O tradicional Festival chega a sua 41ª edição com um dilema e uma complexa missão pela frente: tornar-se mais acessível ao público e levar benefícios permanentes para uma cidade que tem grande parcela da população vivendo na pobreza. À frente da gestão do evento, desde o ano passado, a organização social Santa Marcelina Cultura procura dar os primeiros passos rumo a esse objetivo. Para a edição deste ano, que vai de 3 de julho a 1o de agosto, a entidade dobrou o número de concertos, de cerca de 40 para mais de 80, sendo 37 gratuitos, e vai reverter parte da renda dos ingressos para a realização de ações sociais. Diretor executivo do Festival, Paulo Zuben fala sobre as dificuldades da empreitada e das iniciativas para a inclusão da população mais pobre de Campos de Jordão. Ele contesta a fama de evento elitista e compara preços dos ingressos com outras instituições. Para Zuben, faltam mais esclarecimentos.
Brasileiros – Em 41 anos de Festival, como surge a percepção de que é preciso levar benefícios à população de Campos do Jordão?
Paulo Zuben – Assumimos a gestão do Festival em janeiro do ano passado e, conversando com a Prefeitura e nos baseando em uma tese de mestrado sobre a relação da cidade com o Festival, nos demos conta da histórica ausência da música fora do período de julho. Da pobreza e da falta de um programa de formação musical nas escolas da cidade. O Festival nunca teve um bolsista de Campos.
Brasileiros – Como a Santa Marcelina Cultura lida com essa responsabilidade?
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P.Z. -Acho que é uma obrigação do Festival, que recebe dinheiro público, ter responsabilidade social de verdade. E isso não é levar um monte de crianças a um concerto e depois colocar em um ônibus e mandar de volta pra casa. É formação, educação continuada, algo que nunca havia sido pensado. Primeiro, vamos trabalhar com os professores, para que eles sejam os principais multiplicadores da música na cidade. Esperamos um dia levar nossas ações para todas as seis mil crianças de Campos, mas para isso precisamos de mais visibilidade e patrocínio.
Brasileiros – De que maneira o Guri Santa Marcelina (projeto de formação musical para jovens carentes, administrado em parceria com o Governo de São Paulo) serve de exemplo para o festival?
P.Z. – Mostrando que educação é algo continuado, não pontual. É preciso ter disciplina e compromisso. A música tem seus benefícios naturais, como concentração, disciplina, ouvir o outro, trabalhar em equipe… Mas não se trata só disso. O Guri tem uma equipe de assistentes sociais, na sede e em cada um dos polos, que faz todo o monitoramento das famílias. O professor que está lá dando aula de música tem de estar ciente da realidade com a qual está lidando, mas precisa de uma estrutura que ofereça a alunos e familiares palestras, terapia comunitária, participação das assistentes sociais nas reuniões da comunidade, encaminhamento para a rede pública em casos de problemas de saúde.
Brasileiros – Por que o Festival resolveu oferecer espetáculos também em São Paulo este ano (serão 11 ao todo, no SESC Vila Mariana e na Sala São Paulo)?
P.Z. – Trazer o Festival para a capital traz mais visibilidade. Além disso, você oferece preços populares na Sala São Paulo, ocupa um espaço público com programação de qualidade. Nossa ouvidoria detectou reclamações pertinentes de gente que gostaria de ouvir um concerto, mas não tem condições de subir a serra, de dormir em Campos do Jordão. Muitas vezes, fazem um bate-volta só para ouvir o concerto. Outra coisa que é importante falar é o preço dos ingressos. Pelo nível da programação, ele é baixo. É só fazer uma tabelinha… A OSESP cobra 120 reais por um concerto. Nosso concerto mais caro é de 80 reais, e a média é de 40 reais.
O Cultura Artística, que tem uma boa programação, cobra 200 reais. E, se você fizer uma média com os concertos gratuitos, é menos ainda. Eu gostaria que isso fosse mostrado, porque parece que o Festival é um evento de elite. Tem muita gente de classe média que não pode pagar 200 reais em um concerto, e a nossa intenção não é tirar essas pessoas e só botar ricos no festival.
Brasileiros – O modelo de gestão do Festival, de parceria público-privada, recebe muitas críticas.
Qual a sua opinião a respeito dessa questão?
P.Z. – O Festival recebe verbas da Lei Rouanet, então tudo o que fazemos é público. É uma parceria para gerir um equipamento público, não tem fins lucrativos. E todos esses outros projetos que recebem dinheiro da Lei Rouanet, ou do governo estadual, também são públicos. Isto precisa ser colocado. O auditório Cláudio Santoro, de Campos do Jordão, é da população do Estado de São Paulo. Deveria ter uma plaquinha na entrada de museus, da Sala São Paulo, escrito: “Este estabelecimento pertence à população de São Paulo”. Mas não se mostra isso. O problema é que tem dinheiro público em instituições privadas sendo gerenciado como se fosse dinheiro privado, com interesses particulares. Isso prejudica a boa proposta. Acho que é preciso ser feito um esclarecimento maior a respeito de tudo isso. Tem de explicar porque cobram 300 reais lá no Mozarteum, que também tem Rouanet e recebe dinheiro de patrocínio. Por que cobrar 300 reais no Cultura Artística? Não temos nada contra ninguém, mas agora que estamos aqui, temos mais vontade ainda de que as coisas sejam ditas e se deem explicações.
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