Resistência tropicalista

Ás vésperas de completar 76 anos, com seu novo disco Tropicália Lixo Lógico, Tom Zé acaba de jogar mais lenha na fogueira do Tropicalismo,  o movimento capitulado em 1968, com direito a enterro simbólico, no programa de TV Divino, Maravilhoso, por seus próprios mentores intelectuais, os conterrâneos baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso.

Nutrido dos ingredientes antropofágicos de sempre, o novo álbum de Tom Zé carrega o enorme vulto estético, muitas vezes incompreendido, do Tropicalismo. Produzido por Daniel Maia e lançado com o apoio do Projeto Natura Musical, traz 16 novas canções. Registra também o encontro do artista com nomes da nova geração da música brasileira, como a cantora Mallu Magalhães, o cantor Rodrigo Amarante (que divide guitarras e vocais do Los Hermanos com o marido de Mallu, Marcelo Camelo), e o rapper Emicida, presente nas instigantes faixas que abrem e encerram o disco, Apocalipsom A (O Fim no Palco do Começo) e Apocalipsom B (O Começo no Palco do Fim).

A ideia de fechar Tropicália Lixo Lógico com um tema que dialoga com o início da obra repete expediente comum a álbuns conceituais inaugurado em Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, a magistral obra dos Beatles de 1967. Longe de ser também uma obra-prima – o que não é demérito para alguém que detém uma discografia de altíssimo nível como Tom Zé –, o CD reitera a impressão, evidenciada em shows e em sua produção recente, de que o baiano ainda tem muito a dizer. Não bastasse o frescor das novas composições, ele ainda impregnou o encarte da obra com elementos gráficos, criados por Rodrigo Villas Boâs, que elucidam lúdicas teorias defendidas por ele, como a da “Creche Tropical”, que traz no “Berçário dos Analfatóteles” os parceiros Caetano Veloso, Torquato Neto, Glauber Rocha, Rogério Duarte, Capinam, Gal Costa e o próprio Tom.

Se a parceria com o rapper Emicida enfatiza a epopeia tropicalista narrada por Tom Zé em Apocalipsom A, o encontro da voz sarcástica do baiano com a diminuta emissão vocal de Mallu, em O Motobói e Maria Clara e Tropicalea Jacta Est, valoriza aspectos melódicos, muitas vezes imperceptíveis na obra de Tom. ­Citações e o uso da metalinguagem também impregnam o álbum. Tropicalea Jacta Est alude à harmonia de Parque Industrial, a clássica canção do álbum Tropicalia ou Panis Et Circencis (também lançada no disco de estreia de Tom, Liquidação Total, de 1968). Cantada em inglês e composta em parceria com Henrique Marcusso, NYC Subway Poetry Department, registra a canja vocal de Rodrigo Amarante.

Repetindo feito de 2009, quando foi fotografado (nu) com seu violão encobrindo a genitália, para a capa da nossa edição de setembro daquele ano, Tom recentemente se deixou registrar, novamente pelado, na capa de outra publicação. Na última página do encarte de Tropicália Lixo Lógico, ele mensurou a expectativa de trabalhar com os novos parceiros: “A iminência de encontrá-los provocou a febre que compôs a parte romântica”. Só ou acompanhado, nu ou vestido, incorporando ou despindo a Tropicália, como em seu novo disco, é fato: o romantismo continua sendo um valor essencial para a vitalidade de Tom Zé. Combustível de seu grande talento.


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