Eu sei como é. Comigo foi assim. Era a primeira vez que ia a um show de stand up comedy. Carol Zoccoli pega o microfone e… Ah, não! Mulher… Que saco… Como diz a comediante Mhel Marrer: “Entramos no palco já perdendo de cinco a zero”. É, senhoras e senhores. Pré-conceito, preconceito. Sem querer, querendo. Acabamos tendo, não dá para fugir. Estamos todos nessa. Tem explicação antropológica, esotérica, matemática… Antes de achar uma resposta, não custa tentar acabar com isso (ou atenuar) assistindo a Humor de Salto Alto.
O espetáculo de stand up comedy, como fica óbvio, só tem mulheres. Lindas, inteligentes, rápidas, e, claro, engraçadas. É esse o perfil do grupo. Sei que intimida. Perder o nosso papel de macho alfa, do piadista da roda, é como não ter função alguma. Relaxe. Porque, amigo, elas vão soltar palavrão, coçar o saco, fazer troça delas, de nós e… te fazer rir!
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O Teatro Juca Chaves estava praticamente lotado no dia 20 de junho, data da estreia. Quando conversei com a Andréa Barreto, uma das comediantes e também produtora, dois dias depois dessa apresentação, já se contavam vários e-mails rasgando seda e comentando.
Não é balela de quem vende o próprio peixe. Este escriba viu com os olhos que a terra há de comer! Engana-se quem pensa que só havia público feminino. Estava mais do que bem dividido entre os dois sexos, que se divertiram até não poder mais com as cinco meninas e o mestre-de-cerimônias. Isso mesmo. O, artigo masculino. É sempre alguém com testosterona apresentando o show e introduzindo cada uma. “Pra tirar um sarro”, explica Andréa. Tudo bem que no debute foi o Evandro Santo (Cristian Pior, do Pânico), mas, enfim…
À primeira vista, Humor de Salto Alto é muito parecido com Virgens mas nem tanto, espetáculo feito por três (Andréa Barreto, Micheli Machado e Wanessa Morgado) das cinco (sobraram Carol Zoccoli e Mhel Marrer): stand-up e só garotas. Mas no Virgens, o trio fica junto no palco o espetáculo todo, intercalando as falas, como se fosse um bate-papo informal. Então, no fim das contas, é diferente: texto de stand-up, porém, com outro formato.
Tanto é assim que Humor vingou exatamente porque o teatro onde estão procurava um show de stand up comedy tradicional. As meninas, que já tinham o desejo de fazer um show sem homens, aproveitaram. Torça para que isso tenha se revertido em uma prorrogação da temporada, que inicialmente duraria apenas um mês. Se depender do dono do espaço, o também comediante (entre outros apostos) Juca Chaves, provavelmente você terá tempo de sobra pra assistir e rever o grupo: “Acho maravilhoso, ótimo (ver um show só com elas). Quando eu conto piadas feministas, a mulherada vibra. Os homens, não. Eles não gostam de ser passados para trás. Não conhecem os pontos de vista delas. A maioria nem sabe o que elas pensam, falam… não tem ideia! E isso é bom, porque eles vão aprender o outro lado”.
Direito de resposta?
A ideia de Humor de Salto Alto era um desejo antigo das cinco. Em algum momento da vida, como comediantes, já tinham pensado no assunto. Depois de uma provocada ao vivo, na Rádio Jovem Pan, porém, a coisa se tornou quase uma questão de honra. “Eu acho que todas nós já ouvimos muito a frase ‘Mulher não tem graça’. As meninas foram no Pânico e o Emílio (Surita, âncora do programa) falou isso na cara delas!”, conta Carol Zoccoli, inconformada. Ela e Micheli chegaram à conclusão de que estava mais do que na hora de ter um show só com garotas – à la clube da Luluzinha, sabe?
“Acho que o Emílio nem acredita na teoria dele. Mas é engraçado porque muita gente pensa isso. Mulher ou é a loira burra ou a feinha superinteligente, sempre esses estereótipos. E não é verdade. Não quisemos exatamente responder a ele, mas a provocação foi, digamos, um ‘plus a mais’. Para dizer o seguinte, temos sim um show só de mulheres, e ae?”, explica Andréa.
Por mais que o objetivo da coisa toda não seja levantar a bandeira feminista, tem sim um quê disso. Porque, vamos lá gente, convenhamos, existe preconceito com as mulheres em toda a sociedade, em tudo que é profissão. No stand up comedy não é diferente. Já teve empresa que quis contratar um grupo paulistano, mas não a garota. Ouvi história de comediante que reclamava do fato de a colega estar muito arrumada para se apresentar. E histórias de plateia não faltam, né, Carol: “Subi no palco e uma moça falou ‘Ah, é mulher, tira daí’. E uma amiga minha que estava no dia me defendeu ‘Calma que você vai ver, ela é boa’. Gostou e depois do show soltou a pérola: ‘Apesar de você ser mulher, adorei’. Apesar…vê se pode”.
E não tem nada a ver com humor feminino ou humor masculino. Não dá pra categorizar assim. “Cada um tem um estilo, independentemente de ser homem ou mulher”, opina Marcela Leal, conhecida como primeira-dama do stand up. É mais ou menos como emendou Dani Calabresa: “Os homens têm uma ‘permissão social’ pra falar palavrão, falar besteira, imitar os outros e ser engraçado. Já a mulher, tem que ser bonita, educada”. Talvez por isso, inclusive, a mulherada pense dez mil vezes antes de tentar uma carreira no gênero, certo, Mhel: “Elas não gostam de se expor, abrir mão da vaidade, falar da própria vida. E é disso que se trata”. E dá-lhe Dani: “E o mais absurdo é você ligar a TV e ver uma mulher seminua em algum programa de humor. Enquanto os homens ‘brilham’, a mulher fica lá, parada, meio ‘moita’, só estampando a cena. Por isso tem gente que pensa: ‘Ah…mulher não sabe fazer humor, não’…”
É exatamente por isso, aliás, que elas geralmente não recebem atenção ou cantadas após as apresentações. Ficam todos intimidados com aquela espécie feminina. Com os comediantes acontece exatamente o oposto: são assediados e só não se dão bem se não quiserem. Não é uma reportagem dessas – ou o Humor – que vai gerar uma revolução para mudar a ordem das coisas. Mas não custa acreditar no potencial, aproveitando a frase do Juca Chaves: “Uma boa piada diz às vezes uma verdade que todos queriam ouvir, destrói até um governo”.
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