Entenda por que a Catalunha quer se separar da Espanha

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Premiê espanhol classificou a Consulta Popular como “um fracasso”. Foto: Sarah Fretwell/ UN

Com 96,8% dos votos apurados, 80,76% dos catalães votaram pela separação da Catalunha, que passaria a ser um Estado independente da Espanha. Quem participou da consulta, conhecida como “9-N” (9 de novembro), precisou respoder duas perguntas: “Quer que a Catalunha seja um Estado?”, e “Quer que seja um Estado independente?”.

A consulta popular pela soberania da região foi considerada ilegal pelo Tribunal Constitucional, mas o governo catalão seguiu em frente com o processo mesmo assim e disse que 2.236.806 eleitores participaram, pouco mais de 33% dos que foram chamados a votar. Para o líder do governo regional, Artur Mas, o processo deverá abrir caminho para um plebiscito formal.

Para Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, o índice de participação na consulta pode ser usado tanto pelo governo catalão quanto pelo central. “Podem dizer que 70% das pessoas preferiram ficar em casa e não participar, assim como podem dizer que, considerando a informalidade do processo, é um número alto”. 

Em comunicado oficial, o ministro da Justiça da Espanha, Rafael Catala, declarou que a consulta foi uma “ferramenta de propaganda política organizada por forças pró-independência” e que não tinha nenhum tipo de “validade democrática”. A Justiça espanhola tinha suspendido o processo por considerá-lo um plebiscito de autodeterminação – o que é proibido pela legislação vigente.

Lehmann defende que a Consulta Popular tem uma grande importância simbólica e  que deve ser usada em futuras negociações. Para entender melhor, segue abaixo uma breve entrevista com o jornalista espanhol Jorge Romance, especialista na questão separatista catalã.

Brasileiros: Qual a importância da Consulta Popular já que foi considerada ilegal pelo Tribunal Constitucional?
Jorge Romance: O processo participativo que se viveu no 9-N não tem validade legal de acordo com as leis espanholas porque foi impugnada pelo Tribunal Constitucional. Uma vez realizada, serviu para dar visibilidade a dois milhões de pessoas que querem um novo país. Mais de 2,3 milhões de pessoas, apesar de ser ilegal, votaram, dos quais mais de 80% votou a favor da independência. Eu sempre digo que foi uma grande manifestação em que se contou um a um os manifestantes. Para o movimento pró-independência, foi uma injeção de autoestima e moral.

Que tipo de punição o governo catalão pode receber por ter mantido a consulta?
Ainda não sabemos como atuará a Justiça. As punições por prevaricação e desobediência são penas de inabilitação para cargos públicos e até um ano de cadeia. A Generalitat (espécie de presidência da Catalunha) evitou publicar por escrito a convocação e fez questão de usar voluntários para não se envolver. Somente ofereceu infraestrutura para recolher e contabilizar os votos.

Por que a Espanha resiste à separação da Catalunha?
A Espanha resiste por dois motivos. De um lado, o econômico. A Catalunha é um dos maiores motores econômicos da Espanha. Sua contribuição ao PIB, às exportações e ao turismo é maior do que qualquer outra região autônoma. Os outros motivos são históricos e ideológicos. A Espanha saiu há 40 anos de uma ditadura que tinha como um de seus lemas a unidade do território. A separação rompe com esse mito histórico que domina parte da população espanhola educada nesse período. É um marco gravado a ferro e fogo na cabeça de muitas pessoas, depois de guerras de sucessão, carlistas e civis. Em 1812, argentinos, colombianos, chilenos, uruguaios e cubanos eram chamados de espanhóis de além-mar. Em 1898, quando Cuba e Filipinas deixaram de ser Espanha, acharam que ia provocar uma crise de identidade e política de dimensões trágicas. 

A Catalunha é uma região autônoma. Que tipo de autonomia é essa?
A Espanha é divida em 17 regiões autônomas, mais Celta e Melilla. A autonomia, que é mais ou menos uniforme em todos os territórios, diz respeito à educação, saúde, finanças, gasto público, etc. Para a maioria dos catalães, isso é insuficiente. Em 2010 se tentou uma reforma do estatuto catalão para dar mais autonomia à Catalunha. O Tribunal Constucional barrou o estatuto e é aí que começa essa nova onda pró-independência.

Pouco mais de 30% participou da Consulta Popular. É um número razoável?
Tendo em conta que era uma consulta ilegal, com menos mesas que as eleições normais, é um número razoavelmente alto. Os votos foram um pouco mais baixos que em eleições européias ou referendos das constituições européias. O perfil majoritário era pró-independência, um setor altamente mobilizado. Apenas 100 mil pessoas  votaram pelo “não”, então não dá para se orientar por esse número. Em um referendo legal haveria muito mais participação, como se viu na Escócia. Nesse novo movimento pró-independência, há um alto grau de transversalidade. Desde a esquerda anticapitalista até a democracia cristã. Também tem um alto índice de participação de pessoas que não vêm da Catalunha, vindas da imigração andaluza, aragonesa ou gallega.

A esquerda espanhola apóia a separação da Catalunha?
Em seu conjunto, não. O Partido Socialista Operário Espanhol demonstrou o apoio a Rajoy ao denunciar o 9-N. A Esquerda Unida aprova a possibilidade de um referendo, ainda que defenda um estado espanhol federativo. Podemos, o partido emergente, aponta mais uma possibilidade: a ruptura do regime espanhol, em primeiro lugar, e depois decidir sobre a Catalunha. Mas aprovaram a realização do 9-N. A esquerda de outros povos da Espanha (Galícia, País Vasco, Astúrias e Aragão) demonstraram apoio inequívoco ao catalães.

 

 


Comentários

3 respostas para “Entenda por que a Catalunha quer se separar da Espanha”

  1. Avatar de Júlio César Pedrosa
    Júlio César Pedrosa

    A grafia correta (em português e em espanhol) é CEUTA – com U.

  2. Avatar de Sergio Chagas
    Sergio Chagas

    nunca vi um movimento separatista constitucional….

  3. Avatar de Dirlan Novais Campos
    Dirlan Novais Campos

    Creio que a Espanha é muito grande para ficar refém da Catalunha. Tem um vasto território guardadas as proporções europeias e com potencial para industrializar outras regiões.

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