Situação em Mossul continua delicada; 75 mil pessoas fogem

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“Os Campos já estão montados para receber os refugiados. Um pesadelo que parece não ter fim por aqui!”

A missão da equipe de oito voluntários da associação alemã Freunde der Erziehungskunst Rudolf Steiner (Amigos da Arte de Educar de Rudolf Steiner) no Curdistão-Iraque está chegando ao fim. O único brasileiro do grupo, o paulistano Reinaldo Nascimento, de 38 anos, conta hoje, no diário da Pedagogia, publicado com exclusividade pela Brasileiros, seus pensativos, sensações e preparativos para a volta para casa.

Ele está há quase duas semanas em Zahko, atendendo crianças e adolescentes que agora vivem em campos de refugiados. Zahko fica a 80 km de Mossul, terceira maior cidade iraquiana, que foi capturada pelo Estado Islâmico em 2014.

Mossul é a peça mais importante no califado que o grupo terrorista tenta implantar com a ocupação e consequente eliminação de fronteiras de parte da Síria e do Iraque. A tentativa de retomada do controle de Mossul por uma coalização de forças oficiais iraquianas vindas de Bagdå, de soldados do Curdistão baseados em Erbil e de milícias xiitas apoiadas pelo Irã, com o apoio aéreo e logístico norte-americano, faz da cidade o palco de uma guerra sangrenta. O EI, para defender o território ocupado, usa de todos os armamentos, inclusive ataques suicidas com carros e motocicletas e franco atiradores posicionados nos telhados das casas.

Nas residências ocupadas, armadilhas explosivas são instaladas e seus moradores são tomados como reféns. Um verdadeiro inferno.

A situação em Mossul continua perigosa porque os  exércitos aliados ainda não conseguiram chegar ao cerne do Estado Islâmico. Muitas pessoas têm conseguido fugir. “Cada um fala uma coisa em relação ao fim da guerra. Trinta dias, 60 dias, 90 dias. A verdade é que tudo pode acontecer a qualquer momento”, escreve Reinaldo Nascimento. “Um pesadelo que parece não ter fim por aqui!”

Os curdos também não sabem o que esperar de Donald Trump como presidente dos EUA. Reinaldo afirma que muitos parecem não se importar com ele ou nem o conhecem direito. Outros pensam que ele pode ser perigoso por que não compreendem o que Trump quis dizer com “usar os curdos” para acabar com o Estado Islâmico.

Leia, a seguir, o relato de Reinaldo Nascimento, que também é cofundador da Associação da Pedagogia de Emergência no Brasil, um grupo organizado que capacita educadores para lidarem com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, muitas vezes traumatizadas pela violência da guerra não declarada das periferias das grandes cidades.

Zahko, 16 de novembro de 2016.

O trabalho desta intervenção está chegando ao fim… Hoje foi o último com as crianças nos dois campos. A sensação é muito boa, pois os times que foram formados aqui estão bem animados e a qualidade do trabalho já é reconhecida pelos quase 40 mil moradores. As pessoas nos param nas ruas para agradecer o trabalho que fazemos com as crianças e perguntam por que não abrimos mais espaços para as crianças? Vontade não falta!

Disseram-nos hoje que existe a possibilidade de ganharmos mais duas salas. Assim, poderíamos atender mais crianças. Disseram também que o nosso trabalho tem sido muito recomendado nos outros campos aqui no Curdistão-Iraque e há uma grande possibilidade de podermos formar mais professores que trabalham nos campos. Trabalho não faltará!

Hoje também conversei com Susan, nossa colega. Ela só poderá trabalhar conosco alguns dias da semana, pois decidiu voltar à escola e tentar uma nota melhor. Como teve de fugir do Estado Islâmico, não terminou o ensino médio, mas agora conseguiu uma vaga na cidade e, claro, não pode perder a oportunidade. Todos do time ficaram felizes por ela!!!

Maia, minha aluna de 10 anos, me cobra o curdo, mas é Susan quem mais me ensina. No começo, eu ficava meio confuso. Ela me ensinava palavras, frases, eu estudava e decorava o que precisava para as aulas seguintes. As crianças entendiam bem e se divertiam com o meu sotaque, mas os colegas curdos de Zahko e de outras cidades não me entendiam.

Só depois é que tudo se explicou. Susan vem das montanhas, falava um dialeto que não se fala nas cidades. As crianças me entendem porque 90% delas vêm das montanhas. Parece que cada cidade no Curdistão fala outro dialeto, mas os curdos se adaptam rápido.

A situação em Mossul permanece delicada! Os exércitos aliados ainda não conseguiram chegar ao cerne do Estado Islâmico. Muitas pessoas têm conseguido fugir. Ao todo, de acordo com os noticiários daqui, quase 75 mil pessoas. Cada um fala uma coisa em relação ao fim da guerra. Trinta dias, 60 dias, 90 dias. A verdade é que tudo pode acontecer a qualquer momento.

Campos já estão sendo montados para receber os refugiados. Um pesadelo que parece não ter fim por aqui!

Também se fala muito, mas menos do que eu esperava sobre a vitória de Donald Trump. Muitos parecem não se importar com ele ou nem conhecê-lo direito. Alguns acham que, por ele ser louco e falar muita merda, pode ser perigoso também. Pergunto o que pode ser perigoso e alguns dizem que Trump dissera uma vez em sua campanha que os EUA deveriam usar s curdos para acabar com o Estado Islâmico. Mas não estão certo do que esse “usar os curdos” realmente significa. Alguns acreditam que ele quer que os curdos se danem lá na parte da frente da guerra para que o Exército norte-americano chegue mais tarde acabando com o restante; outros acreditam que ele só quis dizer o quanto o soldado curdo é corajoso. Sei lá!

Amanhã não vou para o campo e sinto certa tristeza! Estamos todos cansados, mas todos do time gostariam de voltar lá amanhã. No entanto, temos tantas coisas para resolver com os nossos colegas curdos. Precisamos comprar panos, arrumar as malas. Esses coletes e capacetes à prova de bala são pesados e chatos para colocar nas malas.

É bem provável que eu volte algumas vezes no ano que vem… Maia me disse para não ser preguiçoso neste tempo e continuar aprendendo. Se vocês souberem de alguém que fale curdo de Zahko ou de Sinjai, por favor, me avisem!

Muitas pessoas me escrevem querendo saber se acordei melhor hoje? Acordei sim. Uma grande amiga me mandou uma mensagem pedindo para eu olhar o que fizemos e não o que ainda não foi feito! Esta frase me ajudou, pois a verdade é que o nosso trabalho aqui, apesar de tudo, tem sido um grande sucesso!

Eu me pergunto, todas as noite, se Maná está bem. Ele me prometeu escrever, mas quem está numa guerra tem lá tempo para escrever? Se o garoto de 10 anos poderá ser atendido. Se os professores doentes conseguirão tratamento necessário? Se o lixo deixará de ser queimado na cara de quem vive no campo Chamishku. Como isso me deixa triste. Estamos contatando outras organizações aqui para pedirmos uma solução para esse problema.

As pessoas que vivem nos campos aqui não querem voltar para sua terra natal? Para mim, isso é muito raro. Minha avó, antes de morrer, sempre dizia que queria morrer em sua casa. Meu pai, quando se aposentou, foi viver no Estado em que nasceu. E aqui, as pessoas não querem voltar. Não consigo imaginar a dor que sofrem.

Elas não são fracas e nem covardes. Elas saberiam reconstruir suas casas, pois estão reconstruindo os campos e fazendo deles suas novas moradias. Muitos dos adultos com quem conversei me disseram que o medo e o terror que viveram em suas terras foram grandes demais para ser suportados por seres humanos normais.

O medo de que tudo possa acontecer novamente não os permitem voltar para as suas casas.

Eu gostaria de ficar mais uma semana, mas isso não é possível e, sendo assim, o que eu mais quero agora é voltar para a casa! Estar ao lado das pessoas que amo, das ruas que conheço, da padaria em frente ao condomínio, da represa Guarapiranga, do sofá branco e de quem se deita ali ao meu lado, do pastel e do pão de queijo, da tapioca, do arroz e feijão feitos no Brasil…

Um forte abraço!

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A situação em Mossul continua perigosa porque os exércitos aliados ainda não conseguiram chegar ao cerne do Estado Islâmico.

Reinaldo Nascimento

 


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