Meu amigo
Meu amigo

Meus caros, se vocês nunca leram Saramago na vida, correm o risco de perder parte dela. Saramago é básico, lindo, fundamental. Ninguém, na atualidade, usava a língua portuguesa tão bem. Mereceu o Prêmio Nobel, que ganhou em 1998. Um dos melhores livros que  li em toda a minha vida foi escrito por ele, O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Curioso, pois ele era comunista, não acreditava em Deus, e escreveu aquela obra-prima sobre a figura de Jesus, sobre o bem e o mal, imperdível. Vários outros  livros seus eram maravilhosos, Era Lisboa e Chovia, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Ensaio Sobre a Cegueira, e por aí vão. O mais recente, Caim, é um Saramago menor, mas ainda assim está acima do resto da humanidade.

Em O Evangelho, ele nos trouxe um Jesus humano, que não compreendia sua condição de filho de Deus, vivia maritalmente com Maria Madalena, e sofria com dúvidas e angústias até mais complexas do que as de um homem normal. Na passagem mais maravilhosa do livro (e de minha vida), Jesus estava vivendo com pescadores, às margens do Mar da Galileia, quando, certo dia, acorda com o mar e o vilarejo cobertos por um forte nevoeiro. Enquanto todos os demais ficam em casa ele sai, pega uma barca, e rema para o meio do mar, sob o nevoeiro, onde, de repente, aparece Deus, sentado na popa,  “Vestido como um judeu rico”. Começam uma linda conversa de pai e filho, logo interrompida pelo Diabo, que chega nadando, e se junta a eles. Inicia-se um diálogo no qual Jesus pergunta a Deus quem ele mesmo é,  o que faz na terra, e Deus  explica, com interrupções pontuais do Diabo. É literatura divina, em todos os sentidos da expressão. Viver sem ler esse livro é viver menos.

O-Evangelho-SegSaramago viveu às turras com as religiões, criticou ferozmente tanto a Igreja Católica (até mais do que eu) quanto a religião Judaica, o que não o impediu de escrever O Evangelho e Caim, nos quais revisita e humaniza personagens sagrados. Defendeu o socialismo severo, elogiou Cuba, nunca teve medo de controvérsias,  enfrentou-as com galhardia, e nunca buscou os holofotes da mídia, mas não tinha como escapar deles.

Em um de seus livros mais recentes, As Intermitências da Morte, uma divertida ficção na qual, subitamente, as pessoas deixam de morrer, mostrou como a morte é uma circunstância não apenas natural na vida, como também necessária. Para ele,  o foi, ele já tinha 87 anos, mas deixou um livro inacabado, e fará uma falta enorme.  Há muito tempo eu não falava de literatura por aqui, continuo elogiando e recomendando Vidal, Mishima, Gide, Genet, Youcenar, Isherwood, e Oscar Wilde, mas abro hoje uma última página, especial, para Saramago. Página eterna, com minhas saudades.


Comments

11 respostas para “Saramago”

  1. Bom comentário.
    Você devia falar mais de literatura!
    Fiz um textinho sobre o Saramago no meu blog também http://literaturacotidiana.com.br/?p=3434

    Abraço

  2. Meu caro, gosto particularmente de Memorial do Convento e Viagem a Portugal. O que não exclui esses que mencionaste. O homem não era fácil, mas era bom. Beijas.

  3. Olá, Lourenço, muito bonito seu texto sobre Saramago. Há alguns dias li um artigo sobre ele, feito por economista burro preso a imagem, ao que Saramago falou, à leitura superficial e matemática de suas obras. Acho que você soube ler o velho-português-morto e soube guarda a sua verdadeira excelência. Abraços.
    André, São Luís- MA

    1. André, obrigado, fico feliz. Acho que, quanto mais o povo ler Saramago melhor. Obrigado pelo comentário. Abraços do Cavalcanti

  4. Li um único livro de José Saramago: Nas intermitências da morte.

    Comecei e recomecei diversas vezes até me acostumar com sua forma de escrever sem pontuações e parágrafos enormes. Depois, num fim de semana sem nada a fazer e sem outra opção de leitura recomecei e terminei o livro.

    Um livro de conteúdo bom, mas de uma forma que não conquista leitores simplórios como eu.

    Mas depois de sua crítica de ‘O Evangelho…’ irei me arriscar a penetrar um pouco mais no mundo de Saramago.

    Saudações

    1. Júnior, penetre o mundo de Saramago. É lindo!!!!!!!!!

  5. Olha
    Não li nenhum livro dele por não querer lê-los e nem por isso acho que vivi menos(ou mais)do que alguém que os leu.
    Acho um comentário meio bobo teu.Se você já leu e gostou,ótimo.Não menospreze os que não comungam contigo.
    Abraços

    1. Maurício, eu não menosprezo ninguém. Só recomendo o que acho bom !

  6. Avatar de Herberth Faquim Brasil
    Herberth Faquim Brasil

    Aí vai um poema que fiz para homenagear Saramago. Obrigado

    Saramago colabora com Deus

    Deus estava com dificuldades
    para terminar um romance.
    Como não ensaiava um desfecho
    cego, escuro
    e barato, resolveu
    pedir ajuda a José
    Saramago.

    O final do livro
    teve frases longas,
    pontuações cabíveis e
    a personagem principal
    ganhou pecados da terra.

    Deus ficou espantado.
    Muita coisa no seu livro
    havia mudado.
    Deus não teve escolha.
    Logo, passou a autoria do
    livro ao amigo Saramago,
    pois tudo na obra foi
    transformado.

    Herberth Brasil
    18/06/2010

    1. Herberth, obrigado digo eu.

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