A foto oficial revela, em pose algo desajeitada, um executivo comum, terno e gravata, sorriso meio forçado, um pouco acima do peso, no topo do moderno edifício da agência DM9DDB, na velha e sempre recauchutada avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo.
Trata-se do baiano de Salvador, Sergio Valente, 44 anos, presidente da agência, uma mistura rara no meio publicitário, sendo ele formado em Engenharia Civil e Administração de Empresas e, de origem, um redator, portanto um criativo puro – dos mais premiados nos últimos anos.
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Felizmente, pelo menos para o jornalista, Valente se apresenta de maneira descontraída, com roupas informais – jeans, camisa branca, tênis branco -, sem nenhum dos discursos pomposos ou os temores paranoicos de empresários no contato com a imprensa.
Alto e ágil, em melhor forma do que se vê na foto, forte aperto de mão e abraço caloroso, olhos atentos no interlocutor, se expressa com clareza e fluência em português coloquial, porém correto, tingido de um leve sotaque da terra nativa.
Informado do objetivo da matéria, discutir aspectos polêmicos da indústria da propaganda e seus reflexos na sociedade brasileira, na verdade mais que isso, ouvir sua opinião sobre tais temas, mas evitando a badalação tão típica do meio publicitário, ele se dispõe no ato, tranquilo, a abrir o jogo, enfatizando que na sua agência não se cultiva qualquer tipo de estrelismo ou exibicionismo de show business, pois o que importa não é a figura do profissional, mas sim o bom trabalho que a agência faz para seus clientes.
Política, tudo indica, de resultados eficazes desde que ele assumiu a presidência, em janeiro de 2005, dando sequência, com toques pessoais, a um programa de transição, sereno e transparente, captando novos e grandes clientes e faturando, para si e para a casa, uma série de prêmios nacionais e internacionais.
Agora, numa comemoração oportuna dos vinte anos de existência da agência, veio a láurea maior: neste ano, a DM9DDB ganhou mais um Leão de Ouro, escolhida que foi, no Festival de Cannes, o de maior prestígio e importância da propaganda mundial, como Agência do Ano (Agency of the Year). O mercado também responde ao sucesso da DM9DDB, uma das três maiores agências em faturamento do Brasil, contemplando seu executivo e criativo maior com o título de Publicitário do Ano (Prêmio Colunistas São Paulo), cabendo ainda à empresa o título de Agência do Ano, também no Prêmio Colunistas.
O diálogo começa, como era a ideia inicial, com um ponto conflitivo, um estimulante choque entre duas profissões tão assemelhadas – o jornalismo e a publicidade. A impressão que se tem é que a propaganda, sobretudo os anúncios impressos, invade cada vez mais o espaço editorial de jornais e revistas, com frequência confundindo, em uma primeira batida de olhos, leitores em geral. Isso é matéria ou é anúncio? – pergunta-se quem não é do ramo.
O termo invasão é um pouco inflamado, embora de fato seja essa a percepção inicial, mas não existe, na propaganda, nenhuma intenção nesse sentido. O que existe, hoje, é uma sobreposição dos canais de comunicação, uma interseção, ou seja, um cruzamento muito maior das diferentes plataformas de comunicação.
No fundo, tudo funciona por meio de energias muito sutis, mas ninguém, nem aqui nem nos meios, determina de forma taxativa que tal anúncio vai para a primeira página do jornal ou para a quarta capa de uma revista, e ponto. Nem esse papo de que este ou aquele cliente assim o exige. Depende das circunstâncias do momento, da necessidade especial na promoção de um produto ou serviço, mas uma coisa aí é fundamental – o anúncio não pode ser chato, deve ser agradável, fazer parte da diversão, ao lado da informação.
Se a peça for desagradável, o resultado será negativo e pouca gente dará atenção aos nossos esforços. E tem mais uma coisa importante em tudo isso, quando falamos em propagar valores, devemos ter em mente um limite nessa propagação. Se o leitor se sente ofendido com o anúncio impresso no seu jornal diário, essa marca perde de imediato os valores que queremos destacar.
E o que seria então um resultado positivo, vender mais?
Essa é uma conclusão muito fácil, pouco objetiva. A propaganda séria e criativa é muito mais que uma simples venda de produtos e serviços. Em sua essência verdadeira não vende nada, quem vende é o ponto de venda, o supermercado, por exemplo, onde ela se manifesta de forma mais presente, realçando o valor da marca por meio de embalagens, a disposição nas prateleiras, além do material de ponto de venda.
A criação publicitária é como um polvo, cheia de tentáculos – parte de uma ideia central que vai se espalhando pelos diferentes meios de comunicação modernos, muito velozes hoje em dia, incluindo, agora, nesta época de enorme crescimento dos recursos da internet, inclusive o Twitter.
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Será por isso então que essa preocupação em criar um clima de entretenimento e rápida captação da mensagem precisa mesmo de tantas palavras e termos em inglês? Valente não se abala com essa antiga crítica ao seu negócio.
Outra culpa que a propaganda não tem é essa, pois os “inglesismos”, por assim dizer, estão em todos os níveis da comunicação na sociedade de hoje. Não cabe a nós, publicitários, decretar esse ou aquele uso de idiomas estrangeiros – do inglês, em primeiro lugar.
Não fazemos a onda, só acompanhamos seus movimentos e, como um surfista na prancha, tratamos de recolher e reciclar, sempre da forma mais criativa, as tendências e reações da própria sociedade, os modismos, digamos, em todas as áreas relevantes, o que requer do profissional um exercício rigoroso de atenção permanente no que acontece no país e no mundo.
Para tanto, precisamos falar novas linguagens, novos dialetos, temos de nos comunicar com o pessoal mais jovem de forma que ele entenda a mensagem, e o inglês, tão difundido na internet, funciona para isso. Mas, de novo, no meu estilo sóbrio, afirmo o seguinte: nada de exageros ou sacadas bobinhas. O bom gosto no texto e no visual é vital nesse negócio. O texto, aliás, bem pensado e melhor ainda escrito, tem papel muito importante.
Com os Leões de Cannes e os prêmios nacionais, ganhos e exibidos em estantes de vidros no lobby das agências, faz-se um enorme barulho na imprensa publicitária e em concorridas festas em casas noturnas da moda, quando os vencedores se confraternizam, os clientes meio escondidos lá no fundo, tímidos e discretos. Que importância afinal tem para os clientes toda essa farta premiação?
Sim, o ruído é grande nessas oca-siões, mas quando analisamos os efeitos de grifes de prestígio, uma Ferrari na Fórmula 1, um design da Honda nas ruas, uma camisa da Calvin Klein na lojas de luxo, entendemos um pouco melhor os mecanismos internos do marketing, quero dizer, como os tais valores, consagrados, provocam a atenção do consumidor.
Afinal, o que vale tudo isso para quem quer vender ou comprar um produto? Dado um balanço final, toda essa autopromoção na hora de receber um prêmio serve para mostrar ao mercado o quanto somos, nesta ou naquela agência, capazes de inovar, ou, como dizemos no nosso meio, de “tirar o anúncio do cliente da paisagem”, dar a esse anúncio ou comercial uma visibilidade maior e melhor.
Nessas ocasiões, o grande desafio é não dirigir o holofote em cima da agência, mas, como eu já disse, concentrar suas luzes no nosso trabalho para o cliente. Deixando de lado qualquer veleidade intelectual que, às vezes, paira sobre a propaganda como trabalho criativo, é recomendável lembrar sempre de que ela é uma indústria, assim deve ser percebida, não é uma arte. Pode e deve fazer parte, de certa forma, da cultura popular, mas é um negócio altamente competitivo, temos de fazer, todos os dias, um trabalho mais qualificado, tanto criativo como comercial, que o do nosso concorrente.
E a propósito da concorrência, o que preocupa uma agência tão premiada e tão próspera em uma indústria tão pródiga de talentos criativos?
A concorrência no nosso mercado é muito acirrada mesmo, acho isso ótimo, a vida tem de ser policromática; adoro a existência da Almap BBDO, por exemplo, do trabalho que eles fazem lá, isso só nos impulsiona a criar da melhor forma possível, com os nossos próprios recursos técnicos e a apurada sensibilidade de uma geração mais jovem e ousada. A propaganda brasileira, uma das mais criativas do mundo, tem lugar para todos, e que venham mais concorrentes de bom nível!
Houve época, pelas décadas de 1960 e 1970, que a administração das agências, seguindo o modelo americano, deixava o negócio nas mãos de executivos de finanças ou de marketing. A partir dos anos 1980, começam a aparecer as primeiras iniciativas de entregar o comando das agências a seus criativos de maior destaque, coisa hoje mais comum. No caso de Valente, formado em engenharia e administração, mas criativo de origem, a mistura tem um lado curioso. Como conciliar a cabeça de um redator de publicidade com a de um engenheiro e a de um administrador de empresas?
Sempre fui, continuo sendo um redator, função que exerço desde os 21 anos de idade, quando comecei lá em Salvador. Mas tenho também, e isso é um privilégio, um pouco da cabeça do engenheiro e a do administrador. Na prática, misturo isso todos os dias com a experiência acumulada e sólidos critérios, um pouco de tudo, e, ainda bem, tem dado muito certo. (Experiência acumulada, a propósito, na passagem, como criativo, por outras agências – Propeg, Lew Lara, Salles -, até se fixar de vez na DDB, em 2000.)
Bolo e escrevo campanhas e, ao mesmo tempo, com o rigor do engenheiro e a meticulosidade do administrador, dirijo a agência em seu conjunto. Para isso, aprimoro a cada momento, e diante de imprevistos e tropeços naturais no caminho, minha capacidade de gestão, procurando manter uma visão abrangente do setor, que se equilibra entre criação e negócios, tarefa complexa de se harmonizar. Mas isso é o lado bom da pedreira, resolver os problemas de forma satisfatória.
Alguém de comprovada competência e da minha confiança vigia e cuida dos orçamentos de produção e veiculação, eu supervisiono, claro, mas minha diversão maior neste trabalho é mesmo a criação de grandes campanhas.
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Como enfrentar, na batalha cotidiana, as pressões dos chamados grupos de vigilância na sociedade, que atribuem à propaganda alguns dos mais nocivos males modernos, como o consumismo desenfreado, os vícios do cigarro e do álcool, as mais recentes formas de censura proibindo ou limitando a propaganda de produtos e serviços?
A propaganda é um alvo fácil de bater, pressionar, acuar, como se realmente tivéssemos toda essa capacidade de mobilização e persuasão. Não tenho nada contra certos controles, é preciso de fato termos normas de conduta em tudo dentro da sociedade. O que não gosto é o exagero, isso não é saudável.
O que quero realçar aqui é que, no negócio publicitário, já temos, há mais de vinte anos, um autocontrole feito por meio do CONAR(Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). A nossa resposta disciplinada, o nosso respeito às determinações desse órgão da categoria, de rigor e competência inatacáveis, são uma prova da maturidade da propaganda brasileira. O CONAR tem o poder de tirar do ar uma campanha acusada de inadequada ou imprópria, e isso sempre ocasiona prejuízos para clientes e agências, à propaganda como um todo. Por que então colocar tantos recursos técnicos e humanos em uma jogada ruim? Por isso, trabalhamos com muito cuidado. Entendemos, nesse clima atual de violentas guinadas no mundo em que a sociedade muda, os costumes também, as novas gerações se transformam, sobretudo agora com a enorme diversidade de plataformas e mídias, a linguagem, o gestual, os conceitos existenciais. E nós, publicitários, vamos na onda, mas com responsabilidade e criatividade.
O que o publicitário Sergio Valente gostaria de dizer aos presidentes de seus clientes, se tivessem essa oportunidade?
Escutem o seu publicitário, ele é um instrumento de crescimento da empresa. Se ele falar bobagem, troque-o, mas se funcionar bem, mantenha-o, vai ser bom para todos.
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