Você pode concordar ou não, gostar ou torcer o nariz. Comprar ou baixar de graça. Esteja você on-line ou off-line, o fato é que a tecnologia digital e a internet viraram o mercado musical de cabeça para baixo. Seja fazendo, produzindo ou consumindo música, nada mais é como antes.
E quem quiser permanecer em cena precisa se adaptar a essa nova era musical. A indústria fonográfica esperneou o quanto deu. Mas, depois de quase ser engolida nas duas últimas décadas pela gigante e anárquica onda digital – e amargar sua mais grave crise – parece que topou se reinventar.
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Um claro sinal dessa mudança é a primeira edição do Prêmio Música Digital, que acontece no próximo dia 23 de novembro no Rio de Janeiro. O evento, pioneiro no Brasil, pretende destacar nomes que estão bombando na rede. Muitos deles ainda desconhecidos do grande público, mas já fenômenos de audiência na web.
“A maioria das pessoas não tem conhecimento do que acontece nesse mundo louco que é a internet”, diz o produtor musical, Marco Mazzola, um dos idealizadores do prêmio. Ele vê no ambiente digital um movimento de renovação da cena musical brasileira, que a premiação pretende ajudar a estimular e fomentar. As bandas Restart e Móveis Coloniais de Acaju estão entre os destaques anunciados.
De acordo com informações da Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD), o mercado digital movimentou, em 2009, R$ 42,7 milhões, sendo R$ 17,6 milhões na telefonia celular e R$ 25,1 milhões em internet.
E assim, por ironia, o consumo de música na internet que, inicialmente, ameaçou varrer gravadoras do mapa, com piratarias de todos os tipos, tornou-se a porta de saída da crise.
Antenado às mudanças, Mazzola reuniu em torno do prêmio, empresas do mercado musical e principais plataformas digitais de comercialização de música no Brasil (Oi, Tim, Claro, Vivo, Uol, Baixa Hits, Terra e iMusica). “É uma forma de valorizar e reconhecer esse novo segmento”, diz o produtor.
Não faltou também a adesão de artistas consagrados e emergentes, e a chancela de associações representativas da indústria fonográfica, como a ABPD.
Na noite da premiação, que será realizada no Teatro Oi Casa Grande, serão conhecidos os 15 vencedores das dez categorias. Campeões de vendas, marcas e artistas mais engajados na rede virtual estão entre as categorias.
Pela internet e por celular, o voto popular apontou os Melhores Artistas e Músicas do Ano, além do Nome Revelação. Somente entre inscritos na categoria Mais Vendida, a auditoria da Nielsen apurou mais de 9 milhões de músicas pagas baixadas legalmente.
Garimpando estrelas
Não é de hoje que o produtor musical Marco Mazzola está antenado com o que há de melhor na música. Ao longo de três décadas, garimpando estrelas, o produtor coleciona sucessos. Mazzola é o responsável por autênticas pérolas da MPB, que já renderam cerca de 50 milhões de cópias vendidas e mais de 70 discos de ouro. Nomes como Gal Costa, Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso tiveram, nos últimos 20 anos, discos produzidos por ele.
À frente de sua empresa, a MZA Music, Mazzola prossegue assessorando artistas famosos e iniciantes. Para quem está começando, ele avisa que não acredita em fórmula para o sucesso, mas dá algumas dicas. “O cara tem de ter um bom repertório, carisma, força de vontade para batalhar 24 horas, saber administrar o seu trabalho e a outra metade é muita sorte”, diz. “E tem de trabalhar muito as plataformas digitais, como o My Space, Twitter, Orkut e YouTube.”
Acostumado a conviver com celebridades do universo musical, o produtor diz que um dos artistas que mais marcou sua vida foi o “Maluco Beleza” Raul Seixas. Mazzola conta que certa vez, proibido de beber, Raul ao chegar para gravar pediu que colocassem um bebedouro dentro do estúdio. A justificativa, segundo o artista, era ficar mais concentrado no trabalho, sem ter de sair para beber água. Depois de algumas horas, desconfiado da alegria do cantor, Mazzola decidiu provar um gole da tal água. Era vodca, colocada no bebedouro pelo boy, a pedido do cantor baiano.
Pirataria e liberdade na rede
Nem tudo é comemoração no ambiente digital. O acalorado debate sobre pirataria e liberdade na rede parece bem longe de terminar. Com o objetivo de avançar na questão, o Ministério da Cultura (MinC) promoveu durante dois anos, em diversos Estados brasileiros, uma série de encontros para discutir uma proposta de reforma na atual Lei de Direitos Autorais, vigente desde 1998.
Após discussão, a proposta passou por consulta pública na internet durante 79 dias, período em que recebeu, segundo o MinC, 8.431 sugestões. Principalmente no que se refere à música, o texto final do projeto não chegou a um consenso.
“Falta um capítulo que efetivamente proporcione proteção rápida e segura no ambiente de internet contra violações de direitos autorais”, defende Paulo Rosa, presidente da ABPD. Segundo ele, música é o tipo de conteúdo mais exposto e pirateado.
Um dos pontos mais espinhosos quando se fala em regulação da internet é justamente às redes P2P (peer-to-peer), que permitem compartilhamento de arquivos entre usuários. No âmbito da reforma, o Grupo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP (GPOPAI) propôs a criação de um sistema legal, em que usuários pagariam uma pequena taxa acrescida à assinatura do serviço de internet para compartilhamento de músicas, filmes e outros.
“É um sistema parecido ao que ocorre hoje com a execução pública de músicas”, avalia Pedro Augusto, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV. “Acredito que poderá gerar um impacto imenso no mercado de músicas digitais”, completa o pesquisador.
Um dos obstáculos na venda de música na internet são os Digital Rights Management (DRM), sistemas tecnológicos que permitem o controle da obra digital. “Os DRM geram uma limitação que nem o meio analógico possuía como controle de cópia ou a proibição de utilizar um mesmo arquivo de música em dois locais diferentes (como no computador e iPod).”
Outro problema que o pesquisador aponta é a incompatibilidade de padrões. “Alguns formatos de arquivo de música digital não são executáveis em determinados dispositivos.”
Enquanto prossegue o impasse na discussão sobre reforma da lei de copyright, tramita na Câmara outro projeto de lei que, se aprovado, entre outras atribuições, deve criminalizar a violação de direitos autorais na internet. Conhecido por “AI-5 Digital”, o PL 84/99, em trâmite há 11 anos, já passou por duas comissões e está sujeito a ser aprovado ainda esse ano.
Para o pesquisador da FGV, Pedro Augusto, o problema em torno da questão do download ilegal é que a discussão não avança para além da dicotomia do “pode e não pode”. “Quando uma determinada prática é realizada pela grande maioria da sociedade, que não entende aquele ato como algo reprovável, é preciso discutir a lei.”
Futuro da música
“Nunca tivemos tanto acesso à música quanto hoje”, afirma Paulo Rosa, presidente da ABPD. Mas para onde ela estará caminhando? “O futuro da música é agora”, responde ele, embora reconheça que falte resolver ainda alguns detalhes, como a parcela ilegal desse acesso que não remunera artistas.
Em função da nova realidade digital, companhias fonográficas modernas, segundo ele, estão diversificando seus modelos de negócio, atuando hoje com vários de seus artistas em praticamente todos os segmentos do setor musical que geram receita: shows, agenciamento e publicidade, além do negócio fonográfico propriamente dito.
Seja qual for o rumo que a indústria tomar, terá de ser ágil, adverte o produtor Marco Mazzola. “Vai ter de ser como um avião que não precisa descer para reabastecer”, afirma. “Empresas terão de pensar freneticamente em novos artistas, novas músicas, para que possa competir com o novo formato de distribuição.”
Por outro lado, o produtor acredita que o consumo será cada vez mais nas lojas virtuais, que crescem no Brasil. Entre as principais estão IMúsica, Nokia, Sonora e Uol. Entretanto, novos concorrentes não param de chegar. Somente durante a apuração desta reportagem, dois novos surgiram: a Power Music, da Universal, e a Nuvem, loja virtual da Som Livre. “Outras estão se instalando”, comenta Mazzola.
Cenário estrangeiro
Enquanto o crescimento do mercado de música digital está se iniciando no Brasil, no cenário estrangeiro a indústria já entendeu há tempos que o digital tem de ser cada vez mais explorado. Por lá, o velho CD deu lugar a aplicativos para celular, licenciamento de publicidade, games, entre outros.
Na Inglaterra, por exemplo, a TV se tornou parceira estratégica no jogo da indústria fonográfica. “A cada dia surge um anúncio novo com uma trilha cool de alguma banda que logo em seguida será a próxima a estourar nas paradas”, diz o radialista Afonso Cappellaro, da MTV de Londres.
O brasileiro conta que foi para lá trabalhar na Universal em um projeto que visava maximizar a entrega de conteúdo do gigante catálogo da major para o iTunes. “A empresa tinha um imenso acervo inerte e estava deixando de fazer dinheiro não colocando tudo isso on-line.”
Para sair da crise, a indústria musical inglesa topou até voltar ao vinil. Em alguns casos, quem compra o disco recebe encartado um código para baixar o conteúdo em MP3. “Você tem o disco com um som fantástico na prateleira de casa, mas também pode levar a música em seu iPod ou celular”, conta o radialista.
Outra tendência comum no cenário internacional e que muitos esperam por aqui são serviços como Spotify e We7, que funcionam como bibliotecas on-line ou acervos gigantes de músicas digitais em streaming (quando se ouve as músicas direto da internet, sem fazer o download). Talvez o futuro da música digital no Brasil também caminhe nessa direção, com todas as obras digitalizadas na “computação em nuvem” (cloud computing, armazenagem virtual de softwares e dados), sugere Pedro Augusto. “Não pagaríamos mais pelo produto música, mas trataríamos a música como um serviço.” conclui.
SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA
Desde que Thomas Edison criou o fonógrafo, em 1877, a produção musical segue em intensa transformação. Na primeira metade do século passado, começava a festa de gravadoras, artistas e milhões de amantes da música espalhados pelo mundo todo. Blues e rock dominaram o planeta na forma dos velhos bolachões de goma laca de 33, 45 e 78 rotações, também conhecidos por Long Play (LP). Outros formatos e plataformas não demorariam a surgir. Logo vieram vinil, fita cassete, CD e DVD. Quando a portabilidade da música dava seus primeiros passos, em 1979, com a chegada dos revolucionários walkmans, ninguém imaginava que após alguns anos, seria possível curtir um som, praticamente de qualquer lugar, a partir do telefone celular, cujas funções hoje vão bem além de fazer ou receber ligações, afinal, celulares tornaram-se verdadeiras estações de mídia. Embora o consumo por meio de rádio, televisão e suportes físicos como o CD ainda represente fatia relevante do mercado, atualmente é possível escutar música das mais variadas formas. No cardápio, não faltam opções como iPod, iTunes, bluetooth, downloads e streaming e a única certeza é que ninguém sabe o que ainda está por vir. |
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