Salles confirma filmagem de On the Road

Quem diria? Gus Van Sant e Jean-Luc Godard não toparam a parada e veio parar na mão do diretor brasileiro, Walter Salles, a adaptação do clássico livro On the Road, do escritor norte-americano, Jack Kerouac, lançado em 1957 (traduzido como Pé na Estrada, na edição brasileira). As filmagens começam no início de agosto em estradas dos Estados Unidos, Canadá e México. A montagem será feita no Brasil.

No elenco, entretanto, nenhum brasileiro. Para os papéis principais da adaptação do romance, já estão confirmados os atores Sam Riley (Control), que interpretará o alterego de Jack Kerouac, Sal Paradise; Garrett Hedlund (Tron Legacy), escalado para viver o parceiro de estradas, Dean Moriarty; e a bela Kristen Stewart (Crepúsculo), que fará a esposa enlouquecida de Moriarty, Marylou.
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“Convidei Kristen Stewart há quase dois anos, depois de ter ficado impactado pela sua atuação em Na Natureza Selvagem‘, de Sean Penn”, explica. “Ela conhece o livro de Kerouac a fundo, e permaneceu fiel ao projeto durante todo o tempo em que o filme procurava financiamento. É uma atriz que não recusa o risco, como o personagem incandescente que ela vai viver.”

O livro, que relata as andanças de Kerouac, de um canto a outro do país, de carro, trem ou carona, marca a origem da contracultura e do movimento hippie e é cultuado como uma bíblia por mochileiros de todos os cantos – contra a vontade de Kerouac, vale destacar.

Na estrada
O romancista americano, de origem franco-canadense, Jack Kerouac, escreveu em apenas três semanas, em um rolo de papel para telex, a obra-prima que o eternizou como o rei dos beatniks – grupo de artistas que sacudiu a comportada literatura americana na década de 1950. Já o filme não seguiu o mesmo ritmo. Há 30 anos, a produtora de Francis Ford Coppola, American Zoetrope, tenta tirar o projeto do papel.

Nas mãos do diretor brasileiro, desde 2005, a velocidade não mudou. “Foram necessários quase cinco anos de pesquisa e trabalho para o filme se tornar possível”, diz Salles. E ele prefere assim. “Estou acostumado a processos de desenvolvimento longos. Demorou quatro anos para Diários de Motocicleta se tornar realidade.”

O projeto de On the Road vai decolar finalmente graças a uma parceria inédita assinada com a companhia francesa MK2, produtora de filmes de autores como Kieslowski e Kiarostami.

Para o desafio de filmar o clássico beat, um dos favoritos do diretor, Salles optou por refazer as rotas descritas no livro. “Tive a possibilidade de mergulhar em um território fascinante”, conta. Com sua equipe, ele se mandou para a estrada, conheceu escritores da geração beat, como o guru Gary Snider, e artistas influenciados por Kerouac, como Lou Reed e David Byrne. “Quanto mais avançava, mais me convencia de que o filme era necessário.”

Parte desse processo está no documentário Em busca de On the Road, que teve trechos exibidos recentemente no Festival de Cinema de San Francisco – onde o diretor foi homenageado.

A produção do documentário foi uma verdadeira aventura, relembra Salles. “Fomos de cidadezinha a cidadezinha, sem uma programação previamente estabelecida, olhando não somente para a estrada, mas para aquilo que havia à margem dela.”

Processo semelhante ao utilizado durante a preparação de Diários de Motocicleta. “Refiz duas vezes a rota trilhada pelos jovens Ernesto Guevara e Alberto Granado pela América Latina antes de começar a filmagem.”

“Quando você está na estrada, se torna totalmente aberto para o mundo. Começa a absorver o desconhecido, passa a ser o somatório de todas as possibilidades à sua volta, esquece as limitações do dia a dia”, observa o diretor.
Para ele, On the Road representa ainda hoje um processo de libertação. “Tornou-se cada vez mais difícil encontrar lugares que não tenham sido homogeneizados pela cultura dominante. Nos Estados Unidos, você encontra aquelas mesmas porcarias de McDonalds e Wall Mart a cada vinte quilômetros.” Por isso, recomenda Salles, a melhor maneira de descobrir algo é sair das estradas principais e pegar os caminhos alternativos.

O processo lento trouxe ainda outra vantagem: o lançamento, em 2008, da versão original do livro de Kerouac, mais selvagem, sexual e sem os cortes sofridos na edição lançada em 1957. “A publicação inspirou uma nova versão do roteiro, escrito por José Rivera (indicado ao Oscar por Diários da Motocicleta), que é ao mesmo tempo, mais luminosa, ousada e mais forte do que a do início.”

Grito de liberdade
O cuidado com o filme tem legítimas justificativas. A responsabilidade não é pequena. O livro, que já vendeu milhões de exemplares pelo mundo todo, coleciona uma legião de fãs desde que foi lançado. Uma das primeiras críticas sobre On the Road, assinada por Gilbert Millstein, no New York Times, já sinalizava o livro como uma obra-prima que desvendava o espírito de uma época. Para Salles, é um dos raros livros que teve impacto vital e decisivo na cultura. “Alterou o modo como vivemos.”

Para muitos, as coisas mais interessantes que aconteceram no século passado surgiram nos anos 1960, mas Salles ressalta que não é bem assim. “Sem os beats, não teria acontecido a revolução sexual, a expansão da mente através das drogas, a busca de religiões alternativas, como o budismo, as primeiras preocupações ecológicas anunciadas por Gary Snyder, um dos pensadores mais geniais daquela época – e de hoje.”

Na opinião de Salles, On the Road e a geração à volta de Kerouac representaram um grito de liberdade contra uma forma binária de pensar o mundo: o certo e o errado, o bom e o mal. Por tudo isso, afirma que seu filme será uma homenagem ao gênio de Kerouac. O diretor brasileiro arrisca ainda outro motivo para o projeto ainda não ter sido concluído: “Vamos fazer um filme melhor”, arremata. I


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