Sem palavras

Quando se ilustra um livro, as imagens descrevem o que o texto comunica por palavras. O ilustrador segue a narrativa e, por mais forte que seja o efeito complementar entre ele e o escritor, ainda assim a imagem serve ao texto. Seria curioso imaginar o ilustrador livrando-se das palavras e fazendo uma história exclusivamente por meio de imagens.

É exatamente isso o que propõe Odilon Moraes (um premiado desenhista, escritor, arquiteto e ilustrador paulista) em O Presente, uma história aparentemente simples que relata o que aconteceu com um menino, depois de ganhar uma camisa da seleção brasileira de futebol. O diferente é o jeito de contar. Só com imagens em sequência: cada página, uma imagem. Não se assemelha a nada que você já tenha visto. Não é história em quadrinhos. É muito diferente da ilustração coexistindo com o texto, fazendo com que você vire a página quando acaba de ler (não de ver). O tempo que se leva para entender (ia escrever “ler”…) a página é diferente no caso do livro de Odilon. É engraçado ver como nos acostumamos ao ritmo das palavras e como nos sentimos perdidos diante de um livro sem texto.

Interessante esse reconhecimento do poder narrativo da imagem por parte de um escritor e ilustrador. Longe da objetividade das palavras, as imagens oferecem uma leitura com mais nuances. As coisas não são isso ou aquilo. Elas podem ser isso ou aquilo. Coisas da imagem. Aliás, as imagens não transmitem apenas o que se deseja ou se imagina. Por isso, elas não valem por mil palavras. Valem por coisas que não podem ser traduzidas em palavras. E é por isso que a obra de Odilon Moraes cria um clima por meio de traços e cores, cria uma atmosfera que se desfruta com os olhos, que percorrem e buscam respostas no desenho. E é nessa atmosfera de casa dos pais, da família reunida vendo a seleção na televisão e do campinho de futebol que rola uma história, narrada por meio de imagens que se sucedem como os fotogramas de um filme. Imperdível.