Rildo, uma estrela nada solitária

Manga, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Quarentinha, Amarildo, Zagalo, Gerson, Jairzinho, Roberto Miranda, Paulo César Caju e Afonsinho; Gilmar, Mauro, Zito, Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé, Pepe, Clodoaldo, Carlos Alberto e Edu; Johan Cruyff, Michel Platini, George Best, Beckenbauer e Johan Neeskens.
O que esses nomes têm em comum, além de serem grandes estrelas da constelação do futebol mundial? Resposta: todos jogaram com Rildo da Costa Menezes. Não é difícil, portanto, afirmar que esse lateral esquerdo pernambucano – que brilhou nos gloriosos Botafogo e Santos, no apogeu da década de 1960, e no estelar Cosmos de Nova York – tenha sido o atleta de futebol que jogou com os maiores craques mundiais. Nem Pelé pode dizer isso.

Morando nos Estados Unidos há 28 anos, Rildo tem feito a ponte aérea Los Angeles/Rio de Janeiro, onde coordena o Super 7, uma espécie de futebol de salão com dois jogadores a mais e bola de futebol de campo.

Rildo tem duas filhas do primeiro casamento e está casado atualmente com Tereza, carioca, que conheceu há sete anos em Los Angeles. “De tanto marcar o Garrincha, só tive filha mulher. Acho que foi medo de ter filho jogador e ver um cara como ele entortá-lo”, brinca Rildo.
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E foi em clima de total descontração que Rildo conversou com a Brasileiros. Para marcar o craque, escalamos Afonso Celso Garcia Reis – outro que também jogou no Botafogo e no Santos, e foi homenageado em um clássico da MPB (ele é o Afonsinho da canção Meio de Campo de Gilberto Gil) – e também, o jornalista e cineasta José Carlos Asbeg, diretor do documentário que comemorou os 50 anos da nossa primeira Copa, O Ano em que o Mundo Descobriu o Brasil.

Washington Luiz de Araújo – Quando você veio de Pernambuco?
Rildo da Costa Menezes –
Vim de Recife para o Rio em 1959, com 17 anos. Garotão, igual o Afonsinho. Eu jogava no Sport quando participei de uma partida preliminar de aspirantes contra o Botafogo. E, sabe como é, o técnico João Saldanha, cascateiro, espalhou que o lateral esquerdo Índio não ia deixar o Garrincha jogar nada. Seis a zero para o Botafogo. Esse Índio nunca mais jogou no Sport. Garrincha fez três gols e humilhou. Eu joguei na preliminar.

José Carlos Asbeg – Esse jogo foi o seu passaporte?
R.C.M. –
Isso mesmo. Alguém chegou e me disse: “O Botafogo está mandando passagem pra você”. Fiquei espantado. Falaram que o João Saldanha gostou do meu futebol. Os caras vieram em cima de mim, espantados: “Rildo, você vai para o Botafogo?”. Mas fiquei cinco meses com essa onda sem ninguém tocar mais no assunto. Tinha um cara gozador, um pernambucano filho da mãe, que leu a história da minha ida para o Rio num jornal. Como eu não ia nunca, o cara, sempre que eu passava para jogar peladas, gritava: “Rildo do Botafogoooo…”. Todo dia, filho da mãe… Só se calou quando o Botafogo enviou a passagem para o Rio.

J.C.A. – Nessa época, Pernambuco mandou vários craques para o Rio.
R.C.M. –
É verdade. Um rapaz chamado Barbosa, também conhecido como Siri, era representante dos clubes do Rio lá em Recife. Ele conseguiu clubes para mim, para o Manga, o Vavá, o Adilson, irmão do Almir Pernambuquinho. Ele chegou para mim e perguntou: “Você quer fazer teste no Botafogo ou no Vasco? No Vasco é que é legal, porque o lateral está ruim pra caramba”. Mas preferi o Botafogo, onde o titular da minha posição era o Nilton Santos. Pensei: “Se eu ficar reserva, fico reserva de um cara bom. Desse cara é que eu gosto”.

J.C.A. – Por que tanta admiração pelo Nilton Santos?
R.C.M. –
O Nilton tinha raciocínio rápido, a visão e a habilidade de cortar os ângulos e desarmar o jogador. Dificilmente fazia uma falta. Elegante, muito alto e com muita velocidade, limpava a jogada. Você nunca via o Nilton de camisa suja, sempre limpinho, parecia que tinha entrado àquela hora. Jogava em pé, de cabeça erguida, com o maior estilo. Nunca vi o Nilton Santos dar carrinho. O calção dele durava um ano. Em compensação, eu tinha que trocar uniforme a cada meia hora de tanto carrinho que dava. Fui ver o Nilton Santos, em Recife, quando foi campeão do mundo em 58, eu era moleque e fiquei deslumbrado por ele falar comigo. Depois, no Botafogo, ele foi para a zaga para que eu jogasse na lateral esquerda. Não tem dinheiro que pague. É ou não é?

W.L.A. – Depois que chegou ao Bota, você foi direto para o profissional?
R.C.M. –
Não, fui para o juvenil, que todo mês jogava contra o profissional. Assim que cheguei, teve um treino desses e entrei para jogar na lateral esquerda, contra o Garrincha. Até hoje eu só vejo o número sete… Não via o Garrincha de frente. Quando pensava, ele já tinha passado. “Estou lascado, vou voltar para Recife amanhã”, pensei. Mas foi o contrário, disseram para eu não desistir. Os caras gostaram de mim. Sangue forte, que eu era, guerreiro, muita raça…

W.L.A. – Continuou no juvenil?
R.C.M. –
Sim, joguei 1960 inteirinho nessa categoria. Perdemos o campeonato para o Flamengo, mas fui aprovado. Daí, o Paulo Amaral, que já era técnico do time profissional, falou assim: “Ei, garoto, você está de férias? Você quer ficar de férias no Brasil ou viajar com o time profissional?”. Respondi que queria viajar, sem titubear. Ele disse: “Vai lá tirar as medidas que você vai comigo”.

W.L.A. – Que orgulho…
R.C.M. –
Quando eu coloquei o uniforme com aquele escudo do Botafogo… Foi uma emoção fora de série. Coloquei a roupa toda cinza, com o escudo do Botafogo aqui (aponta no peito, no lado esquerdo). Mas lá na sede, perguntaram sobre meu alistamento militar. Eu respondi que estava tudo resolvido. Tinha falado com um capitão e ele me liberou. Quando eu voltei da viagem, a notícia: eu era um desertor. O Exército me esperava no aeroporto. O pessoal do Botafogo pediu para não me prenderem no aeroporto, porque minha mãe estava lá. Essa parte foi aceita, mas fiquei preso três meses.

W.L.A. – E o capitão que autorizou sua viagem?
R.C.M. –
Pois é, o Sandro Moreira falou assim: “Agora vem cá, garoto. Esses aqui são os capitães, quem deu ordem para você viajar?”. Respondi que não sabia, como ia saber? Todo mundo com a farda igual… Eu falei que ia viajar com o Botafogo e ele disse: “Você tem a minha autorização”. O Sandro perguntou: “Ele lhe deu por escrito”. Respondi que não. “Mas como moleque? Ele tinha de ter dado por escrito.” Poxa vida, ele era capitão, como é que eu ia pedir para ele escrever, com aquelas estrelas todas na farda?

Afonsinho – Você virou uma verdadeira estrela solitária.
R.C.M. –
Fiquei em cana, fazendo faxina, ali em frente ao Flamengo, no 8º Grupo de Artilharia, quartel no Leblon. Quando eu cheguei para me apresentar, todos me saudavam: “Bom dia Rildo”. Quando eu fui preso, diziam: “Aí soldado 200, faz aquela faxina ali…”. Até o cabo dava esporro em mim.

W.L.A. – E a bola?
R.C.M. –
Preso, me falaram de um jogo contra o time da Marinha: “Se você fizer a gente ganhar, seu bicho é uma semana fora da cadeia”. Beleza, pois todo mundo saía e eu ficava preso. Eu não criava problema, eu queria era jogar no Botafogo. E tinha Gilbert, que jogava na ponta direita do América, servindo comigo. Eu disse a ele que ia me matar lá atrás, mas se ele não fizesse por mim, iria enchê-lo de porrada no quartel. Tinha de ganhar e ganhamos. Depois começou o Rio-São Paulo e o Exército me liberou, somente para jogar. O primeiro jogo foi contra o Corinthians. Não treinava nada, só no quartel. Entrei no segundo tempo. Depois, os jornais me elogiaram, publicando que, mesmo preso, estava jogando bem.

W.L.A. – Também, três meses concentrado.
R.C.M. –
Concentração violenta. Depois do quartel, entrei no time. Fomos campeões em 61 e 62. Fui convocado para o Mundial do Chile. Eu e o Nilton Santos para a lateral esquerda. Eu novinho, 19 anos, todo orgulhoso. Mas aí, fui cortado e entrou o Altair. Ele tinha jogado na seleção em 58, jogava pra cacete, com um baita nome no Fluminense. Fui convocado e fui cortado. Estávamos concentrados e fomos todos para o quarto do Gilmar, para ver quem ia ser cortado. O Zagalo estava pra ser cortado, mas o Flamengo mandou cortar o Germano que estava vendido para o Milan. E o Zagalo sabe disso. Aí, cortaram o Germano.

Afonsinho – Hoje é o contrário, o jogador que está lá fora é convocado.
R.C.M. –
Jair Marinho dizia: “Rildo, sinto muito, mas você vai ficar comigo”. Ele estava crente que ia ser cortado, porque o Joel, que jogava no Bangu, era o cara mais cotado para ir, pois estava numa fase esplendorosa. Mas a camisa pesa e levaram Jair Marinho. Fomos cortados eu, Joel, Calvet que jogava no Santos, e o Djalma Dias. Ah, também foi cortado o Bené, do São Paulo, um meio de campo que jogava pra caramba. Ele foi cortado equivocadamente. Era pra ser cortado o Jurandir, mas se enganaram e cortaram ele. O Calvet ficou revoltado e deu uns encontrões no corredor no Aimoré (Moreira, o treinador). O Zito acalmou a situação.

J.C.A. – Mas sua vida de seleção não parou por aí.
R.C.M. –
Na primeira convocação, em 63, eu e o Altair fomos chamados, e em 1966, fomos mantidos para Copa da Inglaterra. Perdemos a Copa, mas continuei na Seleção de 1967, 68, 69 até 70 nas eliminatórias.

J.C.A. – Em 1963 você já era titular da Seleção.
R.C.M. –
Não, em uma excursão na Europa, o Altair era titular e eu estava reserva. O primeiro jogo foi contra a Alemanha e perdemos. Aí, entrei contra a França. Perdemos, também, mas os jornais deram que eu tinha sido o jogador mais regular. Uma virtude minha era quando os caras chutavam e eu aparecia no gol e tirava. Salvei uma porrada de gol. Veio a Bélgica, não joguei, o Altair entrou. A Bélgica meteu cinco. Fazia um frio do caramba. A gente patinava na neve. De lá pra cá, eu entrei e resolvi não dar mais chance pra ninguém. Estava machucado, joelho doendo, mas não ia dar chance. Aí, fui jogando, jogando até 1966, quando convocaram meio mundo, 45 jogadores. Foi tanta confusão que perdemos a Copa.

W.L.A. – Você jogou do Mundial de 1966 até as vésperas da Copa de 70. Por que não foi para o México?
R.C.M. –
Em 69, nas eliminatórias, ganhamos todos os jogos. Everaldo já vinha sendo meu reserva há dois anos. Os jogadores mais regulares foram Carlos Alberto, Edu, Pelé e eu. Até o Jairzinho que foi bem na Copa, foi mal pra caramba nas eliminatórias. Pensei: “Estou absoluto, tranquilo”. Quando saiu a lista da Copa de 70, o João Saldanha falou assim: “Eu só quero feras, então o time titular será: Cláudio, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel e Rildo, Piazza, Gerson, Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu”. Escalou o time todinho, inclusive os reservas. Eram chamados “Feras do Saldanha”. “E nesse time titular só não vai pra Copa quem quebrar a perna em fratura exposta, porque senão é esse meu time”, disse o João. Teve aquela briga com o presidente Médici, porque o João não queria convocar o Dadá Maravilha e, em uma entrevista, disse: “O presidente que escale o ministério dele que eu escalo o meu time!”. Colocaram o Zagalo como técnico e eu fui cortado.

J.C.A. – Qual o motivo do corte?
R.C.M. –
O Lídio Toledo, que era médico da Seleção e do Botafogo e me conhecia há muito tempo, disse que eu tinha um problema no coração. Eu com problema no coração? Já tinha jogado na Bolívia, no México, em locais de grande altitudes e nunca tive nenhum mal estar… O Lídio sabia que eu não tinha coisa alguma. Fiquei muito chateado, pois sabia que o Brasil ia ser campeão e eu estava em uma ótima fase. E eles convocaram o Marco Antônio, do Fluminense. Mas eu tive a felicidade de jogar em todas as eliminatórias e ser apontado como o jogador mais regular da defesa do Brasil.

W.L.A. – Em 1970, você lembra de ter feito esse exame?
R.C.M. –
Lembro. Muitos anos depois, cheguei para o doutor Lídio e disse: “Já passou, já perdi, mas que porra de doença é essa que eu tenho que até hoje eu jogo?”. O médico me respondeu que era uma doença que às vezes acontece, às vezes não. Hoje, com 68 anos, ainda jogo. Dou carrinho pra caramba, não há altitude que me pare. Tudo foi inventado. Na hora, eu fiquei chateado, mas acontece, acontece… Você não vai mudar a história.

W.L.A. – Voltando à sua vida nos clubes, o que você ganhou no Botafogo?
R.C.M. –
Eu ganhei os campeonatos cariocas de 61 e 62. Em 63 e 64 fui campeão do Rio-São Paulo, e campeão daquela Copa Brasil em 63. Daí, não ganhei mais, em 65 e 66 não ganhamos nada, nada. Depois fui para o Mundial em 66. Na volta, fui vendido para o Santos, em 67.

J.C.A. – Por que foi para o Santos?
R.C.M. –
O Carlos Alberto Torres me disse que o Santos pagava em dia, enquanto o Botafogo demorava três, quatro meses. Nessa fase, o Botafogo estava muito ruim e não queria me vender. Depois de brigar muito, eles falaram assim: “Nós vendemos, mas você tem de abrir mão dos 15% (percentual que era direito do jogador em caso de venda do passe)”. Tive de abrir mão. Fui para o Santos, que me deu a metade dos 15%, mais apartamento na praia e o salário que pedi. O Santos foi muito legal comigo. O Nicolau Moran foi o melhor diretor que vi na minha vida.

J.C.A. – E as conquistas?
R.C.M. –
Foram muitas. Nesse período, entre outros títulos, ganhamos o Paulista três anos seguidos, fui campeão brasileiro, quando o Santos foi hexacampeão pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa, considerado campeonato brasileiro na época. Naquela época era reconhecido, hoje não. E, além do bicampeonato interclubes, de 62 e 63, o Santos foi campeão do mundo em 68, pela Recopa. A FIFA não reconhece, mas eu reconheço. Lá fora, ganhamos inúmeros torneios, como na França e na Espanha, onde o Real Madri não quis jogar com a gente, mas demos um cinco a um no Barcelona. Nesse torneio, o Real Madri alegou que os seus jogadores estavam todos machucados. Não queria era jogar, fugiu.

W.L.A. – E as viagens do Santos? Vocês não voltavam mais pra casa, nem sabiam que países iam jogar?
R.C.M. –
Nem sabia. Uma vez fomos jogar na África, com guerra, os caras com canhões no aeroporto… Mas o Santos parou a guerra. Cheio de canhão, de carro blindado na cidade. Jogamos lá, o time ganhou, não vimos guerra nenhuma. Na África, Pelé era tratado como rei mesmo. Os caras ficavam loucos.

J.C.A. – Rildo, nessa maratona de jogos pelo mundo, você ficou no Santos de 67 a 71 e depois, foi para onde?
R.C.M. –
Voltei para o Botafogo, depois fui para o CEUB, de Brasília, o ABC, de Natal, Quando voltei, fui falar com o Pelé e disse: “Pô, você vai para o Cosmos de Nova York e não me fala coisa nenhuma…”. E então, ele me perguntou se eu queria ir. Eu disse que sim, pois não estava fazendo nada mesmo, quase parando…

J.C.A. – Quantos anos nessas alturas?
R.C.M. –
Era 1977, e eu tinha 35 anos. E o Pelé disse que me levava, mas que eu tinha de fazer o passaporte com menos idade. “De velho já tem eu”, disse o negão. Consegui um passaporte que dizia que eu tinha 29 anos.

J.C.A. – O Cosmos era um time de muitas estrelas também.
R.C.M. –
Sim, joguei com grandes nomes como Cruyff, Platini, George Best, Beckenbauer, Neeskens, Chinaglia, Ramon Miflin. Além disso, tinha a genialidade do Pelé e o futebol refinado do Carlos Alberto, entre outros.

W.L.A. – E você conseguiu enganar a idade junto ao Tio Sam?
R.C.M. –
Nem tanto, pois, involuntariamente, justo o cara que me levou para o Cosmos e propôs meu “rejuvenescimento”, o Pelé me entregou. Em 1977, começaram a chegar uns livros sobre o Pelé na Copa de 70. Foi o que me derrubou, pois tinha fotos do Pelé nas eliminatórias comigo. “Esse cara se parece com você demais…”, me disse um dirigente do time americano. Eu dizia que não era eu nada. No ano seguinte, apareceu outra foto e não teve jeito, confessei. O técnico pediu que eu não falasse para ninguém, que eles iam me dar mais sete meses de contrato.

W.L.A. – E encerrou a carreira?
R.C.M. –
Não. Fui para o Los Angeles Asteca, com Ramon Miflin, peruano que jogou comigo no Santos e no Cosmos. Um ano depois, o técnico Claudio Coutinho foi para o time e convidou o Carlos Alberto e a mim para seus auxiliares. Mas veio para o Brasil e morreu. Foi terrível, mas eu fiquei por lá. Tenho 28 anos ininterruptos de Estados Unidos. Definitivamente, fui em 1982, mas fiquei indo e voltando desde 77.


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