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Thais Stoklos
Carta ao Pai Denise Stoklos se apropria de obra de Franz Kafka

Autora, diretora e atriz, Denise Stoklos chega a 45 anos de carreira com uma das mais destacadas trajetórias do teatro brasileiro. Aplaudida e premiada dentro e fora do País, criou uma linguagem própria, esteve em cartaz em mais de 30 países, escreveu dezenas de peças, lançou livros e virou tema de pesquisas acadêmicas em universidades pelo mundo. Experimentou, arriscou, amadureceu e se transformou com o tempo, mas desde o início se manteve fiel a alguns princípios: “Estou sempre identificada com a questão sociopolítica do meu povo, do meu ser social e, mais especificamente, da minha classe teatral. Aos 18 anos, quando estreei profissionalmente, era o ano do AI-5, plena ditadura. Então, sou formada por esse conceito de que a comunicação está ligada a uma busca de mudança social, de evolução do homem em todos os sentidos”, explica ela, agora com 63 anos.

Carta ao Pai, o mais recente trabalho da atriz, segue a mesma linha. Nela, a obra clássica de Franz Kafka (1883-1924), que faz um acerto de contas com o pai tirânico, ganha ares políticos e atuais, a partir da sugestão de que o relacionamento entre pai e filho pode ser lido também como a relação entre os governantes e a sociedade.

Esse monólogo dá sequência ainda ao que Denise Stoklos batizou, em 1987, de Teatro Essencial, com características que marcaram (com algumas variações) as peças produzidas por ela a partir de então: utilização mínima de elementos cênicos, exploração máxima do corpo e da voz, autonomia do ator no processo criativo e tom crítico misturado ao humor.

Um teatro distante do realismo ou do naturalismo, descartados pela atriz desde o início da carreira. “Entrego o texto ao espectador da maneira como ele passa por mim, pela minha vivência de cidadã, descendente de ucranianos, nascida no Brasil, no interior do Paraná, participante da classe teatral. Ou seja, com essas contingências que fazem com que eu entenda as coisas de certa forma, para que o público o torne atual e atualizador.” 

Denise Stoklos acredita que não é no palco, mas na interpretação do espectador que a experiência de um espetáculo se conclui. As leituras que sugere para a peça, portanto, não devem limitar a visão do público. Há, porém, um caminho que ela faz questão de ressaltar: a de que o pai opressor pode representar os órgãos governamentais responsáveis pela cultura, e o filho oprimido, a classe teatral. “Já mandei projetos para governos e instituições que ninguém nem me respondeu. Se até a gente que está há 45 anos passa por isso, imagine como um jovem ator, cheio de talento e ideias, pode ter autoestima para continuar.”

O caminho da televisão, financeiramente melhor para muitos, não é uma opção para ela. “Na TV, o ator fica com o rabo preso, perde o papel crítico. No teatro, é onde a gente pode corresponder à sociedade, onde podemos gerar reflexão.” A mensagem que pretende deixar agora é que, apesar das dificuldades, deve-se acreditar que é possível viver apenas do palco.


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