Não foi só o brasileiro Glauber Rocha que teve as memórias resgatadas na última edição do festival de Roberto De Niro, em Nova York. Quem foi a Tribeca pôde ver as únicas imagens em cores e em movimento de um dos maiores artistas mexicanos, o muralista Diego Rivera, também conhecido pela relação tumultuada com a mulher, Frida Kahlo. As imagens foram redescobertas depois de 50 anos pelo neto de Diego Rivera, Diego López Rivera, e por Gabriel Figueroa Flores, filho de Gabriel Figueroa, um dos maiores cinegrafistas mexicanos, responsável pela direção de fotografia de filmes de Luis Buñuel, John Ford e John Houston. Assim como os velhos Diego e Gabriel foram amigos de uma vida inteira, Diego e Gabriel são amigos desde a infância.
Em 1949, os velhos resolveram chamar o também amigo Manuel Alvarez Bravo, um dos mestres da fotografia do século XX, para filmar um documentário sobre Diego Rivera. Só que os papéis foram invertidos. O experiente diretor de fotografia virou produtor, o excepcional fotógrafo tornou-se cinegrafista e o protagonista do filme, Diego Rivera, o seu diretor. Rivera e Alvarez Bravo viajaram juntos pelo México e o resultado foram 40 minutos de filme em 16 milímetros. Durante os 50 anos seguintes ninguém soube da existência desse filme. Depois da morte de Gabriel Figueroa, há dez anos, o filho Gabriel achou nos arquivos do pai o rolo com a legenda “não exibir”. E, junto com o neto de Diego Rivera, resolveu completar o filme inacabado. O resultado é um retrato não só de Diego Rivera, mas de três homens extremamente politizados que mostraram ao mundo o México dos indígenas, dos explorados, dos trabalhadores, dos revolucionários.
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Apesar de ser um mestre da fotografia, Manuel Alvarez Bravo não tinha qualquer experiência com cinema, e suas tomadas são sempre paradas como se fossem fotos e não um filme. O filho de Gabriel Figueroa suspeita ser essa a razão de o pai ter mantido o filme em segredo. Em todas as cenas, Diego Rivera aparece desenhando num pequeno bloco de notas, nunca se vê o que o artista desenha, mas, ao seu redor, estão as paisagens, os personagens do dia-adia mexicano que os três artistas tornaram eternos em suas fotos, murais e imagens. “Pela primeira vez eu consegui me aproximar de meu avô. Ele sempre me assustou”, confessa o neto e cineasta Diego. “Rivera era tão grande que eu não me atrevia, vivia na sombra desse personagem e vítima também das neuroses da minha mãe (filha de Diego Rivera e Guadalupe Marín), que sempre achou que Frida Kahlo ocupou o espaço que deveria ter sido dela.”
O fotógrafo Gabriel Figueroa Flores passou por processo semelhante. “Meu pai era tão carismático, eu sou o oposto. Sempre me perguntei: quem eu sou? Lembro sempre de uma frase de A Noite dos Maias (filmado por Figueroa em 1939) em que o patriarca maia diz ao filho: ‘Tu és o mesmo que eu, depois de mim’. Essa frase sempre me perturbou. Não é por acaso que eu e Diego nos unimos para terminar esse filme. Com Retrato de Diego: A Revolução do Olhar não resolvemos todos os nossos problemas, mas pelo menos conseguimos retomar quem somos. Nossa herança.”
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