Cenas de Os Mutantes e Gilberto Gil no festival de MPB da Record, em 1967, que aparece no filme Tropicália

Panis et cinema Aparentemente, um novo documentário sobre a Tropicália não traria grandes novidades, se for considerado todo o material jornalístico e historiográfico produzido sobre o movimento musical do final dos anos 1960. Mesmo no cinema, o assunto parecia ter recebido um tratamento definitivo com Uma Noite em 67, de Ricardo Calil e Renato Terra. Qualquer impressão negativa, contudo, se desfaz nos primeiros minutos da projeção de Tropicália, de Sérgio Machado.

O realizador foge da fórmula tradicional de mesclar imagens de arquivo com entrevistas, embora estejam presentes depoimentos de figuras fundamentais, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé. Machado, no entanto, prefere debruçar-se sobre uma profusão de imagens da época (algumas raras) para explicar o momento de efervescência cultural que gerou canções como Bat Macumba ou Panis et Circencis. À fórmula foram acrescentados um grafismo lisérgico e belas animações que resultam em um visual deliberadamente inspirado na psicodelia da época. O roteiro fica em segundo plano. Mas nem isso é capaz de ofuscar o brilho desse longa ovacionado na abertura da última edição do festival É Tudo Verdade.

Miau em hebraico Joann Sfarr é um quadrinhista que goza de alguma fama na França e se aventurou no cinema com Gainsbourg: o Homem que Amava as Mulheres (2010), cinebiografia do compositor de Je t’Aime Moi Non Plus. Agora, ele apresenta O Gato do Rabino. Anárquica, a animação narra as peripécias de um felino que, não bastasse falar com seu dono, sonha com o dia de seu barmitzvah. O ambicioso roteiro tenta dar conta de tramas paralelas – às vezes, o protagonista felino fica em segundo plano, em detrimento dos coadjuvantes de duas patas – e da sátira religiosa. Juntam-se em uma estranha viagem pelo deserto, entre outros, o rabino, muçulmanos e um russo beberrão. Ainda que a bandeira do longa seja a da amizade entre os povos, impera o politicamente incorreto. Os pais que não se enganem em levar os menores ao cinema: ainda que desenho animado, O Gato do Rabino destina-se a adultos.

O riso do morro Politicamente incorreto também é o tom de Totalmente Inocentes, comédia nacional de Rodrigo Bittencourt que estreia em longa-metragem. A fita, sátira dos chamados favela movies – produções brasileiras que apresentam o turbulento dia a dia do morro carioca – traz um humor que oscila entre o deboche e a reverência a títulos como Cidade de Deus (2002) e Tropa de Elite (2007). A realização tende ao convencional ao optar pelo estereótipo – o traficante marrudo(Fábio Porchat), o repórter atrapalhado (Fábio Assunção)e a periguete ambiciosa (Mariana Rios, apática). Diversão fácil e inofensiva.

Inverno paulistano A São Paulo de Ugo Giorgetti (Boleiros) é enevoada, cinzenta, quase europeia em Cara ou Coroa. Com fotografia assinada pelo expert Walter Carvalho, a fita se passa em 1971 e, embora aborde os anos de chumbo, consegue esquivar-se elegantemente do clichê das cenas de conflito de rua e dos porões dos quartéis. Na trama, o diretor de teatro João Pedro (Emilio de Mello) e seu irmão Getúlio (Geraldo Rodrigues) vivem à custa do tio taxista (o sempre esplêndido Otávio Augusto), um típico classe média paulistano. Carente de certo ritmo, o longa demora para engrenar: João e Getúlio, pressionados pelo Partido Comunista para esconder dois militantes, acabam optando por um refúgio improvável: o porão da casa de um general reformado (Walmor Chagas, em participação especial).


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