Diz a mitologia persa que syngué sabour (pedra e paciência, convertido para o português como pedra-de-paciência) é um artefato com propriedade mítica que, posto diante de uma pessoa, pode absorver as dores, agruras e infelicidades através dos lamentos. Ao final das confissões, como uma esponja que absorve o líquido, a pedra contrai para si o acúmulo do sofrimento e se racha, deixando liberto o confessor. Syngué sabour – pedra-de-paciência, do afegão Atiq Rahimi, auto-exiliado na França em 1985, país onde vive até hoje, trata de uma mulher afegã, cuja vida foi reprimida por um marido brutal, agora debilitado – entre a vida e a morte, mais próximo desta -, como uma syngué sabour personificada, que sem a possibilidade de resposta, permanece inerte no acerto de contas com a esposa. A raiz do acerto ultrapassa a relação marido-mulher, referindo-se à submissão da condição feminina no país e às atrocidades acometidas pelos homens. [nggallery id=14622] LEIA TAMBÉM:
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O último poemaDividindo a mesa O avesso do realismo com o autor brasileiro Bernado Carvalho, dono de uma já vasta coleção que inclui um único livro de contos, Aberração, e mais nove romances – entre eles, o premiado Mongólia, Nove noites e O Sol se Põe em São Paulo. Sob encomenda, Bernardo foi a São Petesburgo e encontrou uma cidade por detrás de fachadas imponentes e avenidas projetadas, escondida em sua decadente falsa imponência. O ilho da mãe foi concebido após um mês de estada de pânico solitário na cidade, período onde Bernardo conheceu as vielas que guardam sujeitos pouco solícitos, hotéis escuros e um gosto amargo de desesperança.O mote da discussão, um suposto onírico que emana da obra dos dois, foi tratado de modo controverso por ambos os autores. Bernardo afirmou que sua obra é realista, do ponto de vista que – desde o romance Nove Noites – deu-se conta de que o público esperava que houvesse um ponto de confluência entre a narrativa ficcional e os fatos expressos na realidade. E tal ponto mostrou-se muito produtivo para sua própria narrativa.”Eu não concordo, acho que são relatos realistas. Mas que trazem o germe da sua autodestruição no bojo”, contestou Bernardo, quando a mediadora Beatriz Resende inferiu que a obra dos dois parecia ser, realmente, um avesso do realismo. Atiq afirmou: “Eu não sei o que é o realismo”, sustentando que seus livros baseiam-se numa cultura oral, proveniente dos registros de seu país, que desconheciam formas narrativas estruturadas como o romance. Reconhecendo a matéria que gerou os livros O filho da mãe e Syngué sabour – pedra-de-paciência, atribuir à mesa o nome de O avesso do realismo pareceu, inclusive aos autores, um despropósito.Edna O’BrienA aristocrática Edna O’Brien disse estar vivendo dias irlandeses em Paraty – segundo a escritora, a névoa que chegou por aqui na noite de quinta era culpa sua, só para lembrar sua terra natal. Afinal, a obra de Edna tem forte presença da Irlanda, lugar do qual ela fala com um misto de extrema ternura e mágoa. A escritora conversou com Liz Calder – calçando confortáveis chinelos de dedo na sua familiar Paraty – na tarde de ontem, e falou por pouco mais de uma hora de sua biografia, sempre entrelaçando-a de maneira poética à Irlanda – a qual, segundo ela, é extremamente inspiradora para a literatura devido às belíssimas paisagens, e extraordinariamente coercitiva devido à ausência de liberdade que assola o país desde a década de 60 – quando seu livro de estreia, Country girls, foi proibido e teve cópias queimadas – até os dias de hoje.Em conversa morna, Edna também afirmou acreditar em Deus e em ressurreição (e nesta hora perguntou se o biólogo ateu Richard Dawkins não estava por ali), destacou o valioso significado de se reler os livros – e assim se aprender algo que já se sabe -, e discutiu sobre o papel da mãe como figura central na obra de um autor, citando como exemplos sua própria história e também de James Joyce, do qual O’Brien é biógrafa reconhecida – assim como de Lord Byron, o qual também figurou como assunto da mesa.
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