Sebá, fotógrafo no limite

Com a bicicleta alugada a dez dólares ao dia, eu rumo para a praia. Estou no norte da ilha havaiana de Oahu, à procura do fotógrafo brasileiro de surfe, Sebastian Rojas. Não é fácil encontrar alguém durante o campeonato anual Pipeline Masters, o mais importante evento desse esporte.

Encosto a bike num arbusto e sigo para a praia, onde um mar de jovens acompanha o que acontece na água. Cada manobra é narrada pelo locutor, levantando a galera.
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Cadê o Sebastian? Vou andando e olhando na direção dos fotógrafos profissionais instalados na areia. Eles usam teleobjetivas que parecem bazucas. Passo pelo estande dos juízes e entro na área reservada a jornalistas e fotógrafos. Não encontro o Sebastian. Decido perguntar para um fotógrafo das antigas, Chubby (Gordinho), que me responde como se eu perguntasse o óbvio: “Ora, ele está dentro da água”. Será que vai demorar a sair? “Faz tempo que ele está lá, deve estar cansado e com fome…”

Eu já vinha imaginando. Sebastian Rojas, 49 anos, paulistano, pai de três filhos, casado há mais de duas décadas com Viviane, colaborador da revista Fluir há 25 anos, é especialista em trabalhar dentro do mar. Em especial, no Havaí. Poucos têm essa ousadia.

O editor de fotografia da Fluir, Luciano Ferrero, conta o que significa a proeza de trabalhar na água, em meio a ondas gigantes: “Ficar no mar horas seguidas, na zona de impacto junto aos surfistas, tomando ondas na cabeça, muitas vezes em rasas bancadas de corais, acompanhando as correntes para manter um bom posicionamento e, ainda por cima, ter de fotografar… Isso é para raros profissionais; e Sebastian é o mestre deles”.

Trabalhar assim exige nadar muito bem, correr o risco de ser atropelado por uma prancha desgarrada e, ainda, transportar uma caixa de acrílico à prova d’água, onde está instalada a câmera. Enfim, é preciso muita técnica, muito preparo físico e muita coragem. Nem o grave acidente que sofreu no desempenho do ofício tirou de Sebastian – ou Sebá, como os amigos o chamam – a imensa alegria de fotografar.

Viro para o mar e vejo apenas duas cabeças próximas ao ponto de arrebentação das ondas. Cabeça branca… é o cara, ele está lá!

Brasileiros – Eu vi você dentro da água, você e mais um. O que é preciso para estar lá? Há um regulamento?
Sebastian Rojas –
Existem regras. Os fotógrafos não gostam muito, mas a Associação de Surf Profissional permite dois fotógrafos em Backdoor e dois em Pipeline, que são os dois picos onde as ondas quebram e rola o campeonato. Existe certa flexibilidade, às vezes são três ou quatro fotógrafos de cada lado. Há permissão, desde que não estejam muito próximos dos competidores. Em Backdoor tem um canal para você ficar a meia distância. A gente sempre entra na água com uma meia teleobjetiva de 70 mm a 200 mm (uma poderosa lente zoom) para não ficar muito próximo do surfista. Neste dia, fiz a quinta e a sexta baterias e acabei dando continuidade, porque não pediram para que os fotógrafos saíssem. A gente estava bem posicionado no canal de Backdoor, não estava atrapalhando. Éramos eu, o cinegrafista Larry Haines e mais dois fotógrafos, que foram saindo. Ficamos apenas eu e o Haines, que filma as etapas dentro d’água, sempre. Dei sorte de continuar por várias baterias. Pude registrar uma das melhores horas do mar. A bateria mais importante era a do Joel Parkinson, a décima quinta. Então, fui prolongando minha saída, mesmo cansado. Eu queria uma foto do provável campeão mundial entubando Backdoor. Aí, o Parkinson entrou e não foi muito bem, não conseguiu ganhar a bateria dele, o que daria o título mundial ao Mick Fanning. Os dois, que são australianos, estavam na água no mesmo momento. Tive a grande chance, a grande oportunidade de clicá-los se abraçando, comemorando o título no mar. Acho que o Parco (Joel Parkinson) estava feliz pelo Mick, que é um grande amigo dele. Senti no Mick uma coisa assim até triste, porque talvez ele quisesse que o Parco fosse campeão. Jornalisticamente falando, foi interessante porque a cobertura fica mais rica, mais completa, ao mostrar esse lado humano.

Brasileiros – Havia outro fotógrafo brasileiro registrando a final do campeonato?
S.R. –
Dentro d’água não. Aliás, são poucos os brasileiros que fotografam dentro da água. Dou sempre prioridade pra estar no mar. Fazendo fotos a partir da areia, você concorre com muitos fotógrafos. Cada um posiciona a câmera em um ponto diferente da praia, e nem sempre o ângulo que você escolhe é o melhor. E, como eu tenho facilidade no Havaí, continuo na água o máximo que eu posso, mesmo tomando onda na cabeça, não me importo.

Brasileiros – Ficar tantas horas na água não cansa demais?
S.R. –
Nesse dia o mar estava tão clean, né? Clean é a palavra que a gente usa quando as condições estão perfeitas, com pouco vento, as ondas quebrando no mesmo lugar. Nas primeiras duas horas, quase não tomei onda na cabeça. Também por isso fiquei por ali. Porque quatro horas de sessão de fotografia dentro d’água nadando o tempo todo, você não consegue aguentar. Só muito bem preparado. Tanto tempo na água acaba desidratando. Uma hora dá sede, principalmente. Depois, vem o cansaço.

Brasileiros – Quanto pesa o equipamento que você usa?
S.R. –
Em torno de 5 kg. Talvez até um pouquinho mais. Levo a caixa estanque que protege a câmera, que é uma Canon EOSD Mark 3 e mais uma lente 70, 200 mm, pra fotos a meia distância.

Brasileiros – E como você carrega esse peso?
S.R. –
A caixa estanque não é o problema. Ela boia. O problema são as pernas, que a gente precisa movimentar usando as nadadeiras para ficar na superfície. Na hora que você tira a foto, não pode balançar os braços e, além disso, precisa estar o mais alto possível em relação ao nível do mar, para que a marola não fique na sua frente. Manter a potência pra nadar é fundamental. Você pode ser levado por uma onda e não ter força nas pernas pra sair dela.

Brasileiros – Você faz algum treinamento especial?
S.R. –
Sinceramente, cara, meu treinamento foram esses anos todos de experiência. No Havaí, eu já tenho a manha das coisas. Não me abalo muito psicologicamente. Mesmo não estando com uma condição física top, eu entro na água porque me sinto bem, gosto da adrenalina de estar junto às ondas tubulares, meio perigosas, ondas realmente fortes. Não é pra qualquer um, mas eu me sinto à vontade.

Brasileiros – Parece que você é um dos únicos que entra em Backdoor com ondas de 10 pés. Como é isso?
S.R. –
Dez pés, sim, que são 3,5 m. Ah, entro quando as condições estão favoráveis. Não vou arriscar a vida por uma foto que não vai pagar nem a metade da metade do prejuízo, né? (risos). A bancada de corais é rasa, a onda tem correnteza, é potente, quebra num lugar perigoso. Você tem de nadar com velocidade e explosão pra sair, rapidamente, da zona de impacto.

Brasileiros – Não dá medo?
S.R. –
O medo existe. Você fica apreensivo. Olha, 10 pés de ondas, 3 a 4 m no Backdoor não é pra qualquer um. Você vê as ondas ainda da praia e não tem ideia exata de como está lá dentro, se terá facilidade ou se vai só tomar onda na cabeça e perder a sessão inteira. Aí, vem o lado profissional. Eu não vou entrar porque eu sou o Sebastian, porque ganhei experiência, porra nenhuma. Vou porque tenho de produzir.

Brasileiros – Quais são as técnicas para fotografar dentro do mar?
S.R. –
São duas, basicamente. Depende da lente que você escolhe. Com a meia teleobjetiva, você fica a meia distância do surfista. Já com a lente grande angular, ou olho de peixe, você se posiciona a 1 m ou 2 m do cara. Quando as ondas estão pesadas, fico a meia distância, com a meia tele. Não gosto de arriscar a cabeça, o equipamento. É preciso trabalhar dentro do meu limite. Se a correnteza não é tão forte, vou de olho de peixe. É o grande êxtase da fotografia de surfe, pois com as lentes grande angulares você consegue ângulos incríveis!

Brasileiros – Como é o seu estilo de vida como fotógrafo de surfe?
S.R. –
Olha, é pra lá de agradável, só posso te falar isso (risos). Você ter sempre no seu horizonte próximo uma viagem pra Indonésia, outra pro Havaí, uma terceira pro Taiti… Essa é a minha vida há muitos anos. São lugares maravilhosos, e você sempre descobre uma coisa nova. O meu trabalho é sempre um prazer, porque é o prazer da aventura e é nisso que eu me amarro.

Brasileiros – Quantas temporadas você já cobriu aqui no Havaí?
S.R. –
Rapaz, comecei em 1987. Já teve invernos que eu vim duas vezes.

Brasileiros – Houve alguma temporada em especial?
S.R. –
Caramba, foram tantas… Há uns cinco anos, na ilha de Maui, peguei 60 pés (cerca de 21 m) de ondas, das maiores que já fotografei.

Brasileiros – E como fotografou?
S.R. –
Em cima de um jet ski, o tempo inteiro, sentado atrás do piloto. Foi intensa a sessão, impressionante. Tinha um monte de surfistas fazendo town in (usando um jet ski para colocá-lo dentro da onda). Fotografei o Dan Moore, que ganhou o título mundial da maior onda. Foi perfeito. Um dia lindo de céu azul, vento terral, as ondas imensas. Nesta temporada que estamos vivendo, rolou o campeonato em condições perfeitas, também tudo clean, o vento correto, o céu azul, as ondas gigantes e azuis. Foi uma das minhas melhores sessões. Rendeu um trabalho impressionante.

Brasileiros – Antes de se tornar fotógrafo, você era surfista?
S.R. –
Sempre fui. Comecei com…, sei lá, 12, 14 anos, quando comprei a primeira prancha. Sempre fui apaixonado pelo surfe, pela aventura e sempre gostei muito de arte e fotografia. Comecei pintando uns quadros, desenhando, fui à escola pra aprender tudo isso e acabei me direcionando para a fotografia. Embora desenhasse bem, não sabia trabalhar as cores na tela, com o pincel. A fotografia supriu a necessidade de expressão.

Brasileiros – Alguém te inspirou ou você começou do zero?
S.R. –
Tive algumas inspirações. As coisas começaram pelo interesse pela fotografia em si, não tanto pela foto de surfe. Fui viajar e tinha, sei lá, 18 anos quando comprei a primeira camerazinha, uma Zenith, no Principado de Andorra. De volta ao Brasil, comecei a fotografar o que eu via pela frente. Com 22 ou 23 anos, montei uma loja de fotografia no Guarujá. Isso que deu o grande impulso. A fotografia de surfe veio depois. Comprei uma câmera à prova d’água, para mergulho, a Nykonos 3. Funcionava bem também na superfície. Não tinha motordrive (aparelho que permite que se faça várias fotos seguidas, disparando como uma espécie de metralhadora). Um dia, um fotógrafo de São Paulo, o Bruno Alves, me descobriu fotografando na Praia do Tombo, no Guarujá, e me chamou para a revista Fluir, recém-lançada. Eles precisavam de fotógrafos que morassem no litoral. O Bruno me levou à redação e me deram três ou quatro rolos de filme, de slide. Fiquei empolgado e fotografei uns amigos do Guarujá.

Brasileiros – A Fluir publicou?
S.R. –
Sim, umas duas ou três fotos. Depois, comecei a ir pro Litoral Norte. A Praia de Paúba foi minha grande escola, disparado. É um lugar que tem muito tubo. Ali, aprendi a fotografar mares tubulares, ondas pesadas, ondas-buraco, que quebram perto da areia.

Brasileiros – Foi o começo da escola para chegar ao Havaí?
S.R. –
Bem, em termos. No Havaí, o fundo é de coral e totalmente diferente do Brasil. A potência do Ocea-no Pacífico é maior, o movimento de água é mais forte.

Brasileiros – De lá para cá, o que mudou na fotografia de surfe?
S.R. –
Houve duas mudanças drásticas. A primeira foi passar do foco manual pro autofocus, ou seja, o foco automático. Antes, você tinha de vir acompanhando o surfista, procurando o tempo todo o foco exato, com a mão na lente, até o final da onda. Quando saiu o autofocus, os fotógrafos que dominavam essa técnica, penso eu, até entraram em depressão, deitaram na cama e choraram. Depois disso, ficou mais fácil e todo o mundo passou a querer fotografar. Eu, sinceramente, cara, não era muito bom em fazer foco da areia, apesar de nunca ter precisado usar óculos, nem nada. Tinha dia que não achava o foco, cara. Acho que eu vinha pra praia e deixava o foco em casa (risos).

Brasileiros – A segunda mudança drástica foi a passagem para o sistema digital.
S.R. –
Sim. No final, virou uma mudança tão radical quanto a do autofocus. Mas, no começo, houve uma barreira muito grande. A resolução (qualidade técnica) das fotografias digitais era baixa. Quase nenhum fotógrafo profissional aderiu. Demorei uns dois ou três anos para ter a minha digital. A Fluir comprou uma, usei um tempo, mas era lenta e com a resolução realmente baixa. Então, eu continuava fotografando paralelamente com filme. Aliás, enquanto eu tive condições de usar filmes, priorizei.

Brasileiros – Em termos de mercado, o que significou essa mudança para o digital?
S.R. –
De repente, não era mais preciso comprar filmes, revelar e nem gastar dinheiro com foto ruim. Bastava deletar. A concorrência aumentou tremendamente. Ao mesmo tempo, os anunciantes e os clientes passaram a pedir descontos pelo fato de o digital baratear o custo para quem fotografa.

Brasileiros – O preço das fotos caiu?
S.R. –
Sim, um pouco. Sabe como é que é… Entraram no ramo os fotógrafos amadores, que não sabiam negociar e nem tinham equipamentos suficientemente bons pra pedir grandes valores por uma foto. Então, vendia-se por permutas, por valores pequenos, por pura sobrevivência, pra recuperar investimentos, sabe essas coisas?

Brasileiros – Há campos da fotografia profissional que pagam mais que nas fotos de surfe. Você tem algum arrependimento?
S.R. –
Sinceramente cara, se eu for comparar realização financeira, realização pessoal e realização profissional, eu diria que estou aqui até hoje muito mais por realização pessoal. Se eu quisesse ficar rico, poderia estar na capital de São Paulo, trabalhando com estúdio, com moda, com revista de mulher disso ou daquilo. Mas faço o que gosto. Tenho liberdade de produzir e de não ter nada muito agendado. Assim, posso viajar quando quiser.

Brasileiros – Conte a história do barco que pegou fogo, com você dentro. O que rolou?
S.R. –
Bom, estávamos na Indonésia, zarpando da ilha Nusa Lembongan para uma boat trip, que é uma viagem de barco em busca de ondas nas ilhas, por uns oito, nove dias. Éramos eu, o Zé Paulo, da Billabong (fabricante de roupas e equipamentos para surfe), o Magoo De La Rosa e a equipe de moleques da BilIabong: um garoto de 15, um de 16, outro de 14, tinha ainda um de 12…

Brasileiros – Quantos garotos estavam com vocês?
S.R. –
Oito. Éramos 11 no total. O barco era grande. Não tinha cabines; eram beliches. Um barcão de madeira de uns 60 pés (18,2 m), quatro motores de popa… motores de 220 cavalos. Partimos no final de tarde… Depois do jantar, todo mundo relaxando e, de repente, apagaram-se as luzes. Depois, acendeu uma luz de emergência. O capitão tentou fazer a motorização funcionar. Não deu. Aí, o capitão tentou a ignição, não pegava, daqui a pouco deu um estalo muito grande e a tripulação de indonésios foi ver o que estava acontecendo. Havia fogo na parte elétrica, na alimentação de combustível. Nós estávamos começando uma viagem de oito dias com quatro motores de popa, então você imagina quanto de gasolina não tinha a bordo! Fogo de gasolina você não apaga em barco, isso não existe. Virei pra molecada e falei: “Vamos pular na água que o barco vai explodir”. Deixei todas as coisas no barco, não tinha jeito, íamos perder tudo. Na hora da correria, salvei uma maleta à prova d’água com alguns equipamentos: três lentes, uma câmera e só. Perdi uma tele de 600 mm, perdi meu computador…

Brasileiros – O barco começou logo a pegar fogo?
S.R. –
Não. O fogo começou na popa. Ainda tiramos as pranchas das capas e dos cadeados, antes de pular na água. Coloquei a maleta em cima de uma prancha e fui remando com outra. No meio do caminho, olhei pra trás e o barco já estava pegando fogo. Falei pra mim mesmo: “Vou fotografar!”. Abri a maleta, sentei na prancha e, mesmo com as mãos molhadas, peguei a máquina e regulei pelo que presumi. Isso tremendo, quase chorando. Fiz uma sequência de fotografias. Cara, você olhava pra trás e ficava deprimido. Por sorte, havia uma luz numa ilha e seguimos remando em direção a ela. Nisso, vejo três indonésios da tripulação numa prancha só e o surfista da equipe, que tinha cedido a prancha pros três. Quando cheguei, o surfista, nadando e já cansado, pediu: “Save my life, give me your board!”. Eu dei a prancha onde estava a maleta, obviamente! Nesse momento, aconteceu aquela explosão, com uma labareda muito alta. O barco afundou queimando e os pescadores da ilha viram tudo. Conseguimos chegar em terra, todo mundo deprimido. Já de noite, voltamos navegando pra Nusa Lembongan. Dormimos no hotelzinho do dono do barco naufragado. Uma família supersimples. Eles tinham acabado de investir em dois motores novos e também perderam tudo…

Brasileiros – Já que estamos falando de momentos perigosos, alguma onda te pôs debaixo d’água para rezar?
S.R. –
Já, várias vezes. Principalmente em Pipeline. Senti um medo danado de ser esmagado contra a bancada de corais, devido a pouca profundidade onde a onda quebra. Em Tiopo, no Taiti, também. É perigosíssimo aquele lugar.

Brasileiros – Já aconteceu de ser jogado contra os recifes de corais?
S.R. –
Foi no Backdoor. Um outro acidente. Eu já estava fotografando havia algumas horas. Quando estava saindo da água, resolvi não ir para a areia em linha reta. Fui saindo do Backdoor em direção ao pico Of The Wall, na paralela. O mar estava começando a subir. Entrou uma série de ondas maiores e resolvi ir pro fundo pra deixar essas ondas passarem e só então sair. Quando fui pra cima da onda, percebi que ela ia me pegar e quebrar num lugar muito raso, me prensar contra a bancada. Pensei: vai me arrebentar todo. Aí, agi de forma, talvez, errada. Dei impulso pra subir para a superfície, quando a onda me pegou e jogou de volta contra a bancada. Bati cabeça, ombro, orelha. Com a pancada, apaguei embaixo d’água.

SEBÁ SEGUNDO QUEM CONHECE DO ASSUNTO
“Claro que o talento do Sebá é o que mais impressiona. Eu o incluo entre os dez maiores fotógrafos de surfe do mundo e ele continua evoluindo. Fico muito impressionado, também, com o amor que ele demonstra pela fotografia. Lá se vão mais de 20 e tantos anos de carreira, e ele ainda sente a mesma emoção do menininho de 15 anos que consegue a primeira namorada. Quando sai para viajar, tem a animação de quem está entrando em férias e não indo trabalhar. É um cara à vontade, que topa qualquer coisa e não tem frescura.”
Tony Fleury, 43 anos, fotografa surfe profissionalmente há 20 anos. Desde 1992, vai ao Havaí. Hoje, trabalha para a revistaHardcore,a principal concorrente da Fluir.”O sonho de muitos surfistas é se tornar fotógrafo de surfe. Com as câmeras digitais, esse sonho se tornou mais acessível e a quantidade de pessoas que clicam surfe é muito maior, se comparada há dez anos. Ainda assim, poucos talentos se aventuram a fotografar de dentro d’água. Medo é um dos fatores. Preguiça, também. Há quem considere que a
relação custo x benefício é melhor para quem clica na beira da praia, na sombra de um guarda-sol, vendo as gatinhas na areia. O conhecimento e a experiência do Sebastian diminuem os riscos. Seu entusiasmo pelo desafio é um exemplo para quem quer se tornar fotógrafo de surfe.” Luciano Ferrero, 49 anos, trabalha na revistaFluir, desde 1988, e é o editor de fotografia há mais de 15 anos. Coordena o recebimento de imagens de colaboradores do mundo inteiro. Escolheu a foto de capa acima. Tirada por Sebá, claro.
“Seu trabalho é admirável. Ele sabe fotografar dentro e fora d’água. Tem um apuro estético tremendo. Acho que há fotógrafos que fotografam apenas para o gosto dos surfistas. Sebá fotografa para surfistas, fotógrafos e para todos que gostam de fotografia em geral. Não é preciso entender de surfe para curtir suas imagens. Elas podem entrar numa exposição coletiva de grandes fotógrafos, numa boa.” Valdemir Cunha, 43 anos, é fotógrafo há duas décadas. Conviveu com Sebastian nas editoras Azul e Peixes. É autor de sete livros de fotografia, incluindoPantanal, o Último Éden.”Um ícone da fotografia esportiva nacional, um dos melhores fotógrafos de surfe no país e o melhor fotografo aquático brasileiro no Havaí.” Levy Paiva, 49 anos, fotógrafo de surfe há mais de 25 anos. “O Sebastian foi a primeira pessoa que deu uma força na minha carreira como jornalista de surfe. Quando eu tinha por volta de 17 anos, ele levou um texto meu sobre um campeonato, escrito à mão, para o editor da revista Fluir analisar. A partir daí, fui convidada para fazer uma reportagem e tudo começou. Graças ao Sebá, vi que realmente tinha chance de trabalhar com o que sempre sonhei e foi um empurrão muito importante, que nunca esquecerei.” Nancy Geringer, 30 anos, assessora de comunicação da Hang Loose Brasil, fotografa surfe há 12 anos. Nascida em São Paulo, fez trabalhos na Indonésia, Austrália, Costa Rica e Havaí.
EM CASA1. Numa sessão familiar, clicando o competidor brasileiro Neco Padaratz e o filho. 2. E com sua companheira de 5kg

Brasileiros – Um choque violento…
S.R. –
Foi uma pancada muito violenta e apaguei na hora. Alguns segundos depois eu acordei, ainda debaixo da água. A única coisa que você pensa é: “Nossa, preciso sair, preciso tomar um ar”. Consegui sair do caldo, tomei um ar e já veio a segunda onda, que também me pegou, mas, graças a Deus, não me jogou contra a bancada. Fui rolando na espuma e saindo da água com muita dor, meio zonzo, não estava entendendo exatamente o que tinha acontecido. O pessoal me socorreu e logo viu que o corte na cabeça tinha sido muito grande. O formato era um “Y” com mais uma perninha. O médico falou: “É melhor grampear do que ficar dando um monte de pontos”. Falei: “Grampeia!”. Foram dez grampos, o que equivale, sei lá, a vinte pontos. Só fui tirar os grampos no Brasil. Tiraram fotos minhas sendo atendido com aquela coisa no pescoço, o outro fotógrafo gringo tirou foto minha caminhando pela areia com a cabeça cheia de sangue, com o rosto cheio de sangue. Essas fotografias saíram em revistas, como a Surfing and Surf. E eu ainda estava usando uma roupa de lycra branca. A coisa me marcou.

Brasileiros – Essas bancadas de corais…
S.R. –
Ah, aqui são todas ilhas vulcânicas. Os vulcões espalharam suas lavas há milhões de anos e, sobre elas, cresceram os corais.

Brasileiros – A onda vem, bate numa bancada e se forma, alguma coisa assim?
S.R. –
As ondas se formam, ficam mais tubulares e chegam ao North Shore com potência, porque navegam em mares muito profundos, sem que sejam diminuídas por uma plataforma marinha. No Brasil, o fundo se torna raso gradualmente, ao longo de milhas e milhas. Por isso, as ondas no Oceano Atlântico vão perdendo a força quando chegam à praia. Já no Havaí, o fundo fica raso de modo abrupto. A bancada de coral de Pipeline é perfeita e tem um canal, ou seja, ela é rasa em um determinado lugar e depois fica profunda em outro. A onda vem perfeita, quebra onde está raso e forma o canal onde está fundo.

Brasileiros – E tubarão? Você tem experiência com tubarão?
S.R. –
Não. Aconteceu uma vez, mas foi apenas uma visão do tubarão. Eu não preciso deles, espero que eles não precisem de mim (risos).

Brasileiros – Falta fazer alguma coisa na profissão?
S.R. –
Cara, há muitos anos eu pensava em migrar pro cinema, voltado à produção de filmes para o surfe e tal, mas continuo na fotografia. Agora, estou com uma câmera que também filma. Ainda não filmei muito, mas tenho a intenção de diversificar. É coisa que muitos fotógrafos já fazem, não é novidade nenhuma. Talvez me ajude nessa fase em que fechei minha loja de fotografia no Guarujá, depois de vinte e poucos anos. Comecei atrás de um balcão, atendendo clientes. Fiz muitos amigos na loja, amo meus clientes, são amigos de verdade e deixar isso me dá pena. Mas quero viver feliz e ser dono de loja estava atrapalhando. A economia passou por altos e baixos e isso afetou bastante o Guarujá. Eu cansei um pouco das coisas, das inseguranças e da mudança financeira que representou a fotografia digital. Sempre tive um laboratório de revelação de filmes na loja e isso acabou.

Brasileiros – Segundo o fotógrafo Eduardo Moody, o Duda, você é o cara mais humilde e mais profissional que ele conhece, o exemplo para todo fotógrafo de surfe. Além dele, vários profissionais da área, sejam brazucas ou gringos, todos falam bem. Como você consegue?
S.R. –
Cara, gosto muito do que faço, amo a minha profissão (emocionado). Eu trato todo mundo igual e tento levar a vida de maneira simples, como tem de ser na natureza. Procuro estar sempre de bom astral e transmitir uma visão positiva por meio das atitudes. Alguns fotógrafos já se inspiraram em mim, já me falaram isso: “Pô, me inspiro em você, você sempre trouxe uma coisa bacana”. Acho que boas atitudes fazem os outros seguir a gente. Não é porque eu sou o Sebastian que não vou conversar contigo ou com quem quer que seja. Acho que é isso, cara, a vida tem de ser simples como ela é e a gente tem de acompanhar de uma maneira bem light, bem tranquila. Eu acho que sou desse jeito porque já nasci assim, brincalhão.


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