Saramago é eterno

Apenas José
Apenas José

Caríssimos, ontem eu vivi um daqueles momentos de que não me esquecerei por toda a vida: a homenagem feita a José Saramago, morto em junho desse ano. Eu mesmo fiz uma humilde homenagem a ele nesse blog, e nunca imaginei que aqueles que o conheceram de fato, que tiveram esse privilégio, conquistaram o direito de chamá-lo apenas pelo primeiro nome, José, fariam algo tão emocionante. Foi no auditório do Sesc Vila Mariana, lotado, consegui as entradas graças ao sacrifício de uma amiga querida. Lá fora várias pessoas imploravam por um ingresso, mas várias poltronas ficaram vazias lá dentro – uma injustiça, não sei como não abriram as portas para elas depois do início, afinal, a entrada era gratuita. A cerimônia (vou chamar assim) começou com dois discursos emocionados, um do diretor do Sesc, Danilo Miranda, e depois o de Luiz Schwarcz, seu editor, que receberam Saramago em suas várias vindas ao Brasil. Penitencio-me por não ter perseguido um autógrafo. Lendo vários livros desse José eu me emocionei muito. A direção foi de Daniela Thomas, o que garantiu um espetáculo deslumbrante.

A viúva de Saramago, a espanhola Pilar Del Rio, leu um trecho do livro As Intermitências da Morte, em um palco escuro, onde o trecho do livro que era projetado em letras brancas, em uma tela em frente a ela. Depois dela, as atrizes Denise Weimberg, Bete Coelho e Lígia Cortez, se revezaram lendo trechos do mesmo livro, e também de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Ensaio Sobre a Cegueira e Memorial do Convento. Á medida em que liam, as páginas dos livros com os trechos eram projetados no chão que pisavam, dando a sensação de que as atrizes estavam de fato dentro do livro. Entre a leitura de cada uma, projetaram-se trechos do documentário José e Pilar, que ainda não estreou no Brasil, mostrando ao vivo e em cores o próprio Saramago, em aparições pontuais, dizendo frases curtas mas cheias de significado, como sua não crença em Deus, e seu destemor da morte. Fechando com chave de ouro, ninguém menos que Chico Buarque veio ao palco, e leu um último trecho de O Ano da Morte de Ricardo Reis. O teatro veio abaixo, todos muito emocionados. Foi uma noite que guardarei para sempre, como guardo os livros dele em minha estante, em lugar nobre. Pouquíssimos usaram a língua portuguesa nesse século como ele o fez. Só posso encerrar dizendo a todos uma coisa: leiam Saramago! Abraços do Cavalcanti.


Comentários

6 respostas para “Saramago é eterno”

  1. Caro LC,
    Gosto muito das suas dicas de livro. Tenho precisado de boas referências para leitura e sempre entre em seu blog para, entre outras coisas, saber o que há de bom.

    Acatei sua recomendação e encomendei Confissões de uma Máscara, de Yokio Mishima. Comecei a ler esta semana. Confesso (palavra oportuna, rss) que estou achando um pouco chato, mas talvez precise me acostumar com a escrita dele, que é bastante sofisticada.
    E já deixei reservado o Memórias de Adriano, também muito bem descrito por vc.

    Acho que, como bom gay, devemos conhecer melhor o universo homossexual para que nos conheçamos melhor e, assim, sejamos mais sábios e tolerantes com a vida.

    Quanto ao José Saramago, sempre ouvi altíssimas recomendações de sua literatura. Infelizmente ainda não tive o prazer de ler nenhum de seus livros ainda. Mas o próximo – depois de Memórias de Adriano – será algum dele. Qual vc indicaria para ser introduzido em sua literatura?

    Para quem se interessar, vai um link da entrevista com ele no programa Roda Viva da TV Cultura: http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/programa/PGM0584

    Abraço e bons posts

    1. Mateus, gostar de um autor nunca é obrigatório. No caso de Mishima, obrigatório é conhecê-lo. O estilo dele é pura cultura japonesa, com aquele floreado das imagens e paisagens, mas eu lembro que nas “Confissões” ele fala coisas lindas e absolutamente geniais. Ele reconhece que o desejo homossexual antecede a própria sexualidade, quando diz que o menino gostava de ver a volta dos soldados do treinamento não para ganhar os cartuchos usados, mas para sentir o cheiro deles. Isso é lindo, eu mesmo fiquei buscando na memória qual seria meu primeiro desejo sexual, e fui encontrá-lo lá na infância, quando não tinha idéia do que era sexo. E a descoberta do orgasmo através da visão da pintura de São Sebastião é bárbara – não precisa ser verdade, ele nunca disse que o livro era totalmente autobiográfico. A pintura a que ele se refere é a mesma que eu botei no post “Nosso Padroeiro”, veja lá.

      O que eu acho fantástico no Memórias de Adriano é a capacidade da Youcenard de ser o personagem, ela narra na primeira pessoa, e parece que você está ouvindo um relato na primeira pessoa. É deslumbrante. Vale muito a pena.

      Saramago é mais complexo, aquele estilo de frases longas e uma pontuação heterodoxa, demora para você se acostumar, mas vale o esforço, pois ali pode estar algo como O Evangelho Segundo Jesus Cristo, que eu acho o melhor livro que já li na vida!

      Se queres mais duas dicas de literatura homossexual que também valem a pena, tente Querelle, do Genet, e Juliano, de Gore Vidal. Genet usa o erótico como ninguém – a cena em que Querelle se entrega pela primeira vez é inesquecível, e Nossa Senhora das Flores é absolutamente masturbável!

      Vamos trocando figurinhas por aqui. Apareça sempre.

      Abraço do Lourenço

  2. Já disse anteriormente mas não entendo essa devoção Saramago.Acho ele muito chato e não gosto do jeito que ele escrevia.

    1. Mauricio, gostar dele não é obrigatório. Conhecê-lo sim! Eu o adoro, minha sintonia com ele sempre foi forte, mas respeito quem não goste.

      Abraço do Lourenço

  3. Os textos de Saramago nos tiram do mundo superficial e fazem a gente se lembrar daquilo tudo que a gente sabe, mas passa a vida esquecendo… bjo.

    1. Vera QUE-RI-DA. Saramago nos mostra o que é o mundo, como ele pode ser lindo, como nós podemos vê-lo. A vida pode ser maravilhosa, cheia de amigas deliciosas, conversas gostosas, pequenos momentos divinos. Saramago prescreve, a gente segue.
      Beijo no coração,
      LC

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.