Se jornais fecharem, web fica sem notícia?

De tudo que se falou hoje de manhã nas três horas do debate sobre o tema “Mitos e Verdades sobre o Brasil de hoje – A visão da mídia” -, organizado pela Mega Brasil, com a participação dos diretores editoriais dos jornais Folha (Otavio Frias Filho), Estadão (Ricardo Gandour) e Correio Braziliense (Josemar Gimenez), o mais importate ficou para o final:

“Se os jornais impressos fechassem amanhã, os sites e blogs da web ficariam sem notícias para comentar”.

Foi a ameaça bem humorada deixada no ar por Gandour, que chamou a atenção para o fato de os portais eletrônicos brasileiros serem os únicos no mundo a priorizar o jornalismo em suas primeiras páginas (ou “homes”, para ser mais moderno e preciso).

O diretor do Estadão tocou num ponto vital do impasse vivido pela velha mídia ao apontar um paradoxo: ao mesmo tempo em que ameaçam a sobrevivência do papel, roubando sua freguesia, os portais de internet (a maioria pertencente aos mesmos grupos econômicos) não vivem sem a matéria prima noticiosa e o dinheiro fornecidos pelas antigas redações.

Como desatar este nó? Existe prazo para isso? Vai acabar o papel do jornal impresso no jornalismo do futuro?

Não é o nosso caso aqui, como bem sabem os leitores do Balaio (entre outros motivos porque ainda não aprendi a fazer esta operação de transplantar notícias), já que busco sempre entrevistas exclusivas (ver, por exemplo, o post sobre o juiz Odilon de Oliveira logo aqui abaixo), furos e histórias de personagens e lugares que não estão na mídia.

Gandour exagerou um pouco porque alguns portais, como o iG, já contam com sua própria equipe de jornalistas para produzir o noticiário das diferentes editorias e com colunistas exclusivos, mas a verdade é que muitos sites e blogs ainda se limitam mesmo a copiar, colar, deitar regras e panfletar sobre a matéria prima alheia ou então se dedicam ao plantio de abobrinhas e crises existenciais.

Como conciliar a clássica imprensa de papel, que ainda sustenta as grandes empresas jornalísticas, com o crescimento do mercado leitor dos novos produtos digitais, que ainda não vem acompanhado do respectivo aumento da receita? Este foi o grande desafio colocado no centro das discussões no quase lotado auditório do Jockey Clube, no centro da cidade.

Cada um dos diretores convidados escolheu roteiros e temas diferentes para fazer sua palestra, mas na hora dos debates os três repetiram basicamente as mesmas preocupações que assolam seus veículos: a necessidade de buscar um diferencial – não só em relação aos concorrentes, mas também às outras mídias, especialmente as eletrônicas.

“O leitor precisa ter nosso jornal como um gênero de primeira necessidade, precisa sentir que não pode viver sem ele”, costumava nos dizer Octavio Frias de Oliveira, o publisher da Folha e fundador do pioneiro portal eletrônico UOL, falecido no ano passado.

A grande ameaça ao jornal de papel hoje é, justamente, tornar-se um produto supérfluo, irrelevante, artigo de luxo oferecido no café da manhã para um público saciado na véspera pela internet e pela televisão, insistindo em oferecer manchetes e notícias que todo mundo já está careca de saber.

Os três diretores bateram na mesma tecla: ainda não se inventou nada melhor do que o furo, matérias com textos que vão mais fundo na história para explicar o que está acontendo, colunas e reportagens exclusivas, tudo para oferecer um diferencial que os concorrentes não têm.

Estamos todos de acordo com isso, mas, no final, ficou a velha pergunta: por que, então, os jornais não fazem isso e continuam tão parecidos uns com os outros, sem agregar valor e novidades ao noticiário online, full-time, digital?

Primeiro a falar, Josemar Gimenez, que acumula a direção do Correio Brasiliense com a do Estado de Minas, centrou sua fala nas difíceis relações da imprensa com o poder em Brasília e em três crises existenciais simultâneas: acertar a convivência com a internet, que exige novos investimentos, exatamente num quadro de crise econômica.

Josemar mostrou-se preocupado com o negativismo da mídia diante da crise. “A vida é feita de luzes e sombras. Vamos denunciar, noticiar os problemas, mas também é preciso mostrar o lado bom da vida. Precisamos tomar cuidado e ter responsabilidade para não sair batendo em tudo e em todos, e não agravar os sintomas e a velocidade da crise, até para não afugentar nossos próprios anunciantes, especialmente, os setores imobiliário e de automóveis”.

Sem gravata nem ânimo para polemizar, Frias Filho, em sua palestra, preferiu fazer uma análise histórica e sociológica da vida brasileira nos últimos 100 anos, destacando os processos de industrialização ao longo do século 20, a democratização do país e a estabilidade econômica nos anos mais recentes.

Citando números do PIB e da expectativa de vida, o diretor da Folha apresentou, ao contrário do que o jornal costuma destacar, um quadro bastante positivo da evolução do país nos campos econômico, político e social até desaguar no período “social-democrata” dos governos FHC e Lula, para ele “uma coisa só”.

“Coloco esta social-democracia entre aspas porque ela é liberal na macroeconomia e estabelece uma transferência de renda do Estado para os setores excluídos, e não do capital para o trabalho, como aconteceu na Europa”.

Em tom de aula sobre a nossa história recente, Otavio buscou em “Raízes do Brasil”, a obra prima de Sergio Buarque de Holanda, argumentos para mostrar como a chamada revolução burguesa aqui se dá em câmara lenta, sem maior violência política, ao contrário das rupturas provocadas nos Estados Unidos, Japão e boa parte dos países europeus.

“No Brasil, o privado, as relações de amizade, parentesco e compadrio prevalecem sobre o que é público, o emocional sobre o racional”, concluiu, sem nenhuma vez pronunciar as palavras mídia, imprensa, jornalistas e Folha.

Ricardo Gandour, do Estadão, montou, segundo ele mesmo, uma espécie de infográfico baseado sobre três afirmações:

* temos uma democracia consolidada, ainda que jovem;

*o país tem uma imprensa de qualidade;

* somos do primeiro time em novas tecnologias, inclusive na área de comunicação;

Apesar de muitos mas, poréns e no entantos, Gandour destacou que a imprensa teve um papel importante na redemocratização do país, com o pleno funcionamento das instituições e um sistema eleitoral moderno. Ao mesmo tempo, segundo ele, o país assumiu um papel importante no cenário econômico mundial.

O diretor do Estadão criticou a assimetria dos três poderes – um Executivo que passou por processo de modernização, um Legislativo enfraquecido e um Judiciário questionado, com a imagem afetada negativamente – mas também acabou fazendo uma abordagem positiva do país.

Ficou a impressão, ao ouvir os três falando, de que o país não é tão pobre, violento, injusto, safado, atrasado e corrupto, e tudo de ruim que se possa imaginar, como diariamente se informa aos leitores dos seus veículos.

Para eles, a imprensa de papel não vai morrer, e o Brasil e o mundo não vão acabar – pelo menos, tão cedo.


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