Rio, 450 anos – Porto Maravilha

Valongo - O Jardim Suspenso, construído no começo do século 20, está restaurado - Foto: Divulgação/Prefeitura do Rio de Janeiro
Valongo – O Jardim Suspenso, construído no começo do século 20, está restaurado – Foto: Divulgação/Prefeitura do Rio de Janeiro

No aniversário de 450 anos do Rio de Janeiro, a revitalização da zona portuária da cidade, uma área adjacente ao Centro com 5 milhões de m² (equivalentes a mais de 600 campos de futebol), desponta como o maior presente para o carioca. O Projeto Porto Maravilha é comparado à grande reforma urbana do prefeito Pereira Passos na primeira década do século 20, que remodelou o Centro da então capital do Brasil nos moldes parisienses. Iniciado em junho de 2011, o Porto Maravilha é uma realidade. A área está repleta de canteiros de obras, onde um batalhão de operários faz brotar grandes construções e recupera prédios históricos. Hotéis, torres comerciais, malls, condomínios residenciais, museus, o maior aquário da América do Sul e um longo passeio público estão em construção. Novas vias foram abertas e várias ruas reurbanizadas, muitas margeadas pelas futuras seis linhas de VLTs (Veículo Leve sobre Trilhos), que se alongarão por 28 km.

Rio, 450 anos
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Entre os grandes equipamentos culturais previstos, um já está em pleno funcionamento. O Museu de Arte do Rio − MAR, na Praça Mauá, encanta os visitantes com um rico acervo focado na história e na arte da cidade. Na mesma praça, a arrojada estrutura do Museu do Amanhã, projetada pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava no formato de um navio que adentra o mar, ganha contornos finais. Com a pretensão de inaugurar uma nova geração de museus de ciências no mundo, o espaço tem previsão de abertura ainda no primeiro semestre de 2015.

Tradição preservada

O Porto Maravilha prevê investimentos públicos de R$ 8 bilhões nos 15 anos de projeto, entre 2011 e 2026. Metade desse recurso está sendo investida em obras que devem ser concluídas até 2016 e incluem a construção de 4,8 km de túneis; a reurbanização de 70 km de vias; a reconstrução de 700 km de redes de água; esgoto e drenagem; a implantação de 17 km de ciclovias; e o plantio de 15 mil árvores, além da demolição do Elevado da Perimetral. O valor também cobrirá a recuperação de prédios e sítios históricos. A outra metade foi destinada à manutenção e conservação da região durante 15 anos.

Para a realização das obras e da manutenção, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), empresa de economia mista criada pela Prefeitura do Rio para tocar o projeto, estabeleceu uma parceria público-privada (PPP) com um consórcio de empreiteiras.

O modelo de financiamento do Projeto Porto Maravilha é um capítulo à parte. Uma lei municipal de 2009 permitiu o aumento do gabarito de construção na área para os investidores que adquirissem Certificados de Potencial Adicional Construtivo (CEPACs). A venda desses papéis levantou os R$ 8 bilhões que estão sendo investidos pelo poder público no projeto, sem necessidade do uso de recursos do Tesouro Municipal.

O aumento de gabarito aplica-se só à parte da região portuária situada no aterro que avançou sobre a Baía de Guanabara, em 1911. O porto de granel está obsoleto há décadas e os amplos terrenos vazios e prédios abandonados abrigarão grandes projetos. A área tradicional da região está sendo preservada e os projetos visam à recuperação dos imóveis residenciais e do patrimônio histórico e cultural. O projeto atraiu para a região vultosos investimentos privados, cujo montante ainda precisa ser contabilizado.

O Moinho Fluminense, a imponente fábrica de farinha do grupo Bunge, será transformado em um empreendimento, previsto para 2018, com lojas, escritórios, um hotel com 219 quartos no imenso silo e uma torre moderna. A nova sede da L’Oréal Brasil, prevista para o final de 2016, terá 22 andares. O AquaRio, que deve abrir ainda este ano, vai contar com oito mil animais em 28 tanques com 4,5 milhões de litros de água.

O setor hoteleiro aposta na região que, além dos atrativos turísticos, está ao lado do Centro. Projetos de cinco hotéis foram aprovados, dos quais três – com um total de mil quartos – estão em construção.

Mobilidade

Fora do quadrilátero principal do Porto Maravilha, delimitado pelas avenidas Presidente Vargas, Rodrigues Alves, Rio Branco e Francisco Bicalho, mas ainda dentro da área do projeto, está o grande empreendimento do desativado Gasômetro: um complexo com residências, lojas, hotel e torres. Próximo ao Gasômetro, um grupo internacional que detém a marca Donald Trump anunciou o interesse de construir cinco torres comerciais de 38 andares na Avenida Francisco Bicalho.

Empresas e entidades estatais também vão se estabelecer na região. O Banco Central está construindo um prédio na Rua Rivadávia Correa e o Theatro Municipal fará um espaço para cursos e espetáculos. A Biblioteca Nacional vai reformar um prédio do Ministério da Agricultura, que contará com auditório, salas de exposição e leitura, e 20 cabines individuais de trabalho para pesquisadores.

Um passeio público de 3.450 m de extensão, que ligará a Praça XV ao Armazém 8, permitirá que o público acesse vários desses empreendimentos e atrações a pé, com bicicleta ou por meio de VLT. O caminho está sendo construído em grande parte do trajeto de 4.750 m do Elevado da Perimetral, que foi implodido e será substituído por um túnel e via expressa.

Entre as praças XV e Mauá, o passeio vai margear a Baía de Guanabara e tem tudo para se tornar um novo cartão-postal do Rio. Já o trecho entre a Praça Mauá e o Armazém 8 será um belo boulevard para pedestres, mas não contará com acesso ao espelho d’água. A Companhia Docas, do governo federal, dona dos armazéns e da faixa marítima alfandegada, não cedeu essa área ao projeto.

As revitalizações de áreas portuárias em cidades como Buenos Aires, Barcelona, Londres, Lisboa, Roterdã e Cidade do Cabo serviram como inspiração para o Porto Maravilha. Como nessas cidades, o porto carioca do início do século 20 ficou obsoleto. No Rio, a principal causa da perda de competitividade foi a mudança da operação portuária do granel para o contêiner. O porto carioca mudou-se gradativamente para o bairro do Caju, onde havia disponibilidade de terrenos para construção de grandes pátios para contêineres.

A pá de cal na região portuária foi a construção do Elevado da Perimetral, cujo primeiro trecho foi inaugurado em 1960, que transformou o local em área de passagem. O aterro virou um cemitério de construções abandonadas. Na parte histórica, apesar de ser habitada, também imperava a degradação urbana.

Com base na experiência internacional, surgiu a ideia de recuperar a região. Alfredo Sirkis, secretário municipal de Urbanismo entre 2001 e 2006, durante o governo do prefeito Cesar Maia, elaborou uma série de projetos de recuperação da área, vários dos quais implantados agora.

“Cesar Maia queria fazer o Guggenheim no local onde hoje está sendo construído o Museu do Amanhã, como catalisador da revitalização de toda a região portuária”, lembra Sirkis. “Um vereador conseguiu uma liminar contra o projeto, que Cesar não conseguiu cassar. O prefeito ficou chateado e resolveu suspender as licitações de projetos na região. Os recursos foram direcionados para construção da Cidade da Música, na Barra.”

Herança cultural

Eduardo Paes assumiu a prefeitura em janeiro de 2009 e encampou a ideia de revitalização. Em outubro do mesmo ano, o Rio foi escolhido para ser a sede da Olimpíada de 2016. Embora o Projeto Porto Maravilha não faça parte do pacote olímpico, a preparação da cidade para a Olimpíada motivou o governo federal a cooperar com a iniciativa, o que também foi facilitado pelo alinhamento político de Paes com o então presidente Lula.

O governo federal, que era dono da maior parte dos terrenos na região aterrada, fez um acordo que viabilizou o projeto. Criadas as condições financeiras, legais e políticas, a revitalização foi desenhada com um diferencial em relação aos processos em outras cidades portuárias.

“Nenhuma das experiências internacionais tem a complexidade do que estamos conduzindo aqui”, afirma Alberto Silva, diretor-presidente da CDURP. “O Porto Maravilha se inspira, mas ao mesmo tempo se distingue de outros projetos de recuperação onde havia vazios. No nosso caso é o contrário, porque há uma herança cultural e de memória na região. A gente entende que esse é um ativo que agrega valor a tudo que estamos fazendo.”

A região portuária do Rio foi palco da história da formação da população e identidade da cidade e do País. Mais de 500 mil africanos escravizados desembarcaram no Brasil no Cais do Valongo, redescoberto pelas obras do Porto Maravilha em 2011. A cidade apresentou recentemente a candidatura do sítio histórico à lista de Patrimônio Mundial da UNESCO.

Não muito distante do Cais está a Pedra do Sal, considerada berço do samba carioca. Ali surgiram os primeiros ranchos carnavalescos, afoxés e rodas de samba e por lá passaram grandes nomes da música, como Pixinguinha e Donga.

Aumento da população

Na outra ponta da região portuária está o Morro da Providência, primeira favela do Brasil. A ocupação surgiu em 1897, quando os soldados voltaram da Guerra de Canudos e o governo não cumpriu a promessa de concessão de casa própria. O local era também chamado de Morro da Favela, em referência a uma planta comum na região de Canudos.

A ocupação cresceu no início do século 20 com a reforma urbana imposta por Pereira Passos. Os cortiços do Centro foram demolidos e a população pobre transferiu-se para o morro. O nome favela passou a denominar todas as ocupações de morros com habitações populares.

O Porto Maravilha quer evitar os erros de Pereira Passos, que deixou um legado urbanístico incontestável, mas à custa da remoção da população carente para as favelas. O objetivo do projeto é manter os cerca de 30 mil moradores atuais na região e beneficiá-los com novas oportunidades de emprego e negócios e com valorização de seus imóveis.

A Prefeitura, ainda que timidamente, concede incentivos para que os proprietários reformem seus imóveis e promove cursos de formação profissional gratuitos. A CDURP negocia com uma cadeia internacional, que está construindo hotéis na região, a criação de uma escola de hotelaria próxima ao Morro da Providência.

Apesar das ações, será difícil deter a ocorrência do chamado processo de gentrificação na região. A experiência mundial indica que, em áreas populares que recebem fortes investimentos em infraestrutura e/ou grandes empreendimentos, os preços dos imóveis sobem, o que provoca um aumento dos custos de bens e serviços. A população original, pressionada pelos altos custos, tende a vender seus imóveis e migrar para outras regiões.

Estima-se que a população da região portuária do Rio vai aumentar para cem mil nos próximos anos. O processo de atração da classe média e média alta para a área já está em curso, com o deslocamento de pessoas que fogem dos altos preços dos bairros nobres da cidade e buscam moradia próxima ao trabalho no Centro. Também há uma corrida de investidores em busca de imóveis na área que poderão se valorizar no futuro próximo. No aniversário de 450 anos do Rio, a melhor festa acontece na região portuária. Mas será que os moradores vão participar?


Comentários

2 respostas para “Rio, 450 anos – Porto Maravilha”

  1. Avatar de Jose Aloisio Soares
    Jose Aloisio Soares

    O Centro do Rio está sendo revitalizado. Eduardo Paes, está sendo ao lado de Carlos Lacerda e Pereira Passos um dos melhores governantes da Cidade Maravilhosa, a minha capital. Transformou o Rio num canteiro de obras. Tomara que os custos das obras estejam dentro da LRF. O Calcanhar de Aquiles dos chefes do Executivo… Paes vai deixar o Porto Maravilha maravilhoso mesmo. O cara é visionário…

  2. […] Brasileiros > cidades:  Rio, 450 anos – Porto Maravilha. Disponível em > http://brasileiros.com.br/2015/02/rio-450-anos-porto-maravilha/ (último acesso em […]

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