Será que vão colocar ordem nesta suruba?

Confesso que fiquei meio zonzo ao terminar de ler o jornal e o noticiário de hoje na internet.

Nem sei o que pensar e escrever, tantas são as declarações e as histórias inacreditáveis que aparecem a cada dia nesta verdadeira suruba institucional em que se transformou o nosso Congresso.

Mas parece que, finalmente, eles começaram a prestar atenção no que o povo está achando de tudo isso. Perceberam que a paciência acabou, a raiva é grande e alguma coisa precisava ser feita.

Num clima de barata voa, os líderes partidários resolveram tomar algumas providências “moralizadoras” para estancar a sangria do nosso dinheiro e da credibilidade da instituição a que deveriam servir e não se servir.

São muito nebulosas estas medidas, sem prazos e métodos definidos, e ainda dependem da aprovação dos próprios interessados para a manutenção ou não destes privilégios indecentes.

Não dá para dizer que a farra acabou e que agora vão tentar pelo menos organizar a orgia com o dinheiro público, tratado este tempo todo como “coisa deles” e, portanto, sem precisar dar qualquer satisfação ao distinto eleitrado que paga a conta.

Pelas novas revelações feitas por colegas do “Congresso em Foco”, o site que desnudou esta farra, não escapou quase ninguém, nenhum partido, nem os autodenominados integrantes do chamado “grupo ético” do Congresso.

Virou tudo uma geléia só. Basta ver a foto de Roberto Stuckert Filho, da Agência O Globo, publicada no alto da página A4 da Folha sob a rubrica “Os Intocáveis”, mostrando a chegada ao Congresso dos parlamentares de quatro partidos, depois de intermináveis discussões sobre medidas de prevenção de incêndios numa casa pegando fogo.

As expressões assustadas de Michel Temer (PMDB-SP), presidente da Câmara, ladeado por Inocêncio Oliveira (PR-PE), Fernando Gabeira (PV-RJ), de óculos escuros (para não ser reconhecido?), e Nelson Marquezelli (PTB-SP) são emblemáticas da perplexidade geral.

Há um fato novo nesta história dos descalabros, que não são de agora, mas nunca ficaram tão evidentes.
Desta vez, não houve nenhuma manifestação de rua, nada de caras pintadas nem mulheres batendo panelas, discursos de militares, invasores furiosos depredando as instalações do Congresso, como acontecia em outras épocas.

Deu-se uma revolta popular silenciosa e invisível, que só era possível notar lendo o que os leitores/eleitores escreviam na internet _ e, certamente, enviavam também para os correios eletrônicos de suas excelências.
Vai ver que atenderam à minha sugestão de domingo no post “Congresso: povo bravo está perdendo a paciência”, e resolveram pedir a alguns dos seus milhares de assessores para dar uma olhada no que o povo estava pensando de tudo isso.

Agora falam em restringir cotas de viagens, limitando-as aos próprios parlamentares dentro do território nacional e a serviço só do mandato, e divulgar pela internet os gastos efetuados com as muitas verbas que recebem além do salário, que nos custam no mínimo R$ 102,5 mil por deputado.

Admitem até acabar com a tal verba indenizatória de R$ 15 mil por mês, uma espécie de salário extra sem desconto de imposto de renda, mas que ninguém se iluda.

Lá no meio da matéria sobre as “medidas moralizadoras” leio que “por ora, deputados e senadores decidiram adiar o aumento em seus salários de R$ 16,5 mil para R$ 24,5 mil. Este reajuste será debatido nas próximas semanas se houver consenso a respeito da boa repercussão das medidas de ontem”.

Ou seja, estão só dando um tempo para ver como a distinta platéia vai reagir para deixar tudo como está, mudando apenas a embalagem, ou melhor o embrulho.

Quem ainda acredita neles? Como acreditar numa turma que torrou R$ 4,7 milhões em 1.885 vôos internacionais entre janeiro de 2007 e outubro de 2008?

Uma turma que tem um deputado chamado Dagoberto Noronha (PDT-MS) que pagou 40 vôos internacionais, 22 deles com parentes acompanhando, num total de R$ 92,6 mil que sairam do nosso bolso?

Presidente da Comissão de Ética (acreditem!) da Câmara, o deputado ACM Neto (DEM-BA), mais conhecido por Grampinho, em vez de tomar alguma providência contra estes parlamentares, tem a coragem de dizer que “a imprensa quer fechar o Congresso”.

Não é a imprensa, não, meu jovem parlamentar. A imprensa, reconheço, tem muitos defeitos, mas desta vez não tem nada com isso. Quem está desmoralizando o Congresso Nacional são vocês.

São os deputados e senadores que não se dão ao respeito e achincalham a instituição. Piores que seus atos, são suas torpes justificativas para cometer todas as barbaridades, alegando que não fazem nada proibido porque não sabem o que podem e o que não podem fazer, ninguém lhes diz o que é certo e o que é errado.

Acham normal pegar passagens pagas pela Câmara com o nosso dinheiro, juntar a família e dar várias voltas pelo mundo, por que não?

Se o regimento do Congresso permite, se as regras não são claras, a reação popular vai se encarregar de lhes mostrar os limites. Eles vão acabar descobrindo, mais dia, menos dia, a nova democracia realmente participativa, e não apenas representativa, que está se alastrando na internet. Já são quase 60 milhões de brasileiros ligados à rede, ou seja, metade do eleitorado.

O Brasil de Maria Júlia
Enquanto isso, segue a vida no Brasil real, longe dos gabinetes de Brasília, lá onde vivem os eleitores, onde o dinheiro não é contado e torrado em milhões e é preciso batalhar muito para ganhar a vida.

É o que nos mostra o relato abaixo enviado pelo leitor Everaldo Santos de Alencar, 61 anos, engenheiro civil formado na UnB, paraibano de Itaporanga, que mora em Aparecida de Goiania, Goiás.

Everaldo, fiel leitor do Balaio desde o começo, acompanhou o drama de uma brasileira chamada Maria Júlia, faxineira, viúva, em busca da casa própria prometida pelo governo.

Se fosse um pouco mais jovem, e não tivesse a mesma idade que eu, eu sugeriria a Everaldo seguir a carreira de repórter.

Vejam se alguém no Congresso Nacional, parlamentar ou jornalista, está a esta altura do campeonato interessado nos fatos da vida real que ele nos conta no seu texto que publico abaixo.

MINHA CASA, MINHA VIDA???

– Moço, esta é a quinta vez , nestes últimos vinte anos, que eu entro em uma fila para me inscrever, procurando conseguir uma casa.

Com estas palavras, aquela senhora me tirou das divagações que eu estava fazendo sobre uma pesquisa de uns neurologistas a respeito do esquecimento humano.

Na calçada em frente à minha casa se estendia uma longa fila de gente, para fazer a tal inscrição para a casa própria.

– Pior é que, depois de andar mais de tres quilômetros, com estas duas crianças naquela bicicleta, e de chegar aqui às cinco horas da manhã, não vou poder fazer esta inscrição, pois não tenho seis reais e cinquenta centavos para reconhecer firma de uma declaração de rendimentos, que tenho que fazer, por não ter carteira assinada

E começou a chorar. Só aí, é que me dei conta que estava diante de um grave problema social e humano.

Chamei-a para dentro de minha sala, onde ela me contou sua história, sua via crucis, em busca de uma casinha.

Dona Maria Júlia, faxineira de mãos calejadas, esposa do falecido pedreiro Sr. Manoel, que durante a vida construiu centenas de residências, e morreu sem ter construído aquela que daria abrigo e dignidade à sua família, me fez dedicar este fim de semana de feriado a tentar entender porque ela e outras milhares de faxineiras têm tanta dificuldade para conseguir a casa própria.

Por coincidência, naquela tarde, estaria aqui em nossa cidade o Gerente Regional da Caixa, a fim de assinar com o nosso prefeito os termos de adesão de nosso município ao tão badalado programa Minha Casa, Minha Vida.

Elaborei então a seguinte pergunta para fazer a cada autoridade presente: “No entendimento do senhor, qual o principal obstáculo para a concretização deste programa Minha Casa, Minha Vida?”

À tarde, fui para a reunião, onde estavam presentes: o prefeito municipal, o gerente regional da Caixa, um deputado federal, três deputados estaduais do município, o presidente do Sinduscom estadual, etc. etc.

Nem precisei fazer a pergunta que elaborara, pois, em seus discursos, eles me deram as respostas.

O gerente regional da caixa disse que o programa dependia fundamentalmente da participação da prefeitura, doando os lotes e simplificando a burocracia, e das construtoras, ao assumirem os empreendimentos.

O prefeito disse que faria tudo para ver as casas construídas, mas não tinha áreas disponíveis para doar. Ia ver o que poderia fazer.

O presidente do Sinduscon, representante das construtoras, que não chegou a discursar, me disse em particular que as mesmas dependiam de receber do prefeito os lotes urbanizados, pois o lucro a ser obtido com imóveis daquele preço era muito pequeno para lhes despertar interesse em aplicar seus capitais.

Fiquei chocado, pois este círculo vicioso de dependências eliminava toda possibilidade de dona Maria Júlia, mesmo inscrita, conseguir a sua casa.

Na volta para minha residência, já consciente de que não seria construída nenhuma moradia para esta faixa salarial (de zero a três salarios mínimos) em nosso municipio, vi próximo à uma rua onde passava, um conjunto de casinhas, já meio antigas, construídas por um certo engenheiro para a população mais pobre. Resolvi então procurá-lo no dia seguinte para batermos um papo sobre este assunto.

Logo pela manhã, fui à casa do referido engenheiro. Sem nem mesmo ter-lhe dirigido a pergunta que ia fazer, ele já começou a me dar respostas.

– Meu amigo, este programa é o melhor programa já disponibilizado por qualquer governo para atender às camadas mais carentes de nossa população, porém será mais uma grande frustração para estes pobres coitados, e para o próprio governo. Tudo por uma simples razão. Os parceiros com os quais pensa contar o presidente Lula não estão nem aí para o referido programa. Nem aí mesmo. Vejamos lá:

A Caixa? Esta instituição bancária há muito tempo não se interessa em prestar este tipo de serviço aos pobres. Alguém já viu banco se interessar por pobres ? Basta ver a quantidade deles que não têm onde morar. Já tentei várias vezes encaminhar processos, apresentar projetos alternativos e nunca obtive uma opinião favorável. Um grande construtor deixa aplicado seus milhões e, depois, pega emprestado o que quiser, pagando juros menores do que os que recebe.

As prefeituras? Até que podem ter um pouco de interesse, pois este programa não repassa dinheiro para elas, e os prefeitos, na maioria curruptos, não tendo como embolsar nada, que interessse eles terão nisto ? Alguns que ainda demonstram interesse, como é o caso do nosso, não dispõem de lotes para doar.

As construtoras? Estas precisam ser “gericadas”. Vou repetir para que você guarde bem esta sigla. Precisam ter o GERIC, que é uma classificação de risco absurda, pois os empreendimentos financiados se auto-garantem. É cartelizadora, emitida pela Caixa, para que ela, a construtora, possa gerir recursos daquela instituição. Te afirmo que é mais fácil um desses nossos senadores entrar no céu do que se conseguir esta tal de GERIC. E, o que é pior: quando a grande construtora consegue o GERIC, foje de pobre igual o diabo foge da cruz. Só um “gericado” com espírito de jerico, se interessa em construir casas para pobre.

Basta ver que, nos últimos vinte anos, estas construtoras “gericadas” construiram aqui em nossa cidade vários condomínios fechados, vários prédios, mas lhe dou mil reais para cada casinha popular que você me mostrar feita por elas. As que você encontrar por aí foram feitas por nós, os “jericos”.

Boquiaberto fiquei, ao ver que a opinião do engenheiro, batia integralmente com a que eu já havia formado. Só não sabia desta história de GERIC. Mas ainda lhe perguntei:

Qual solução o senhor veria para resolver este impasse ?

– Meu amigo, só há uma, não há outra. Para levar casas para pessoas com renda de até três salarios mínimos nas grande cidades, o governo precisa ampliar o leque de parceiros. Precisa incluir os pequenos construtores, como eu e milhares de outros, pois só a nós interessa a lucratividade obtida com os preços estabelecidos neste programa. Temos baixos custos administrativos e operacionais, mais flexibilidade, pois podemos construir em lotes individuais espalhados pela cidade. Mas, para isto, precisaríamos contar com recursos da Caixa, inviabilizado por causa desta tal de GERIC. Com as exigências estabelecidas, não há uma microconstrutora que consiga esta classificação. Se estes microempreendedores estivessem efetivamente inseridos no programa, já teríamos unidades em execução.

Quando não havia esta porcaria de GERIC, eu, como profissional autônomo, reunia um grupo de pretensos mutuários, encaminhava na Caixa as documentações, e construía para eles os seus imóveis. Fica bem mais barato. Com a mesmo quantidade de recursos, se constrói muito mais residências. Aquele conjuntinho que você viu, foi feito assim, além outros que já fiz.

Da maneira como foi proposto, com os parâmetros estabelecidos, e com aquelas parcerias, posso lhe dizer o seguinte: sou capaz de comer um prato de bosta, dos fundos e bem cheio, se daqui a um ano, dois, ou dez, alguém me mostrar uma dona Maria Júlia em sua casinha construída por este programa. É uma pena, pois o presidente Lula quer realmente que ela tenha sua casa, mas aqueles que normatizam o programa não deixam.

O cartel das construtoras “gericadas” espera que o governo aumente o preço. Aí, sim, elas entram, só que não precisava ser desse jeito, pois há alternativas. O problema de nosso país, meu jovem, é que os homens que tomam as decisões são incapazes de “pensar micro”, só “pensam macro”. Soluções simples são totalmente descartadas por não estarem em seus currículos de pós-graduados, ou não beneficiam seu círculo de amigos endinheirados. É isto, meu jovem.

Agradeci, despedi-me, e saí da casa daquele senhor. Triste, quando devia estar alegre, por conhecer, para mim, mais uma verdade.

Ah! Sim! As palavras finais do engenheiro me fizeram lembrar das divagações que eu estava fazendo, quando dona Maria Júlia me abordou. Era sobre uma pesquisa de uns neurologistas, na qual descobriram, que o cérebro da maioria dos humanos faz questão de esquecer as coisas negativas, os momentos ruins do passado.

Talvez seja este o motivo.

A maioria de nossos políticos e doutores, ao chegarem aos palácios do poder, se esquecem que nos lugares de onde vieram ainda há gente vivendo os sofrimentos que eles talvez tenham vivido e, por causa desta inata preguiça cerebral, tenham de tudo esquecido.

É, dona Maria Júlia, tudo conspira contra a senhora. Poderiam, pelo menos, ser menos perversos, não fazê-la entrar em tantas filas e derramar, inutilmente, tantas lágrimas.


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