Foi bonito de ver. Foi bonito de conviver, de estar no meio daquele mar de gente que um instituto de pesquisa estabeleceu ser apenas de 65 mil pessoas, nas três imensas concentrações feitas – 23 de maio, Avenida Paulista e Avenida Faria Lima. Nas Diretas Já, eu era adolescente e acompanhei tudo de longe, mas com interesse, motivado pelo filme Jango, documentário de Silvio Tendler sobre o presidente deposto pelos militares, João Goulart. Não gostava de Paulo Maluf, candidato do governo militar, mas desconfiava de Tancredo Neves, achava-o um oportunista nada confiável – penso o mesmo até hoje. Era o que tínhamos, entretanto, e seguimos em frente. Em 1992, fui para as ruas no meio dos caras pintadas, contra a quadrilha de Fernando Collor, que levou à sua queda. E não achava, até 15 dias atrás, que viveria outra experiência semelhante. Isso aconteceu ontem, numa outra dimensão, que me pegou de surpresa.
Por ficar próximo do meu local de trabalho, escolhi a Faria Lima para acompanhar a passeata e fui para o Largo da Batata com colegas da editora. No caminho, notamos policiais à paisana, com indisfarçável expressão de hostilidade, falavam por rádio sobre a movimentação dos manifestantes. Em frente à loja da Fnac, no nosso caminho, uma cena inusitada: jovens fantasiados de quadrilhas juninas e outros personagens pintavam os rostos e cartazes, abraçavam-se, tiravam fotos. No largo, uma colega comentou: estava preocupada com o clima de festa, quase carnavalesco. A impressão passou logo. O tempo estava pesado no céu – com nuvens escuras que traziam frio – e nas ruas. Por mais que o secretário de Segurança Pública garantisse no dia anterior que a Tropa de Choque não iria para as ruas e nem seriam usadas balas de borracha, havia motivos para se acreditar na quebra de promessa, depois do trauma da traiçoeira ação da PM na quinta passada, quando policiais ensandecidos atocaiavam pessoas nas esquinas e espancavam todas sem ao menos perguntar se tinham algo a ver com os supostos atos de vandalismo.
Apenas dois grupos pequenos de policiais militares observam a movimentação, encostados num muro, no Largo da Batata. Olhávamos para os lados, com medo de alguma surpresa. A tensão da espera se estendeu por mais uma hora, até o início da passeata, que formou um gargalo na parte inicial, onde estávamos, que fez muita gente pensar que o movimento não havia começado. E a coisa finalmente entrou em marcha. A cada metro, algo impressionante, fascinante, acontecia. Aqueles jovens de classe média com roupas de grife não baixaram a guarda um segundo, gritando palavras de ordem e falavam exclusivamente em nome do Brasil, de um novo país que eles queriam. É um direito que têm, independente se precisam ou não pagar para andar de ônibus. Seguiam pela motivação do cansaço de viverem numa cidade caótica, destruída pela mesmice política, pela indignação da degeneração política, pela farra da corrupção, pelo descrédito na política e na imprensa. Estão cansados de passarem a mão na sua bunda e não fazerem nada.
Tentava entender o que acontecia. Faltava ali a periferia, as pessoas por quem aqueles jovem reclamavam e até apanhavam, aqueles que realmente sofrem dentro de ônibus e metrôs. E pensava no que vai acontecer quando elas acordarem e aderirem ao movimento. Todos que ali estavam eram corajosos demais ante o risco de alguma surpresa da polícia, que poderia aparecer a qualquer momento, com violência. Estavam todos vigilantes, atentos e fortes, determinados a chegar ao fim do trajeto programado sem deixar o entusiasmo cair. E me veio o que parece mais relevante: pensar que tudo aquilo tinha originado principalmente das redes sociais, do Facebook e do Twitter, da mobilização pela queixa e pela indignação do estado das coisas. E pensar que as redes sociais eram para mim o fim dos tempos, a passarela de tipos reacionários que levaram a abandonar o Twitter – há mês, cancelei minha conta no Facebook. Acho que eu andava com alguns amigos errados.
Enquanto a turma do contra reduz e simplifica tudo a uma cifra de vinte centavos, algo de novo e revolucionário está acontecendo. Aqueles jovens que trocaram a alienação da Internet e o conforto doméstico das novas tecnologias pela rua querem apenas respeito. E isso resume todas as suas reivindicações.
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