Rio, 450 anos – Beleza pura. Dinheiro, não

 

Especulação - No filme "A Fraude", o ator Ewan McGregor interpretou o operador Nick Leeson, que quebrou o centenário Banco Barings - Foto: Granada Film Productions e Newmarket Capital Group
Especulação – No filme “A Fraude”, o ator Ewan McGregor interpretou o operador Nick Leeson, que quebrou o centenário Banco Barings – Foto: Granada Film Productions e Newmarket Capital Group


O rio de Janeiro é sinônimo de turismo
por excelência. Mas nem sempre foi “apenas” isso – como se fosse pouco. Até os anos de 1980, as Bolsas de Valores de São Paulo e do Rio disputavam cabeça a cabeça a liderança das negociações. A briga era de foice. Nesse cenário de disputa saudável, surgiu Naji Nahas, que, então, dispensava apresentações, por já ter sido personagem notório nos movimentos especulativos com a prata na Bolsa de Chicago, entre 1979 e 1980.

Nesse episódio, a dupla Nelson Bunker Hunt e William Hunt manipulou os preços do metal e os levou às altu-ras nos Estados Unidos, em meio ao segundo choque do petróleo. Nahas farejou a oportunidade e surfou na onda do ganha-ganha.

Contudo, abriu-se um processo e os envolvidos foram julgados. O especulador entrou em acordo com a bolsa e o governo americano, pagou multa de US$ 250 mil e foi banido de operar nos pregões americanos. Essa história ilustra um momento muito importante do mercado financeiro, que se tornava mais sofisticado, mas com escassa regulação.

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Outro exemplo: o filme A Fraude (Rogue Trader, 1999), dirigido por James Dearden, relata o caso verídico de Nick Leeson, operador ambicioso do Banco Barings, responsável pelo mercado de derivativos (grosso modo, operações futuras) em Cingapura. Ele alavancou as negociações irresponsavelmente a descoberto (sem ter condições de honrá-las). O jovem levou o centenário banco à falência no ano de 1995.

A história da Bolsa do Rio também teve contornos bastante dramáticos. Era a bolsa mais antiga do País, fundada em 1845, pelo Imperador D. Pedro II. Passou por crises notáveis, como à época do encilhamento – foi colocado em circulação papel-moeda para financiar novas indústrias, sem nenhuma garantia. Os especuladores vislumbraram ganhos irrealistas e passaram a negociar as ações das empresas na Bolsa de Valores. A grande maioria amargou pesados prejuízos.

Mas a pá de cal na Bolsa da Cidade Maravilhosa ocorreu a partir do fim dos anos 1980. O pano de fundo era uma economia castigada pela inflação, indomada mesmo com vários planos econômicos. Entre janeiro de 1988 e dezembro de 1989, a taxa mensal de inflação variou de 3,60% a 53,55%, segundo o IBGE. E preços em alta costumam desestimular investimentos em ações, porque a renda fixa sempre é mais atraente.

O País, até 1988, já havia experimentado três planos econômicos malsucedidos: Planos Cruzado 1 e 2 (1986) e Plano Bresser (1987). Fizeram água por conta do desabastecimento e de controles artificiais de oferta/demanda. E a inflação sempre voltava.

Foi nesse ambiente que, em 2 de julho de 1988, o Conselho de Administração da Bolsa do Rio aprovou uma nova forma de financiamento para os pregões. A liquidação da compra passou a ser feita

ao especulador. Com seu bom trânsito na banca, foi bem-sucedido.

Planibanc, Banco Mercantil de Crédito, Bozzano Simonsen, Citibank e Banco Pontual sustaram seus financiamentos a Nahas, conforme relata a economista da PUC do Rio, Ana Eugenie Icarahy de Thuin, no trabalho Reconstrução do Caso Nahas e a Quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1989.

Nahas, em 9 de junho de 1989, soltou um cheque sem fundos de 39 milhões de cruzados (cerca de US$ 3 milhões em dólar da época). Foi um duro golpe para a Bolsa carioca. Os financiamentos minguaram e as ações, estocadas em bancos e corretoras, perderam muito valor, por estarem com preços inflados pelas manobras de Nahas.

Na sequência, várias corretoras foram liquidadas judicialmente pelo Banco Central, por estarem inadimplentes. O então presidente do BC, Elmo Araújo, renunciou. Uma série de medidas foi tomada para tentar sanear os negócios. Foram feitas normas mais rígidas, cercos contra a especulação irresponsável.

Mas nada disso adiantou para a praça carioca. Sua imagem ficou irremediavelmente destruída, mesmo tendo sido palco de leilões de privatização nos anos 1990.

no mesmo dia do negócio – o chamado D-Zero – enquanto o pagamento pelas ações continuava no prazo anterior de cinco dias após a operação – D+5.

O que aconteceu: os investidores tomavam empréstimos consecutivos, rolavam suas dívidas e continuavam a negociar com as ações que sempre tinham em mãos.

Resultado: o volume e a valorização da Bolsa do Rio cresceram expressivamente. Paralelamente, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) apertou o cerco aos movimentos especulativos em mercados de opções – no qual se negocia o direito de comprar ou vender ações em uma data fixa no futuro. Quem gostava de alto risco migrou para o Rio, caso de Nahas.

Acontece que o especulador inovou. Passou a comprar e vender ações para si mesmo, por meio de laranjas, provocando uma alta artificial dos preços. Era o famoso Zé-com-Zé. O esquema era simples: comprava a ação em um dia, tinha o prazo de cinco para pagar, vendia o papel neste intervalo, pagava o financiamento, lucrava e pegava novo crédito. Um esquema de pirâmide.

Daí começou a batalha entre o então presidente da Bovespa, Eduardo da Rocha Azevedo, com Nahas. E o “Coxa” – apelido de Azevedo – fez gestões jun- to aos financiadores para cessarem os empréstimos ao especulador. Com seu bom trânsito na banca, foi bem-sucedido.

Planibanc, Banco Mercantil de Crédito, Bozzano Simonsen, Citibank e Banco Pontual sustaram seus financiamentos a Nahas, conforme relata a economista da PUC do Rio, Ana Eugenie Icarahy de Thuin, no trabalho Reconstrução do Caso Nahas e a Quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1989.

Nahas, em 9 de junho de 1989, soltou um cheque sem fundos de 39 milhões de cruzados (cerca de US$ 3 milhões em dólar da época). Foi um duro golpe para a Bolsa carioca. Os financiamentos minguaram e as ações, estocadas em bancos e corretoras, perderam muito valor, por estarem com preços inflados pelas manobras de Nahas.

Na sequência, várias corretoras foram liquidadas judicialmente pelo Banco Central, por estarem inadimplentes. O então presidente do BC, Elmo Araújo, renunciou. Uma série de medidas foi tomada para tentar sanear os negócios. Foram feitas normas mais rígidas, cercos contra a especulação irresponsável.

Mas nada disso adiantou para a praça carioca. Sua imagem ficou irremediavelmente destruída, mesmo tendo sido palco de leilões de privatização nos anos 1990.

Em 28 de abril de 2000, foi realizado o último pregão com ações na centenária bolsa.

A partir de então, a Bolsa passou a negociar títulos públicos no mercado secundário. Mas isso não foi longe. Em 2002, a Bovespa comprou os títulos patrimoniais da BVRJ, a praça carioca de negociação foi extinta e hoje funciona como um prédio comercial.

A mais recente notícia sobre Nahas é de dezembro de 2014. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou improcedente o processo movido pelo investidor libanês radicado no Brasil, exigindo uma indenização bilionária das bolsas paulista e carioca. A negação, após tantos recursos, indica que esse pode ser o ponto final da história de Nahas com a BVRJ. E, hoje, o Rio continua lindo, mas sem Bolsa.


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