Saul Galvão: um dia você acorda sem um grande amigo

Caros leitores,

pois é, quem diria, hoje, 11 de setembro, sexta-feira, o Balaio está completando um ano no ar. E eu continuo em trânsito. Por isso, não fiz ainda a atualização do blog e só agora, numa simpática lan house do aeroporto, vou cuidar da liberação de comentários.

Estou em Brasília desde ontem para participar de uma reunião do Comitê Interinstitucional de Supervisão das Atividades do Grupo de Trabalho do Araguaia, no Ministério da Defesa. Trata-se de um serviço público não remunerado, já vou logo esclarecendo.

Embarco daqui a pouco de volta para São Paulo, onde, logo mais à noite, teremos o encontro dos amigos do Balaio organizado pelos próprios leitores.

Planejei preparar um texto especial para comemorar a data, mas ainda não arrumei tempo. Tentarei fazer isto mais tarde.

Forte abraço em cada um e muito obrigado a todos pela participação de vocês aqui neste Balaio.

Até a noite.

Ricardo Kotscho

***

É muito estranha e dolorosa a sensação de acordar um dia sem um grande amigo. Fui dormir na terça-feira já sabendo que ele estava mal e não tinha volta. E fui despertado hoje com a notícia de que ele se foi. Ainda não me acostumei com a idéia.

Convivi com o Saul Galvão tantos anos que imaginava nossa amizade para sempre. Começamos juntos no Estadão em meados do século passado, trabalhando como repórteres de geral, o nome dado aos profissionais, em geral muito jovens, que eram pau para toda obra numa redação.

Fora torcer para o mesmo time, éramos diferentes em tudo, desde a origem familiar – ele, um legítimo quatrocentão e, eu, um filho de imigrantes – até a maneira de encarar a profissão e a vida. Saul sempre foi meio angustiado, um eterno insatisfeito com o destino, mas até nisso era engraçado. Pluto era seu apelido.

Um pouco mais velho do que eu, demorou para se casar pela primeira vez e nunca teve filhos. Demorou também para se encontrar na carreira, até descobrir seu nicho de mercado em que se tornou um craque: escrever sobre comes e bebes, suas grandes paixões.

Desde o final dos anos 70, primeiro no Jornal da Tarde e depois no Estadão, virou uma referência no mercado de vinhos, bares e restaurantes. Autor de vários livros sobre o assunto, era capaz de conversar com os vinhos e falar do temperamento deles como se fossem gente. Juntou o útil ao agradável, a fome com a vontade de comer.

Dois domingos atrás, nos vimos pela última vez no almoço na casa de nosso amigo comum e contemporâneo de Estadão, Raul Bastos – mais que um amigo, seu irmão de toda vida. Debilitado pela quimioterapia a que era submetido para tratar de um câncer no pulmão, já tinha dificuldades para andar e falar.

Ao lado de outros velhos amigos, Reali Júnior, Quartim de Moraes e Ludembergue Góes, além da sua irmã Sila Maria e das nossas mulheres, assistimos juntos à derrota do São Paulo contra o Atlético Paranaense, depois de traçar um belo cozido português e tomar alguns vinhos por ele aprovados.

Fico com esta lembrança dele, já meio conformado por não poder brigar mais comigo, discordar das bobagens que falava para provocá-lo. Pela primeira vez, não discutimos política, que sempre nos colocou em campos opostos, nem ele me aporrinhou para parar de fumar, mau hábito que largara faz 25 anos.

Saul só teve um único emprego, no Grupo Estado, e eu rodei por muitas redações, mas nunca deixamos de pertencer à mesma turma, que se reunia religiosamente havia mais de 40 anos, pelo menos uma vez por mês e sempre dias antes do Natal.

Ele era o nosso Papai Noel na hora de distribuir os presentes do amigo secreto. Fazia-o cumprindo sempre o mesmo ritual, repetindo as mesmas brincadeiras, mangando dos amigos. Este ano, o nosso Natal não vai mais ser o mesmo. Vai em paz, velho amigo Pluto.


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