São Paulo tornou-se mais uma vez palco de guerra, na quarta manifestação organizada pelo Movimento Passe Livre, que exige a redução das tarifas dos transportes públicos da cidade, reajustados em 1 de junho. A marcha de protestos teve início em frente ao Theatro Municipal, na Praça Ramos de Azevedo, Centro de São Paulo, por volta das 17h30. Segundo relatos dos manifestantes, cerca de 40 pessoas foram rendidas pela polícia e revistadas em um cordão de isolamento na Praça do Patriarca, antes mesmo do início das manifestações. Entre os presos, estava o jornalista Piero Locatelli, da revista Carta Capital, apreendido, como a grande maioria, por portar, pasmem, vinagre. O produto está sendo utilizado para atenuar os efeitos do gás lacrimogênio, mas, segundo a Polícia Militar, pode ser também componente de fabricação de bombas caseiras. Locatelli foi liberado, cerca de uma hora depois. Luiza Sigulem, fotógrafa da Brasileiros, mesmo identificada como integrante da imprensa, também foi presa. Outras 235 detenções foram realizadas durante o evento. Houve também mais de uma centena de feridos. Quatro manifestantes continuam presos, sob acusação de formação de quadrilha, crime este inafiançável, e deverão ser transferidos na tarde de hoje para presídios de segurança máxima.
Ao registrar a prisão de um manifestante, nossa fotógrafa, Luiza Sigulem, foi rendida pela PM e detida por cerca de meia hora (veja vídeo acima)
Segundo relatos de manifestantes, e também de quatro integrantes de nossa reportagem que testemunharam as manifestações, a marcha seguiu pacífica até a altura do cruzamento das ruas da Consolação e Maria Antônia, nas proximidades da Praça Roosevelt. Os confrontos tiveram início quando um grupo da Tropa de Choque investiu contra os manifestantes que pretendiam rumar até a Avenida Paulista. Horas antes, integrantes da PM e da Tropa de Choque prepararam ação estratégica de isolamento de diversos quarteirões da Paulista para impedir o acesso a eles por parte dos manifestantes. O que se viu, a partir daí, foi um episódio lamentável e atroz de ação e reação. Na mesma esquina onde houve o estopim dos conflitos, um grupo de jornalistas foi agredido pela Tropa de Choque (veja vídeo abaixo). Entre os profissionais, estava o fotógrafo Sergio Silva, da agência Futura Press, que foi atingido no olho esquerdo e corre o risco de perder a visão. Ele segue internado no Hospital 9 de Julho e deverá ser submetido a uma cirurgia, mas tem menos de 5% de chances de recuperação da visão. Mauro Campos, diretor clínico do Hospital de Olhos Paulista, que atendeu o fotógrafo, atestou que Silva apresenta lesões oculares e fraturas de órbita.
O fotógrafo Fábio Braga e a repórter Giuliana Vallone, ambos do jornal Folha de S. Paulo, também foram agredidos. Giuliana foi covardemente atingida no olho direito, quase à queima-roupa, segundo relatou uma senhora que a socorreu, por recomendar aos pedestres, alheios a manifestação, que se protegessem e dispersassem do local. Outros seis funcionários do jornal foram presos ou sofreram agressões. Fato este que motivou uma mudança de tom do veículo na cobertura dos protestos. Ontem, a manchete da Folha de S. Paulo alertava “Governo de São Paulo diz que será mais duro contra vandalismo”. Em editorial, na página seguinte, o jornal reforçava o coro de parte significativa da grande imprensa de que a repressão era necessária para conter o suposto “vandalismo” dos manifestantes. “Jovens predispostos a violência por uma ideologia pseudorrevolucionária”, dizia o editorial, que ainda legitimou a ação da Polícia: “No que toca ao vandalismo, só há um meio de combatê-lo: a força da lei.” Após “sentir na pele” a ação truculenta da Tropa de Choque, o jornal recuou e publicou hoje a seguinte manchete: “Polícia reage com violência a protesto e SP vive noite de caos”.
Notórios praticantes do jornalismo mundo-cão e defensores da Polícia Militar, até mesmos os “âncoras” José Luiz Datena, do Brasil Urgente, da Band, e Marcelo Rezende, do Cidade Alerta, da Record, recuaram e questionaram os excessos cometidos pela PM. Para o Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Fernando Grella Vieira, o tradicional “excessos serão punidos” foi acrescido de defesa da corporação: “O compromisso da polícia é garantir a manifestação. Paralelamente, a polícia tem que evitar atos de abuso, atos criminosos, e é isso que tem feito.” Ironicamente, durante a manifestação, um vídeo rapidamente compartilhado aos milhares na rede social Facebook (abaixo) flagrou um policial destruindo o vidro lateral de uma viatura da PM em uma aparente tentativa de engordar os flagrantes de vandalismo e depredação.
Segundo a PM, o protesto de ontem reuniu cerca de 5 mil manifestantes. Apesar da forte repressão e dos diversos cordões de isolamento, parte do grupo conseguiu chegar à Avenida Paulista e se concentrou na região da estação Trianon-Masp do Metrô, que foi invadida por cerca de 200 policiais, à “caça” de manifestantes que procuravam dispersar do grupo, segundo testemunho da ilustradora Raquel Krügel. Logo após dissipar novamente a multidão, por volta de 22h30, um grupo de policiais, sem identificação, agrediu um casal que tomava cerveja em um bar situado na esquina da Avenida Paulista com a Alameda Casa Branca. A foto que flagra as agressões do casal de estudantes Gabriela Lacerda, 24 e Raul Longhini, 20, estampa hoje a capa da Folha de S. Paulo.
Na manhã desta sexta-feira, a repercussão internacional dos protestos e da ação violenta da PM foi inevitável. O jornal francês Le Monde enfatizou que os conflitos ocorreram três dias antes do início da Copa das Confederações. O espanhol El País destacou o fato de, antes mesmo da marcha ter início, 40 pessoas terem sido presas. Para o jornal norte-americano The New York Times, os protestos são sintomáticos de uma instabilidade em curso. “Os protestos ocorrem em um momento delicado, no qual os líderes políticos estão lidando com preocupações sobre a alta da inflação, o lento crescimento econômico, e tentam promover o Brasil como destino seguro e estável antes da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.”
Em coletiva de imprensa concedida ontem, às 23h30, logo após os protestos, o prefeito Fernando Haddad (PT-SP) admitiu excessos da PM: “Na terça (dia do terceiro protesto), eu penso que a imagem que ficou foi a da violência dos manifestantes e, infelizmente, hoje, não resta dúvida de que a imagem que ficou foi a da violência policial”. Já o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), insiste no discurso de que as manifestações são promovidas por vândalos. “A população é pacífica, o que temos são líderes de movimentos que põem fogo em ônibus e destroem patrimônios público e privado.”
Governador e prefeito não cederam e, apesar da recomendação do Ministério Público de suspender o aumento por 45 dias para dialogar com os manifestantes e chegar a um consenso, expressa na quarta-feira, dia 12, tudo continua igual. Os manifestantes prometem novo protesto na próxima segunda-feira, dia 17. A nova marcha terá início, às 17h, no Largo da Batata, em Pinheiros. Até o momento, o evento que está sendo organizado na rede social Facebook, anuncia a confirmação de 75 mil participantes. Ontem, houve também protestos similares no Rio de Janeiro, que também resultaram em violenta repressão, e em Porto Alegre, onde cerca de 2 mil manifestantes demonstraram apoio aos protestos paulistanos – na capital gaúcha, após pressão de milhares de estudantes, no início de abril, o aumento da passagem de ônibus, que custava R$ 2,85 e foi reajustada para R$ 3,05, foi suspenso por liminar judicial emitida pela 5ª Vara da Fazenda Pública.
O prefeito Fernando Haddad formalizou na tarde de hoje, dia 14, convite para que representantes do Movimento Passe Livre participem de reunião extraordinária do Conselho da Cidade na próxima terça-feira, 18 de junho. Formado por 136 membros de diversos movimentos sociais, o conselho discute e propõe soluções para os problemas da cidade. No entanto, Haddad já deixou claro que o convite não sinaliza que a Prefeitura irá retroceder e reduzir o valor das passagens na cidade.
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