Tradicional espaço do cineclubismo em São Paulo, o Espaço Unibanco de Cinema, na Rua Augusta, foi palco de uma inusitada projeção na noite de quarta-feira (9). Nada de clássicos ou cults contemporâneos de diretores asiáticos com nomes impronunciáveis. Em vez de cinéfilos, quase 300 amantes da música reunidos. Gente ansiosa por assistir em primeira mão à exibição de Timeless, concerto realizado em Los Angeles, em 2009, que reuniu uma orquestra com mais de 30 músicos, sob regência do maestro Arthur Verocai, para reproduzir, na íntegra, seu álbum homônimo de 1972. No corredor interno da quarta fila à direita da tela da sala 1, muito alto e esguio, vestindo blazer e jeans, Verocai permanecia anônimo, até ser apresentado e ovacionado com extensas palmas, gritos e assobios. Intimidado com a recepção calorosa, ficou em pé, agradeceu e reverenciou a plateia. Em seguida, teve início a “sessão”.
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Engenheiro civil formado em 1968, já no ano seguinte ele abandonaria a carreira para dedicar-se à música, sua verdadeira paixão, desde que aprendera os primeiros acordes no caderno de lições da irmã (uma das alunas do famigerado curso de violão de Carlos Lyra e Roberto Menescal que, segundo relata Ruy Castro em Chega de Saudade, era uma verdadeira isca de “brotos” para os dois galãs da bossa nova). Influenciado por Tom Jobim e o gênio precoce Eumir Deodato, Verocai dedicou-se a escrever arranjos e tornou-se nome de peso na indústria fonográfica daquele início da década de 1970.

Disputadíssimo, assinou arranjos de grandes estrelas de nossa música. Jorge Ben Jor (então, Jorge Ben), Luiz Melodia, Ivan Lins, Gal Costa, Erasmo Carlos, Marcos Valle, Elizeth Cardoso, Nelson Gonçalves, MPB4 e Quarteto em Cy são alguns dos nomes com quem trabalhou, e exemplos de sua versatilidade e grande talento. Em 1971, incumbido de arranjar o disco de estreia da cantora Célia, foi convidado pela gravadora Continental para lançar seu próprio álbum. Além da excelência dos arranjos escritos para a cantora, Verocai vinha, desde o final da década anterior, se revelando um compositor de mão cheia – teve canções gravadas por Maysa e Elis Regina – e a gravadora não hesitou em dar a ele carta branca para produzir o que bem entendesse.

Lançado em 1972, o álbum reuniu um time de feras que incluía o saxofonista Oberdan Magalhães, o clarinetista Paulo Moura, o baterista Pascoal Meirelles, o guitarrista Hélio Delmiro e o trombonista Edson Maciel. Por conta da aproximação com Ivan Lins no ano anterior, quando escreveu arranjos para o álbum Agora, Verocai convidou o letrista Vitor Martins – parceiro de Lins e autor do sucesso Começar de Novo – para criar as letras das intrincadas e belas melodias compostas por ele. A mistura de ritmos brasileiros com o funk, o soul e o hard bop americanos, mais os arranjos de cordas e sopros deram tamanha densidade às composições que, até hoje, basta uma primeira audição para concluir que estamos diante de uma obra irretocável. Um clássico instantâneo que, ironicamente, estaria fadado ao limbo. Como revelou o próprio Arthur, no descontraído bate-papo após a exibição de Timeless, a decepção com o fracasso comercial do álbum, após meses de árduo trabalho, fez com que abandonasse de vez as ambições de compositor: “Dei o meu melhor, como dizem por aí, e o disco não aconteceu. Passei a trabalhar compondo jingles publicitários. Um jingle de 30 segundos dava dinheiro equivalente aos arranjos de um álbum inteiro. Lembro que meu filho me pedia o disco para ouvir, e eu o escondi por mais de uma vez! Sabia que tinha feito algo belo, mas desconfiava que não interessaria a ninguém”.

Em 2003, o selo Ubiquity – baseado em São Francisco, nos Estados Unidos, e especialista em garimpar pérolas obscuras em sebos de vinis ao redor do mundo – resolveu relançar o álbum descoberto por um dos sócios no final dos anos 1990. Meses depois, os grooves orgânicos de Verocai caíram nas graças de DJs como Little Brother, J Dilla, MF Doom e Madlib (que chegou a declarar que poderia ouvir esse único álbum até o último dia de sua vida!) e, em pouco tempo, os samplers se multiplicaram mundo afora e o culto mundial ao álbum homônimo de Verocai não para de crescer.

O concerto filmado pela produtora Mochilla, em Los Angeles, dirigido por Brian Cross (que também estava presente no Espaço Unibanco), foi a primeira vez que o maestro executou o álbum ao vivo. Além das dez faixas de 1972, outras composições mais recentes, como Sucuri, de seu segundo álbum Encore (lançado em 2007, depois da redescoberta em terras estrangeiras), e Flyng to LA (composta especialmente para a ocasião), foram acrescentadas ao repertório. A exemplo do álbum original, o concerto em Los Angeles reuniu músicos lendários, como o percussionista Airto Moreira, o baterista Ivan “Mamão” Conti, o cantor Carlos Dafé e o organista José Roberto Bertrami, além da orquestra com 30 músicos, a maioria deles americanos, nitidamente extasiados com a beleza dos arranjos que executavam. A cada tema apresentado no telão, a sala de cinema era tomada de assalto por muitas palmas, gritos e assobios. Depois de quase quatro décadas de ostracismo em seu próprio País, 2011 parece prometer uma redenção tardia a esse grande personagem que é Arthur Verocai. Timeless também será exibido no Rio de Janeiro, terra natal do maestro, no próximo dia 16, no Unibanco Artplex Botafogo. Para os paulistas, a boa nova é que Verocai fechou dois shows, com direito a orquestra e a participação de Airto Moreira, que ocorrerão no SESC Belenzinho, em 9 e 10 de abril. Não dá para perder.

Mautner sete ponto zero


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