Nove da manhã. Termino de fazer a moderação dos comentários da noite e penso no que vou escrever hoje.
Leitores me pedem para comentar notícias que estão nas capas dos jornais e dos portais: a condenação e prisão da dona da Daslu, a Operação Castelo de Areia, que pegou em flagrante a empreiteira Camargo Corrêa e vários partidos políticos, a interminável novela da Operação Satiagraha e seu delegado Protógenes Queiróz, que flutua entre o papel de herói e de vilão, e por aí vai
Escrever o quê, além de tudo o que já foi publicado? Tenho alguma coisa inédita a dizer ou vou dar apenas mais uma opinião sobre assuntos que mobilizam a imprensa, a Polícia Federal e a Justiça em busca da verdade? O que posso acrescentar ao leitor, se não sei a verdade?
Desde o primeiro dia, o Balaio tem procurado outros assuntos que não estão na capa dos jornais para que ninguém pense em dar um tiro na cabeça depois de ler o noticiário.
Por isso, para mim quem tem razão é a leitora Blenda, das 22h58 de quinta-feira, que escreveu ao final do seu comentário:
“Acho legal que aqui surjam assuntos amenos. Na mídia toda é sempre a mesma coisa. Parece até que foi o mesmo profissional que escreveu”.
Tenho a mesma impressão e o mesmo desencanto ao final da leitura que faço do noticiário todas as manhãs. Além do pensamento único, agora temos a pauta única que mobiliza todos os jornalistas a escrever as mesmas coisas do mesmo jeito.
Dez da manhã. Tive que dar um tempo no que estava escrevendo aí acima para dar uma entrevista a um grupo de crianças de uma biblioteca municipal, que vieram me encontrar no Café Santo Grão, aqui na frente prédio onde moro, onde sempre marco meus compromissos.
As nuvens pretas do noticiário desapareceram num instante quando comecei a conversar com Beatris, Bruna, Clara, Cosmo, Matheus e Thalita, crianças animadas como se estivessem chegando a um parque de diversões.
Antes que elas me fizessem a primeira pergunta, quem as começou a entrevistar fui eu, curioso por saber de onde eram, o que faziam e o que as levou a procurar este velho repórter.
Estou habituado a dar entrevistas para estudantes de jornalismo, mas é a primeira vez que me vejo diante de alunos do primeiro grau que querem ser repórteres e estão curiosos em saber como é este trabalho.
Fiquei alegremente surpreso com a história que ouvi e, mais ainda, com o que me mostraram: a coleção do “Jornal da Hora”, uma publicação mensal de quatro páginas, que as próprias crianças escrevem desde abril do ano passado.
Mas a história deste jornal infantil é muito mais antiga, tem mais de 70 anos. Começou quando o grande Mário de Andrade, primeiro secretário municipal de Cultura de São Paulo, criou a primeira biblioteca infantil do país, a Monteiro Lobato, na Vila Buarque, região central da cidade.
“A biblioteca tem que ter um jornalzinho”, anunciou Mário de Andrade, e assim surgiu a “Voz da Infância”, cuja publicação só seria interrompida já nos anos 90 do século passado. Um dos primeiros colaboradores do jornal, quando ele tinha 11 anos, foi o consagrado compositor e cientista Paulo Vanzolini.
Em 2006, quando a Biblioteca Municipal Infantil Monteiro Lobato comemorou 70 anos, a socióloga Vera Alves, responsável pela área de ação cultural, juntou algumas crianças para produzir uma edição especial da “Voz da Infância”.
A turma gostou tanto da experiência que continuou fazendo o jornal todo mês, e editou 15 números, até julho de 2007, quando ele fechou de vez por falta de recursos.
Na mesma época, Vera, que era funcionária municipal concursada, aposentou-se e criou a ONG Instituto Brasil Arterial _ Comunicação e Artes, que hoje trabalha com 1.200 alunos, junto a quatro escolas da Prefeitura.
Uma das principais atividades da entidade é justamente o “Jornal da Hora” que veio fazer uma entrevista comigo. Com circulação de dois mil exemplares, distribuídos na biblioteca, nas escolas e outras instituições, o jornal é todo feito por 18 crianças, entre 7 e 15 anos.
No primeiro número, o aluno Gabriel Rodrigues, de 11 anos, definiu o espírito do jornal:
“Fazer o jornal é expor minhas opiniões, então não faço jornal por obrigação, mas para expor minhas idéias. O que eu mais gosto é escrever textos”.
É mais ou menos o que acontece comigo aqui no Balaio e eu procurei explicar aos pequenos jornalistas nas 15 bem formuladas perguntas que me fizeram, como se fosse um jogral de entrevistadores, cada um fazendo a sua marcada no roteiro que prepararam com a ajuda das coordenadoras Vera Alves e Valéria Silva.
Beatris Duraes, de 11 anos, que sentou a meu lado com o gravador, já estava impaciente para começar a fazer as perguntas. Mas antes de falar ainda fiquei sabendo que a sobrevivência do jornal está garantida pelo menos até julho. O “Jornal da Hora” ganhou no final do ano passado os R$ 18 mil do Premio Ludicidade- Pontinho de Cultura, promovido pelo Ministério da Cultura.
Foi a mais gratificante das entrevistas que concedi este ano a estudantes. Ao contrário dos universitários, que só costumam ler as perguntas e ficam olhando para o gravador, estas crianças prestavam uma atenção danada ao que eu falava _ retrucavam, reagiam, perguntavam de novo, como costumavam fazer os bons repórteres de antigamente.
Na volta ao computador, vou olhar novamente os comentários, vício de todo blogueiro, imagino, e encontro a boa notícia de que o nosso leitor Brasil de Abreu, um policial militar aposentado, freguês aqui do Balaio, conseguiu fazer a cirurgia de que necessitava e está passando bem.
Às 11h51, ele enviou um comentário agradecendo à leitora Norma, que lhe indicou a Faculdade de Medicina de Santo André, onde ele conseguiu finalmente ser atendido, depois de passar um tempão tentando, em vão, fazer o tratamento no Hospital da Polícia Militar.
Depois de agradecer a solidariedade que recebeu de outros leitores, ele escreveu ao final do seu comentário:
“A todos meus amigos anuncio a volta ao Balaio”.
Desta forma, hoje ganhei o dia, só lidando com coisa boa. Os leitores que me perdoem, mas quem espera ler sobre coisa ruim ou baixarias neste Balaio ainda vai ter que esperar mais um pouco.
Sei que estas histórias de superação, de gente que faz acontecer, de pessoas decentes que ficam doentes com a desonestidade, de jovens animados como os do “Jornal da Hora” rendem menos audiência e comentários do que futricas e escatologias, mas me sinto mais feliz assim.
Estou muito velho para mudar minha forma de ser jornalista.
Em tempo: se alguém duvidar do que estou falando é só dar uma olhada na felicidade na foto aí abaixo em que aparecem as crianças do “Jornal da Hora” e suas coordenadoras (Vera, a mãe do projeto, está à direita).
Para entrar em contato com esta turma:
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