Reflexão sobre as mochilas

Não faz muito tempo, quando se via alguém carregando uma pesada mochila nas costas, havia a certeza de que o indivíduo ia viajar. Quase sempre isso acontecia na sexta-feira ou na véspera de algum feriado. Uma amiga que ia dormir na casa da amiga no fim de semana. Ou dizia isso e ia ficar o namorado ou o amante. O rapaz que veio estudar na capital e ia visitar os parentes no interior. Etc. Etc. De uns tempos para cá, porém, as mochilas viraram uma febre de modismo sem data para acabar. São mochilões que, nota-se, pesam muito. São usadas para ir à escola, à faculdade, ao restaurante, ao estádio, ao trabalho. A sensação é de aquilo acontece por alguma carência: leva-se a própria vida nas costas.

Uma colega ao lado explica: leva-se tanta coisa porque a lentidão do transporte não permite voltar para casa antes de outro compromisso. Então, troca-se a roupa no trabalho, na faculdade, na academia. Explica mas não convence. E o resto? O que se leva ali além disso? Livros, gibis, revistas, dez peças de roupas para opção de escolha? Cinco pares de sapato? Estojo de maquiagem? As mochilas são grandes demais e inquieta qualquer observador.

E aí vem o problema: tornaram-se um transtorno grave no caótico e precário transporte coletivo de São Paulo sobre o qual ninguém fala. Ou comenta. Ou discute. Sujeitos de todas as idades e sexos que usam trens, ônibus e metrô as colocam nas costas e passam a ocupar o espaço de duas pessoas pelo menos, sem o menor constrangimento, sem se importar se machucam o próximo quando esbarram – quase sempre nem notam que bateu em alguém. Canso de levar porradas na cabeça. Como uso lente de contato, o risco que eu as perca é sempre grande.

Pelo olhômetro, de quem usa o serviço diária e exaustivamente como eu, mais de metade dos usuários de transporte público usa mochilas. E raras são as pessoas, no entanto, que as tiram das costas na hora de se espremerem para entrar no Metrô, por exemplo. Alguns conseguem a façanha de sentar na ponta do banco para não carregá-las no colo. É algo impressionante, desanimador e que causam indignação, quando sou atingido por algum apressadinho.

A questão não é saber se realmente as pessoas precisam fazer uma auto-análise sobre o que devem levar numa mochila. Ou saber que esses objetos de grande utilidade existem mas não para serem lotados até o limite. Ou se causam problemas sérios na coluna com seu uso demasiado. A questão é a reflexão que se deve fazer. As mochilas se tornaram um ícone da era de egoísmo e individualismo em que lamentavelmente vivemos. Da cultura do eu sozinho e o mundo que se exploda. Da falta de preocupação e de respeito ao próximo que impede, por exemplo, que as pessoas deixem o espaço à esquerda das escadas rolantes para que os apressados possam adiantar seu lado, como se diz na gíria. Ou parem de furar filas ou usem idosos, gestantes e crianças de colo para isso, como tanto se vê nos bancos.

Não é o caso de propor a proibição das mochilas. Mas de estabelecer regras de convivência social por meio de uma esforço de educação para que seus donos as tirem quando entrar num transporte coletivo. A própria Prefeitura, o Metrô e a CPTM deveriam fazer campanhas duras para educar a população. Do tipo: “Não seja egoísta, carregue a sua mochila na mão”. Ou “Seja civilizado, respeite o próximo, não use mochila nas costas”. E por aí vai. Tratamento de choque como um professor austero, porque está cada vez mais difícil conseguir comover as pessoas de que existem normas para se conviver socialmente. Como humanos mesmo. Não podemos perder esse foco.


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