O Largo do Arouche, no centro de São Paulo, está mais triste e vazio. Na quinta-feira 27, morreu um de seus ilustres moradores, o jornalista e ator Cleber Lacerda Pinto, vítima de tuberculose pulmonar. O corpo foi descoberto por assistentes sociais da ONG Santa Lúcia, que presta serviço à prefeitura de São Paulo junto à população de rua.
Cleber, um paulistano de 58 anos, correu o sério risco de ser enterrado como indigente, pois havia perdido todos os seus documentos e os funcionários não tinham o nome de nenhum familiar que pudesse reconhecer o cadáver. Foi quando seus três inseparáveis amigos de rua, Alemão, Cunha e Roberto, disseram que todos eles tinham sido entrevistados para a reportagem “Vida a céu aberto”, publicada na edição de fevereiro da Brasileiros. Na manhã da sexta-feira 28, a funcionária da ONG Rosalinda Silvestri telefonou para a redação de Brasileiros. Buscava informações sobre Cleber. Foi assim que ela entrou em contato com sua família. “Ninguém merece ser enterrado como indigente”, disse Rosalinda.
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O jornalista foi casado cinco vezes e tinha três filhas. Quem acabou reconhecendo o corpo foi uma das ex-mulheres. A morte de Cleber foi silenciosa e discreta. Depois de beber água e recusar um gole de cachaça, ele foi dar uma descansada no seu cobertor puído. Os três amigos estranharam a demora do cochilo e, por volta das 16 horas, constataram que o amigo, educado e de gestos refinados, havia se rendido às doenças do corpo e da alma. “Eles ficaram arrasados. Encontramos os três muito tristes e chocados”, disse Maria Helena Poletto, supervisora da ONG Santa Lúcia.
Cleber não se impressionava com o empenho das agentes sociais. Apesar de gentil, não se deixava cuidar. “Ele sempre resistiu ao nosso acompanhamento”, diz Maria Helena. Isso pode ter agravado os seus problemas de saúde. Sofria de câncer e de cirrose hepática – doença causada pelo alcoolismo, que há cinco anos o levou a trocar o aconchego de um lar, emprego e família pelos bancos do Largo do Arouche. Já a doença da alma, essa nem ele mesmo podia diagnosticar com clareza. “Não sei ao certo por que vim parar aqui, desespero de causa, talvez… Tudo perdeu o sentido”, desabafou à repórter de Brasileiros, Sindia Santos, na reportagem de fevereiro.
Culto e viajado – conhecia praticamente toda a América Latina -, Cleber trabalhou como jornalista na Record, na Cultura, na Bandeirantes e na Globo, além de atuar como ator em produções brasileiras ao lado de Mazzaropi. Com a documentação e o corpo liberados, o enterro aconteceu no Cemitério da Vila Formosa. A família não foi, mas estavam lá os três amigos e as agentes sociais. “Fizemos questão de trazê- los. Não iríamos deixar Cleber ser enterrado como indigente”, diz Rosalinda.
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