Sem vias de acesso, o povo da Mata Atlântica pede socorro em São Paulo

E vamos ao que interessa. Recebi na manhã desta quarta-feira um telefonema da premiada jornalista Marilú Cabanãs, repórter da Rádio Cultura de São Paulo, uma dessas raras figuras da nossa imprensa que não se preocupa apenas em fazer matérias para justificar o salário, mas também procura ajudar a resolver os problemas enfrentados por seus entrevistados.

Marilú anda muito preocupada com o que andam sofrendo moradores de regiões remotas da Mata Atlântica, em São Paulo. Somos todos defensores do pouco que sobra desta floresta e defendemos sua preservação, mas não podemos esquecer que, além da fauna e da flora, ali vive gente.

Gostaria muito de ir lá ver o que está acontecendo e fazer uma reportagem, como me sugeriu a colega, mas ainda às voltas com a arrumação do apartamento para onde me mudei no último final de semana, tentando colocar um pouco de ordem na bagunça, isso é impossível.

Por isso, pedi a ela que me mandasse um breve relato para publicá-lo no Balaio, na esperança de que os chamados poderes públicos tomem providências para conciliar a sobrevivência da mata com a dos brasileiros que nela vivem. Esta sempre foi, para mim, uma das razões de ser do jornalista.

Ganhadora várias vezes dos premios Vladimir Herzog, APCA, Ayrton Senna e Líbero Badaró, por suas reportagens de cunho social, denunciando o que tem de errado e louvando o que bem merece, como diz a canção, Marilú Cabanãs escreveu para o Balaio o texto que transcrevo abaixo:

“Vozes da Mata Atlântica”

A falta de cascalho na estrada de terra que dá acesso à Ribeirão Grande, no Parque Estadual da Serra do Mar, município de Pedro de Toledo, no Vale do Ribeira, impõe sacrifícios à comunidade local.

Por causa de buracos e lama na via de acesso, nenhum veículo consegue chegar ao bairro, nem ambulância. Com isso, pessoas doentes e mortas são carregadas nas costas pelos moradores.

Sebastião Ferreira de Souza, 66 anos, afirma que já socorreu diversas pessoas dessa forma: o filho que quebrou a perna, a nora que estava grávida, muitas vezes debaixo de chuva, pisando na lama, lampião nas costas, durante uma hora e meia. Mas o que mais chocou Sebastião foi ter que carregar uma mulher grávida que morreu na vizinhança.

As crianças precisam caminhar à pé durante duas horas para chegar à escola e no trajeto correm perigo. Thiago Silva Santiago, 14 anos, já foi picado por cobra. Por causa da chuva e do cansaço, ele chegou a ter mais de 16 faltas num mês. Algumas vezes, a professora não permitia que permanecesse em sala de aula porque estava com a roupa suja de lama e ele tinha que voltar para a casa.

Por causa do excesso de faltas, os pais correm o risco de perder a guarda dos filhos pelo Conselho Tutelar. Luzia dos Reis Silva se defende e diz que já chegou a bater na filha de 6 anos para que ela fosse à escola. A menina alegava que estava muito cansada devido à caminhada diária de três horas para assistir às aulas.

A Fundação Florestal, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado, informa, através da assessoria de imprensa, que não pode fazer o cascalhamento da estrada pois o Ministério Público Estadual decidiu, em 2003, que não é possível qualquer intervenção na área porque a ocupação é irregular.


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