao jornalista Peter Kafka que a empresa não quer “engolir a internet”. Pela experiência dos casos ao longo dos dez anos de vida da rede social, é difícil afirmar que essa possibilidade está fora de questão, mas se vale a regra de que amadurecemos com a idade, é possível acreditar que a empresa tenderá a honrar suas parcerias.

A crise global da mídia tradicional é grande, muito maior do que os resultados financeiros do projeto Instant Articles poderiam sanar. Mas as nove empresas que entraram primeiro na parceria são grandes o suficiente para saber que precisam abrir todas as frentes possíveis em busca de continuar o engajamento com o leitor e que, pela primeira vez, o fizeram, em minha opinião, com muito mais conhecimento de causa e soberania.

Foto: Reprodução/Facebook
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Em um mundo polarizado entre Facebook e Google, no qual os leitores agora são cada vez mais móveis, como garantir a sobrevivência das empresas tradicionais de mídia e do jornalismo? A resposta, que vale bem mais que um milhão de dólares, não está nas bancas de revistas e jornais impressos. A audiência está em queda livre nesse território há vários anos e é essa ausência de leitores que afasta cada vez mais os anunciantes, tornando-se um pesadelo especialmente para os que não conseguiram ainda criar um modelo de negócios consistente com essa nova realidade digital.

A resposta está na internet, mas mesmo as empresas que conseguiram esboçar uma estratégia de monetização da audiência em seus sites na web, precisam agora dar um novo salto, da era da internet fixa para a era da internet móvel. Vivemos hoje num mundo com mais smartphones do que privadas, escovas de dente e lâmpadas elétricas. E é na oferta de conteúdo móvel que está a grande oportunidade da mídia de ampliar a relevância para o leitor e o engajamento. I


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