Sob os escombros da ex-URSS

A 16ª edição do É Tudo Verdade, que termina no domingo (10), presta uma justa homenagem à documentarista russa Marina Goldovskaya. O festival realiza uma retrospectiva de nove dos seus quase 30 documentários, realizados ao longo de quase meio século de carreira, que começou como operadora de câmera, em 1964, no teledocumentário Quando o Sol Não se Põe. Marina Goldovskaya estará nesta quinta-feira (7) na abertura da 11ª Conferência Internacional de Documentário, a partir das 14h30, na Cinemateca Brasileira de São Paulo. O tema da mesa será Uma Mulher com uma Câmera: uma Homenagem a Marina Goldovskaya, com mediação de Amir Labaki, fundador e diretor do É Tudo Verdade.
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Também nesta quinta, no Cine Livraria Cultura será exibido o último documentário que ela realizou, de 2010, O Gosto Amargo da Liberdade, um retrato da sua ex-aluna e amiga, a jornalista russa Anna Politkovskaya, assassinada em 2006. Anna trabalhava no jornal moscovita Novaya Gazeta e fazia matérias investigativas sobre abusos de poder de políticos russos, principalmente do governo Vladimir Putin. Na época do crime, até hoje não solucionado, Putin declarou categoricamente que os culpados seriam encontrados e punidos. Mas nada foi feito. É sobre pessoas combativas e inconformadas como Anna e sobre essa Rússia que se transmuta que Marina Goldovskaya aponta sua câmera para registrar e deflagrar um país em desmantelamento moral e ético. Marina vive hoje nos Estados Unidos e é coordenadora do curso de documentário da UCLA (Universidade da Califórnia), mas sempre passa um tempo na Rússia. Até porque, para ela, lá o sol nunca se põe e precisa ser registrado.

Se passar, não deixe de ver!

Esse ano, toda a programação do É Tudo Verdade estava muito boa, com diversos documentários imperdíveis. Ficou difícil se programar diante de tantas boas opções. Para quem não teve ainda oportunidade de ir ao festival, vamos deixar algumas dicas de filmes que ainda podem ser vistos. Outros, que já passaram, poderão entrar na programação de domingo (10) do Cine Livraria Cultura. Programe-se!

Na programação da Competição Brasileira, vocês podem conferir o registro sobre o maior latifúndio do Brasil na década de 1970, a fazenda Suiá-Missu, no Mato Grosso, no documentário Vale dos Esquecidos, de Maria Raduan. Outro documentário dessa competição que ainda vai passar é Dois Tempos, de Arthur Fontes e Dorrit Harazim, que mostra a ascensão da nova classe média brasileira, exaltada e propagandeada pelo governo Lula e, agora, de Dilma Rousseff. O artista plástico Nelson Leirner é tema do documentário Assim É, Se Lhe Parece, de Carla Gallo. Há ainda os documentários que já passaram, mas que podem entrar na programação de domingo.

Não deixe de ver, por nada nesse mundo, o documentário Vocacional, Uma Aventura Humana, de Toni Venturi, que teve duas sessões lotadas, com dezenas de pessoas do lado de fora, e que é nossa aposta para ganhar o prêmio de Melhor Documentário Brasileiro (caso seja premiado, o filme será exibido no sábado, no encerramento do festival, quando os vencedores da 16ª edição serão anunciados). O filme é um belo registro pessoal do diretor, que foi aluno de um dos Ginásios Vocacionais em São Paulo, de uma experiência revolucionária na educação pública brasileira, e que foi abortada em 1969, pelo regime militar. Vale também conferir os filmes Tancredo, a Travessia, de Silvio Tendler, um perfil político do presidente Tancredo Neves, além do documentário-denúncia Carne, Osso, de Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros, sobre a rotina desumana de trabalho em frigoríficos brasileiros. O filme é ágil na montagem e traz depoimentos muito fortes, mas peca pelo maniqueísmo.

Dentro da programação competitiva dos curtas brasileiros, vale a pena conferir Coutinho Repórter, de Rená Tardin, que traz um registro do sempre divertido e instigante documentarista Eduardo Coutinho. Ele fala da sua experiência no Globo Repórter, que na década de 1970 e princípio da década de 1980, fazia um jornalismo investigativo e de denúncia, bem diferente do que é hoje. Outro depoimento divertido e necessário é do antropólogo e político Darcy Ribeiro, registrado no documentário Meia Hora com Darcy, do diretor Roberto Berliner. Ele fez uma entrevista com Darcy em dezembro de 1996, dois meses antes da morte do antropólogo, em decorrência de um câncer de próstata. Algumas de suas falas e pensamentos são geniais e desconcertantes. O diretor disse, antes da exibição do filme, que aquele era seu documentário mais verdadeiro, e todos riram, sem entender. Há um momento em que Darcy chama uma pergunta do diretor de “burra”.

Dentro da programação de documentários estrangeiros, há ainda a oportunidade de ver The Black Power Mixtape, de Göran Hugo Olsson, que recupera um material perdido por três décadas de uma emissora sueca. O filme traz imagens, em preto e branco, da luta pelos direitos civis dos Movimentos Negros, entre os anos 1960 e 1970, que fizeram a América entrar em ebulição e mudar. Outro documentário estrangeiro muito bom é Reagan, de Eugene Jarecki, um retrato sem retoques do ex-ator e presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan (1911-2004). No documentário, aparecem as contradições do homem e do seu tempo. Para encerrar, cabe aqui falar do filme Vapor da Vida, de Joonas Berghäll e Mika Hotakainen. O longa mostra como as saunas na Finlândia servem de verdadeiros divãs para os homens, que trocam confidências humanas uns com os outros. Belas imagens de um país e do seu povo, quase desconhecidos por nós.

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