Na madrugada do último sábado (27), o Chile foi atingido por um terremoto de 8,8 graus na escala Ritcher. Nesta quarta-feira (3), o governo chileno confirmou mais de 800 mortes por causa do tremor, que teve epicentro a 325 km da capital Santiago. O número de mortos na região mais atingida, Maule, chegou a 587, enquanto que em Bio Bio já são 92 mortos. Em Libertador O’Higgins, são 48 mortos, com mais 38 na região metropolitana de Santiago, 20 em Valparaíso e 14 em La Araucanía.
Leia relatos de sobreviventes do terremoto que abalou o Chile:
O Terremoto de 2010
Monica Tubio*
Historicamente, acontece um grande terremoto no Chile a cada 20 anos. Como o último tinha sido em 1985, havia certa expectativa no ar. Mas ninguém pensa em terremoto no dia a dia. Ainda mais que o Chile treme com frequencia: é difícil um mês sem um temblorzinho sequer (principalmente nos meses quentes – novembro a fevereiro). Passa a fazer parte dos comentários na hora do jantar.
Pois no dia 27 de fevereiro de 2010, vivemos nosso primeiro terremoto “de verdade”. E não pegamos um tremorzinho qualquer: estreamos com um dos mais fortes da história – 8.8 graus na escala Richter!! O tremor abrangeu desde a região de Valparaíso até a dos Lagos, ao longo de mais de mil km e veio acompanhado de tsunami que arrasou as regiões costeiras.
Eu, gripada, estava dormindo no quarto de hóspedes de nossa casa. Acordei sonolenta às 3h30 da manhã, com minha cama sacudindo e o travesseiro escorregando sob minha cabeça. Virei pro lado e pensei: mais um temblorzinho, vou dormir. Só que a cama começou a trepidar muito forte, enquanto algo me sacudia como num pesadelo. Terremoto! O tal, tão esperado!!!
Pulei, e, ao abrir a porta, dei de cara com o Marcelo e o Gabriel assustados. Nos olhamos e, sem dizer nada, corremos pra escada, onde forma o triângulo da vida. Nos encolhemos, nos abraçamos, torcendo pra passar logo.
O chão ondulava, como se uma cobra gigante estivesse passando sob o piso. Impossível andar, parecia um tobogã. Olhávamos em volta e as paredes se mexiam muito, como se fossem elásticas. E os barulhos!!
Vidros quebrados, coisas caindo e estalos na parede. Paredes, piso, teto, tudo rangia assustadoramente. O som vinha de todos os lados. Impossível saber onde e o que estava acontecendo.
Depois de uns 40 segundo, eu esperava que a intensidade fosse diminuindo. Que nada: piorou e demorou pra acabar. Foi o 1 minuto e 50 segundos mais longo da minha vida.
Finalmente, o tremor parou. Soltei um sonoro PQP!!! E começamos a rezar pro anjo da guarda nos proteger e a todas as outras pessoas, vítimas da mesma catástrofe.
Graças a Deus estávamos todos juntos. Já imaginou se o Marcelo tivesse viajando e eu sozinha com o Gaga??
Respiramos, olhamos em volta e não vimos nada de estrutural aparentemente danificado. O teto continuava lá em cima assim como as paredes. Descemos e começamos a ver o que tinha acontecido.
A cozinha era um mar de caco de vidro. Botellas de vinho, aceite de oliva e temperos, tudo no chão. Na verdade, tudo o que estava em prateira aberta, sem vidro, quebrou. Meus cristais, aparelhos de jantar e taças ficaram intocáveis! Graças ao livro da Isabel Allende (A Casa dos Espíritos) alojei-os em armários baixos, próximo ao chão. Salvaram-se todos!! A geladeira foi parar no meio da cozinha.
Na brinquedoteca tudo que estava no armário foi ao chão: 3 caixas grandes cheias de trens, trilhos e afins, livros, caixa de carrinhos matchbox… Mas nada quebrou.
Sala e varanda intactas. Alguns azulejos caíram da parede da área de serviço. Detalhe: todas as portas da casa de vidro se abriram (as portas de madeira se deformam e não abrem – vimos vários relatos de pessoas que, após o terremoto, só conseguiram sair de casa com a porta arrombada pelos bombeiros).
No Home Theater, o móvel com todos os aparelhos tombou. A TV, fixa na parede, nada sofreu. No meu scrap room todos os carrinhos abriram e rolaram fitinhas e afins por todo lado.
No quarto do Gabriel não sobrou um livro nas prateleiras. Ou seja, muita bagunça, mas poucas perdas. A contar: vidrinho de perfume da Turquia, tocheiro de cerâmica, três taças de vinho e…só!!!
Fui ao jardim. A cidade toda apagada, o contorno das montanhas e uma lua enorme, cheia, linda, amarela iluminava a noite. Uma inconcebível paz e tranquilidade após o caos!
The day after
Desde o terremoto, estamos sem luz e telefone (fixo e celular). São 40 horas sem luz. A geladeira começa a pingar, me sinto isolada, sem informação. Nunca pensei que eu fosse tão necessitada de internet!
O psicológico também muda. Todos correm pra comprar aquilo que consideram imprescindíveis, já contando com o provável desabastecimento. Muitas estradas interrompidas e filas e mais filas… Os campeões são: água mineral (a água da torneira esta turva, imprópria pra consumo), gasolina, supermercado em geral. Filas de dar a volta no quarteirão e isso no CHILE!!!
Após bater algumas lojas, encontramos o último gerador a gasolina. Compramos um pequeno, pra abastecer a geladeira e uma TV/internet. O trânsito está denso para um domingo e há uma “agitação ansiosa” no ar… Parece uma maratona pra tentar comprar e estocar o maior número possível de comida em casa. E nada é facinho: após muito andar pra encontrar o gerador, falta… a gasolina!!! Muitos postos fechados, sem uma gota de combustível e os abertos, obviamente, disputados a tapa! Encontramos um posto com, relativamente, pouca fila e enchemos o tanque do carro e os dois galões do gerador.
Marcelo e Gabriel instalaram tudo e temos geladeira!
É doida essa coisa de neurose coletiva. Claro que tive medo, mas passou. Ontem vi várias pessoas transtornadas, chorando, tomando calmante. As crianças ficaram particularmente afetadas: nada de ficar longe dos pais e, a qualquer temblor, correm pra perto (e continua: foram mais de 120 temblores após o terremoto, alguns com grau de 7!).
Supermercados vazios, saques a tiendas no sul, falta de gasolina… O pânico, e não o terremoto, provoca a escassez!
*Monica Tubio tem 44 anos, é brasileira, publicitária, casada com Marcelo, de 42 anos. O filho, Gabriel, tem 8 anos. Eles estão há 1 ano e 8 meses no Chile e residem em Santiago.
Minutos de horror
*Jaime Bórquez
Aqui na nossa casa em Santiago só quebrou um vidro gigantesco que tinha na janela da sala (2m x 2m) e caíram livros, quadros, badulaques e penduricalhos.
Mas o terremoto me pegou com Pola e um amigo no sítio de Valparaíso, e aí foi complicado. Nunca na minha vida tinha passado pavor tão grande. Foram três minutos de horror, vinte para as 4 da matina. Acordei com um suave movimento, chamei a Pola, descemos a escada e começou mais forte. Fomos para fora e aí escutamos a quebradeira dentro de casa, um barulho de arrepiar, algo que não parava, sacolejos que te faziam perder o equilíbrio, as árvores mexendo como se fazem bandeirolas num jogo de futebol depois do gol. Pavoroso, inenarrável. Pola só gritava, não tínhamos cabeça para sentir a menor tranquilidade de nada, o chão rachava, tudo mexia, meu caro.
Ficamos a esmo toda a noite, escutando rádio que contava a tragédia geral que estava dando. Lá pela tarde, decidi encarar o retorno, embora falasse o rádio que estava um caos na estrada, que não tinha força e que nos postos de gasolina havia filas de centenas de carros. Tive sorte, saí no momento exato, não peguei o grande tráfego e consegui botar 15 litros de gasolina, que estão regulando para não faltar.
Cheguei bem a Santiago e consegui dormir, vestido, até as 8h30 quando veio mais um tremor forte e daí que estou acordado. Ainda bem que estava com Pola e em casa.
Não sei o que teria sido estar fora do país e saber de tudo sem poder me comunicar com a família. Por aqui, todo mundo tá bem, graças a Deus!
* Jaime Bórquez tem 53 anos, é chileno, jornalista, fotógrafo e mora em Santiago. Leia mais sobre o terremoto no blog de Jaime, aqui
Susto
Izabelle Crespin Visconti*
Começo escrevendo esse relato ainda com a sensação de enjoo e susto que ainda me acompanham depois do ocorrido na madrugada do último sábado, dia 27 de fevereiro de 2010.
Eram 3h45 da manhã, quando acordei com a cama balançando. Já moro em Santiago há quase quatro anos, assim que, mesmo com sono, sabia que era um tremor de terra, mas não tinha a menor ideia do que estava por vir. Nessas situações, que eu já havia vivenciado várias vezes anteriormente, contava até 10 e, antes de chegar no 8, já dava pra perceber que a intensidade do tremor ia baixando. Exatamente o contrário do que aconteceu dessa vez. Enquanto contava, fui me segurando na cama e, de repente, tava tudo tremendo.
Acordei meu marido, que na hora saiu da cama para buscar nossos filhos que estavam dormindo no quarto ao lado. Quando ele chegou no quarto, um móvel caiu enquanto ele gritava para eu ir ajudar. Me segurava na cama para não cair, numa mistura de auto proteção e pavor que, não fosse pelos meus filhos, não teria conseguido levantar. Até chegar ao quarto dos meus filhos, passei pelo corredor, onde as paredes se moviam e o chão fazia ondas. Um barulho indescritível soava muito alto e forte, como se um buraco estivesse engolindo a terra. Fui me debatendo nas paredes, tentando andar. Quando cheguei ao quarto, meu marido estava em cima do móvel, tirando o Felipe do berço.
Agarrei meu filho e fiz o mesmo caminho para voltar pro quarto, quando me dei conta que o segurava de cabeça pra baixo!!! Foi o tempo do Rafael chegar com o Gabriel, deitarmos na cama (de tão atordoados não conseguimos ir pro chão ao lado da cama, que é onde se fica em caso de terremoto), quando o tremor começou a baixar a intensidade, até parar completamente. Completamente não, porque até hoje, cinco dias depois, estamos sentindo as réplicas do que foi o terremoto mais forte na história do Chile.
* Izabelle Crespin Visconti tem 36 anos, é brasileira, psicóloga e mora em Santiago desde maio de 2006.
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