“Fagulhou, fagulhou! A terra fagulhou!” Numa explosão de alegria, Jordival da Silva Lamego, o “Loiro”, 29 anos, joga-se sobre o parceiro Edvam de Castro Pimenta, 39. Eufóricos, eles se abraçam e, despojadamente, atiram-se no “mexelete”- a piscina de lama formada pela extração do garimpo.
Tamanha alegria tem nome: ouro – “terra fagulhada” é, no jargão dos mineiros, a senha para a existência do minério. “Loiro” e Edvam são dois dos protagonistas da nova febre do ouro que empolga a região amazônica, 25 anos depois da corrida em direção à Serra Pelada, no Pará.
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O novo Eldorado fica às margens do Rio Juma, 453 quilômetros ao sul de Manaus (AM). Para lá convergem milhares de garimpeiros dos estados de Rondônia, Amazonas e Pará, com o sonho do dinheiro rápido.
Para chegarem ao novo garimpo, eles partem de Apuí (AM) e percorrem 65 quilômetros por terra em paus-de-arara, desembolsando de R$ 20 a R$ 25 por cabeça. Trocam, então, os veículos por botes de metal, as “voadeiras” (R$ 20 a R$ 25), que navegam outros 20 quilômetros, para ganharem, à margem esquerda do rio, o Eldorado do Juma.
A área demarcada pelo governo federal é de cerca de 10 mil hectares, mas apenas 50 deles estão sendo efetivamente explorados desde o Natal de 2006, quando os primeiros quilos de ouro foram extraídos dos igarapés ao longo do Rio Juma.
Essa corrida é engrossada por uma leva de diferentes públicos, como religiosos, soldados da PM do Amazonas e jornalistas internacionais – em abril, uma equipe do San Francisco Chronicle visitou o garimpo.
O negócio atrai outros pragmáticos aventureiros que vivem da sorte alheia. É o caso de dona Zuleide, que ganha a vida como barbeira. Ela está em Eldorado do Juma desde fevereiro, ganha modestos R$ 15 por barba ou cabelo aparado e não se queixa da vida: mesmo nos dias de menor movimento, recebe o dobro do que faturava em Itaituba (PA), onde vivia do garimpo.
Mais abastados são os comerciantes que exploram os mais de 50 estabelecimentos instalados no garimpo, a maioria bares. A margem de lucro dos produtos comercializados na Selva Amazônica é de deixar muito banqueiro impressionado. Uma garrafa da popular pinga 51, vendida a R$ 3 em São Paulo, vale R$ 50 no “brega” (o bar) da floresta – lucro de mais de 1.500%. Nos “bregas” também podem ser contratados os serviços profissionais de prostitutas, que cobram R$ 200 por programa. Barba, álcool ou sexo, a moeda corrente em Selva Pelada é o ouro – o grama vale R$ 40.
Ganham dinheiro também os empresários que alugam o “maquinário”, equipamento composto por uma bomba de sucção e mangueiras que lavam e preparam a terra. Ilegais, mais de uma dezena desses equipamentos devastam matas e igarapés dia e noite em Selva Pelada.
Taxas e contribuições também estão consolidadas na selva. Além dos 8% que recolhem para a cooperativa e dos 10% que pagam para a Associação dos Garimpeiros, todos contribuem com dez gramas de ouro por dia para os soldados da PM do Amazonas. “Quem não paga é surrado na calada da noite. A polícia bate igual bate em animal”, diz Edvam de Castro Pimenta, o companheiro de “Loiro”.
O garimpo não dorme. À noite, aqueles que não têm contas a prestar à polícia jogam conversa fora, regada pela caríssima pinga da selva nas precárias barracas cobertas por lonas plásticas. Bêbados dormem em suas redes ao som do trabalho dos maquinários, da gritaria dos jogos de truco e até do espocar de tiros.
A noite de Eldorado do Juma oferece distrações para todos os gostos. O salão de baile – “piseiro” da vila – é o Barracão do Marcão. Lá se dança ao som de música ao vivo, geralmente forró, e se pode assistir ao DVD de show do grupo Calcinha Preta no telão. No “piseiro”, o ambiente é familiar: a maioria dos pares é formada por garimpeiros e suas mulheres.
Quem não dança pode se divertir no bingo, que sorteia motocicletas em noites especiais, ou nos carteados, que rolam noite adentro. Às 22h, o toque de recolher: o gerador do povoado é desligado, liberando a senha para os garimpeiros acorrerem ao prostíbulo, na margem oposta do rio.
Sexo não é a única fonte de renda das mulheres de Selva Pelada. Cerca de 20 mulheres também dão duro no garimpo, fazendo o trabalho mais leve, como a batéia. Muitas se dão bem, como Luciana Bibo, 31 anos e três filhos. Ela veio ao garimpo para resgatar o marido com malária e, depois de despachá-lo de volta para casa, assumiu a exploração de um barranco. Hoje, Luciana comanda 22 homens, com os quais divide seus lucros. “Em fevereiro, consegui extrair 800 gramas de ouro”, conta, orgulhosa.
O sonho também move Darlan Alves de Almeida, 17 anos. Ele quer comprar uma casa para a família em Ariquemes (RO), mas as coisas não estão saindo tão bem. Ele e os colegas, também garimpeiros de primeira viagem, não contam com o recurso do “maquinário” e trabalham apenas com o auxílio de pás e picaretas. Dão duro o dia inteiro e contratam os serviços de mulheres, como Lindinalva, 27, nascida em Apuí.
Ela lava roupa, arruma a casa e cozinha num fogão de pedras e lenha que tem à disposição na casa de “Piauí”, dono de um barranco no Eldorado da selva. Lindinalva tem um namorado na vizinhança, mas dorme na rede de “Loiro”, sócio de Piauí, e troca de roupa na casa sem paredes, na frente de outros homens, como se fosse um deles.
Os dias de glória do Eldorado amazônico, entretanto, podem estar no estertor. Antônio Roque Longo, prefeito de Apuí, calcula que já foram consumidos 70% das reservas locais. “Em alguns meses tudo vai acabar”, adverte.
O cálculo do prefeito é reforçado pelas projeções do Ministério de Minas e Energia, que estimam em sete meses a vida útil das reservas. Com o esgotamento das jazidas, multiplicam-se os casos de epidemias, malária, alcoolismo e até suicídios. A epopéia de Eldorado do Juma, assim, pode estar se transformando numa autêntica tragédia amazônica.
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