Sociedade alternativa

Vizinho da esquina eternizada por Caetano Veloso em Sampa, a 50 m de quem desce o cruzamento das avenidas Ipiranga e São João a caminho do Vale do Anhangabaú, o extinto Hotel Columbia Palace dá provas de que experimenta uma espécie de “ressurreição”.

Construído nos anos 1940, era o preferido de outro célebre baiano, Raul Seixas, em suas passagens por São Paulo. Abandonado havia quase duas décadas, deixando uma dívida que inviabilizou sua reintegração e que conferiu à Prefeitura de São Paulo o direito de posse, no dia 3 de outubro do ano passado, em pleno primeiro turno da sucessão presidencial que elegeu Dilma Rousseff como presidente do País, o Columbia foi ocupado por 80 famílias ligadas ao movimento FLM – Frente de Luta por Moradia.

Há um ano, desde então, o hotel tornou-se uma “sociedade alternativa”, para mais de 400 pessoas. A reportagem de Brasileiros foi até lá ouvir relatos de uma história de luta, acolhida por iniciativas como as do Comboio, coletivo de jovens que lidera ações culturais e educativas em ocupações e que revela evidências de atuação de uma geração apartidária e bem distante da velha dicotomia direita-esquerda. Jovens unidos em nome da defesa da “vida e do ser humano”, como define Caio Castor, um dos líderes do Comboio.

O porteiro Nilson gentilmente nos recebe, e aguardamos no saguão a autorização para subir. Instalado no 2o andar do Columbia, o quarto 201 e sua inusitada decoração demonstram, de cara, vestígios de que ali mora alguém dotado de grande criatividade.

Ao lado da ampla porta-janela que dá vistas para a Avenida São João e para a Galeria do Rock, quatro pilastras de cerâmica de pias de banheiro sustentam duas pranchas de madeira idênticas. Dessa inusitada composição surge uma ampla estante de “dois andares”. As paredes do quarto estão repletas de telas pintadas à mão por Nazaré Brasil e revelam a segunda obsessão artística da cenógrafa paraense.

Em um dos quadros, o desenho de uma janela é sobreposto por uma imagem em estêncil de Raul Seixas ao lado de um violão. Nazaré é grande fã de Raul e conta que chegou ao quarto que hospedava o cantor por mero capricho do acaso. Isso e algo mais.

Apesar da vista privilegiada, ela diz, ninguém havia se interessado pelo quarto, por conta de sua desprezível condição. Pau para toda obra, Nazaré reservou o espaço e pôs-se a trabalhar para transformá-lo em seu lar doce lar.

“Gosto muito de rock e o Raul sempre me marcou. Desde a infância, tive boa formação musical. Lembro que ouvia discos dos Beatles e do Raul na vitrolinha dos meus pais. Uma senhora que mora aqui é que soube dessa história e comentou comigo que ele se hospedava neste quarto. Uma sintonia muito boa. Acho que ele estava me ‘esperando’ e acredito muito que todos os meus propósitos serão alcançados neste prédio. Vim a São Paulo para retomar minha carreira, ainda quero fazer muita coisa nessa vida e aqui é o melhor lugar para produzir e expressar minha arte.”

A chegada de Nazaré ao Columbia é o capítulo mais recente de uma vida itinerante e de muitos percalços. Quando criança, vinda de Belém do Pará, sua terra natal, chegou a morar no Centro de São Paulo por mais de 10 anos, ocasião em que veio à cidade acompanhando sua mãe, contratada para trabalhar com uma família judia.

Em Belém, dificuldades financeiras fizeram com que ela abandonasse o terceiro ano de um curso de Artes Plásticas na UFPA, mas Nazaré chegou a trabalhar em shows musicais, produzindo a cenografia de palco para bandas como Cidade Negra e Tribo de Jah, além de espetáculos teatrais diversos, que culminaram em trabalhos para o secular Theatro da Paz, um dos mais belos do País, herança da era de ouro do Ciclo da Borracha.

No final de setembro de 2010, Nazaré estava no pantanal mato-grossense morando com a mãe, e recebeu o convite da irmã, que já vivia em São Paulo, para vir com urgência à cidade. Sua irmã milita na FLM há seis anos, e soube que uma ação articulada, que envolveria mais de 2 mil credenciados, ocuparia três prédios no Centro de São Paulo – um na Avenida Ipiranga, outro na avenida 9 de Julho, e o terceiro no Hotel Columbia, na São João.

Destino que Nazaré e os companheiros somente souberam dentro dos ônibus que os levaram da sede da FLM, na Fazenda da Juta, bairro periférico do Município de Mauá, às ocupações no Centro.

Nazaré chegou a São Paulo ao meio-dia daquele sábado. À meia-noite, integrava o grupo que desembarcou dos ônibus no Largo do Paissandu – praça ao lado do hotel – e por ali ficou a simular uma vigília, com cantos de louvor e gritos de “aleluia!”, para dissimular as reais intenções do grupo da polícia, que começava a se avolumar no local.

Apreensiva, Nazaré ouviu de um monitor a recomendação para que todos seguissem até a porta do hotel, mantendo as orações, acrescida do conselho “quando parar uma Kombi, façam todos uma corrente para dar proteção aos homens que vão sair da Kombi para arrombar a porta”.

A Kombi chegou, a porta foi ao chão. Nazaré foi a primeira colocar os pés – devidamente protegidos com uma extensa galocha de borracha – dentro do hotel. Ali, flagrou duas crianças que haviam invadido o andar térreo para cheirar cola. Viu muito lixo e pilhas de pombos mortos. Ao contrário da ocupação na Avenida Ipiranga, fortemente repreendida e inviabilizada pela polícia, a tomada do Hotel Columbia ocorreu de forma pacífica.

A escolha da ação no dia do primeiro turno das eleições presidenciais foi estratégica. Em dias de votação, salvo flagrantes de crimes inafiançáveis, como homicídio ou latrocínio, ninguém pode ser preso no País.

Mesmo assim, a vigília policial proibiu que todos entrassem ou saíssem do prédio nas primeiras 24 horas de ocupação. Até mesmo alimentos e água foram impedidos de serem levados aos novos moradores que, já no dia seguinte, por volta das 4h30, começaram a retomar a vida normal para cumprir a rotina nos seus trabalhos.

Água e luz só chegariam para todos dois meses depois, graças ao trabalho de Nilson Cassemiro da Silva, 54 anos, mineiro, que chegou sozinho a São Paulo, em 1970. Nilson foi servente de pedreiro, padeiro, garçom e, por fim, açougueiro, por mais de 20 anos, até sofrer um corte que, segundo ele, limitou os movimentos de sua mão direita.

O trabalho feito por Nilson é visível. E impressiona pelo esmero. No vão central do prédio dezenas de tubos de PVC e cabos de alta-tensão ramificam-se pelos seis andares, e atestam a capacidade do açougueiro de superar desafios.

Analfabeto, Nilson nunca foi eletricista, tampouco encanador, mas bastou ver profissionais fazendo esse trabalho para iniciar a experiência, repetir gestos e ir aprimorando sua técnica voluntária.

“Minha mãe dizia que a gente não deve ter vergonha das coisas da vida, e eu não tenho vergonha de dizer que não tive chance de ter estudos. Tentei estudar depois de mais velho, mas sofri um acidente de carro e fiquei oito dias sem memória. Esqueci o pouco que aprendi, e acho que também perdi a capacidade de aprender, mas nem por isso deixo de lutar.”

Sem trabalho, desde o tal acidente na mão, e aguardando uma definição judicial para o caso, Nilson veio de São Mateus, na periferia da zona leste da cidade, onde morava com a mãe e onde conheceu a FLM.

Desde que chegou ao Columbia tem feito o papel de porteiro do prédio, trabalhando das 19 às 7 horas por um salário mínimo pago pelos moradores. Nos dias de folga, visita a mãe, mas confessa um enorme prazer em permanecer em casa: “Gosto de ficar no prédio. Depois de tanto sofrimento, é preciso aproveitar as coisas boas que conquistamos. Às vezes, deito e não consigo dormir, pensando ‘meu Deus do céu, será que vai dar tudo certo? Essa expectativa por um sim ou um não deixa a gente angustiado, mas é preciso lutar e saber esperar a hora certa. Nunca coloquei na minha cabeça coisas do tipo ‘estou velho e não adianta insistir’. Do começo ao fim da vida, quem pensa assim nunca vai alcançar nada”, adverte.

Outro que aposta na capacidade individual de superação é o baiano Wilson, de 52 anos. Wilson chegou aos 10 anos em São Paulo acompanhando a mãe, que veio fazer tratamento de uma grave doença. A família tinha posses, e inclusive uma fazenda em Rui Barbosa, mas caiu em declínio após a morte da matriarca. Infortúnio que fez com que ele nunca mais voltasse à Bahia.

“Nunca voltei. E não lembro nem o caminho de volta… Se é pela Raposo Tavares, ou pela Anhanguera”, brinca.

Casado por 15 anos e pai de seis filhos, Wilson definhou por longos sete anos na rua, vivendo às custas do lixo reciclável que catava e aliviando o torpor da vida difícil com litros e litros de pinga.

“Passei sete anos na rua sem a ajuda de ninguém, porque nunca corri do trabalho para viver. Se eu estivesse por aí de arma na mão ou trombando bolsinha, teriam enorme prazer em me levar para o xilindró e me dar café da manhã, almoço e banho de sol. Para sustentar o cara na cadeia, o governo tem dinheiro de sobra, mas para a habitação não tem um centavo.”

Wilson é o único morador do Columbia que não veio das ações de base e foi parar lá com um generoso empurrão do acaso. Vanessa, uma de suas filhas, era uma das quase 600 pessoas apinhadas em frente ao hotel. Wilson, capricho do acaso, repousava no Largo do Paissandu com sua carroça quando se deu conta da ação que iria acontecer em minutos e foi para a porta do hotel. Ali, deu de cara com a filha, que não o via há meses e que não hesitou em levá-lo para a ocupação. Vanessa ficou apenas dois meses no Columbia, porque conseguiu financiar outro apartamento e cedeu o quarto que havia conquistado para o pai.

Antes de chegar ao centro, Wilson viveu por três anos no bairro de São Miguel Paulista, em uma praça ao lado do Hospital Municipal Tide Setúbal, que, segundo ele, oferecia banho e comida para moradores de rua. Wilson diz não se lembrar se era bom ou ruim esse tempo, porque vivia bêbado, mas que abandonou voluntariamente o vício há quatro anos: “Me cuidei por um único motivo: vergonha na cara! Descobri que quem tinha de gostar e cuidar de mim era eu mesmo e mais ninguém!”.

A entrevista com Wilson ocorre na “recepção” do Columbia. Depois do fim de nossa conversa, o silêncio é rompido com a entrada de uma motocicleta de 125cc equipada com um baú. Mário dos Santos Fontes, de 32 anos, é apresentado por Nilson que, apesar de estar de folga, não arreda o pé da portaria e recomenda ouvirmos Mário, pois “ele, como Nazaré, também é um grande artista!”.

Mário canta em uma inusitada dupla, intitulada Mesclaboys, que aposta em um hibridismo pouco explorado. Quer somar os trinados agudos da música sertaneja à batida grave e às rimas do hip hop. Morador da favela Iguatemi, na zona leste, ele ingressou na FLM quando a casa em que vivia com a esposa e outros três meninos – dois filhos da mulher e um filho do casal – ameaçou desmoronar e ser “levada” pelo córrego vizinho.

Mário relata que abandonou a casa, montou um barraco de madeira a poucos metros dela e que, a convite de um amigo que estava há mais tempo na fila, foi parar no Columbia para reservar um quarto. Acabou ficando por lá e, hoje, trabalha em uma pizzaria, por 12 horas diárias, com direito a uma única folga semanal.

Como os outros moradores, Mário tem boas expectativas: “O dono abandonou isso aqui por quase 20 anos, sem pagar impostos, e não pode reintegrar o imóvel. Está tudo nas mãos do governo e a gente está aqui plantando nosso sonho com muita garra e união”.

DE POUCOS PARA MUITOS

Antigo hotel de luxo de São Paulo, o Cambridge vai se transformar em habitação popular
por Amanda Assad, Daniele Torres, Felipe Schmieder e Nádia Fuzinato

Foto Camila Picolo

Outro edifício histórico do Centro de São Paulo, o Hotel Cambridge, foi recentemente desapropriado pela Prefeitura e será transformado em habitação popular. Localizado na Avenida 9 de Julho, o Cambridge viveu seu auge nas décadas de 1950 e 60, quando o centro respirava arte, música e vida boêmia. Atores, fotógrafos, jornalistas, personalidades, músicos de jazz, como o americano Nat King Cole, astros da bossa nova e da MPB, passaram pelo hotel, como hóspedes ou atrações artísticas. Desativado há sete anos, a parte térrea do hotel recebeu mudanças e, desde 1998, passou a abrigar seis estabelecimentos que funcionam como bares durante o dia e, à noite, dão lugar à realização de festas. Arrendado pelo empresário Francisco Mafra Filho, o antigo bar do Cambridge deu lugar ao Bar D’Hotel – onde nasceu a conhecida festa Gambiarra, que hoje roda o País. Entre 2002 e 2007, ambientes como a lavanderia, o centro de convenções e o restaurante se transformaram, respectivamente, em Bar Tarsila, Salão da Vinci e Portinari Bar. A compra de um espaço anexo também deu origem ao Clube Salvador Dalí. Apesar de toda essa movimentação noturna, basta subir o primeiro lance das escadas circulares de mármore – os elevadores já se encontram interditados há muito tempo – para se deparar com um hotel fantasma. Nenhum sinal do luxo de outrora. Em fevereiro de 2010, o prefeito Gilberto Kassab assinou o decreto de desapropriação do imóvel, avaliado em R$ 6,5 milhões. A ação faz parte do Programa de Habitação e Requalificação do Centro (Programa Renova Centro), no qual a prefeitura prevê a criação de 2.500 unidades habitacionais para famílias de baixa renda, em 53 prédios do Centro de São Paulo. Após uma batalha judicial que durou um ano, havia duas possibilidades: os antigos donos poderiam reabitá-lo, em até três anos, ou seriam obrigados a entregar o Cambridge. Sem interesse, optaram por vendê-lo. Segundo Ricardo Pereira Leite, secretário municipal de habitação de São Paulo, o número de habitantes que se desloca para o Centro a trabalho é de aproximadamente 336 mil pessoas, enquanto o número de residentes da região, que se encontra desvalorizada, é de apenas 20 mil. Os 15 andares do Cambridge passarão por reformas e os 119 apartamentos darão espaço a 115 unidades com cerca de 38 m². Também estão previstos a criação de espaços de uso comum, como um salão de festas para os futuros moradores e lojas.

 

Acreditar em sonhos e torná-los reais parece uma máxima compartilhada por todos ali dentro. Quando os novos moradores do Columbia enfrentaram as primeiras chuvas e se deram conta de que o telhado do 6o andar estava completamente vulnerável, alagando os andares abaixo, Nazaré decidiu fazer um festival de rock para levantar verbas que viabilizassem o conserto. Encontrou no assistente de cobrança paulistano David Martins, 35 anos, um parceiro engajado.

O primeiro contato de David com a FLM deu-se em 2005, mas somente em 2009 ele integrou o movimento. Também egresso da zona leste – condição que demandava quatro horas diárias perdidas em coletivos no trânsito da cidade para ir e voltar ao trabalho -, David teve experiências amadoras de produção de espetáculos teatrais e shows, e não hesitou em tomar a dianteira com Nazaré sabendo que teria de enfrentar alguma reprovação dos líderes da FLM às ideias que nutriam.

“Muitos vieram nos contrariar, dizendo que tinham 30 anos de movimento e que ninguém nunca havia feito isso. Que ia dar confusão, consumo de drogas e problemas com a polícia. Penso que os movimentos de minorias ganham muita força quando tem cunho social e cultural maior do que os interesses políticos. Estamos montando, agora, um cineclube, e ele terá a preocupação de exibir filmes que ajudem a formar a personalidade das pessoas, que as ensinem o poder da reflexão e a força de acreditar que, na vida, podemos fazer tudo o que quisermos.”

Quanto ao festival? Sim, ele aconteceu, no próprio Columbia. Teve o apoio de fotógrafos, artistas plásticos, lojistas da Galeria do Rock e, graças à articulação para tornar real o evento sonhado, as infiltrações do velho telhado são um problema superado.

O futuro cineclube é uma iniciativa conjunta de David e Nazaré – que após o êxito do festival foram reconhecidos pela FLM como coordenadores culturais do movimento – e do coletivo Comboio, agrupamento de jovens voluntários que suscita evidências do surgimento de uma geração que abre mão de extremismos ortodoxos, não se filia a partido algum, mas que parte para ações efetivas na construção de um mundo melhor.

O fotógrafo Caio Castor, um de seus fundadores, esteve à frente de um episódio que ganhou as páginas das editorias de cotidiano de grandes jornais paulistanos na véspera do Réveillon de 2011: a ocupação da casa da família Buarque de Holanda, na Rua Buri, no Pacaembu, bairro nobre da Zona Oeste de São Paulo.

O episódio foi protagonizado por Caio e Jeff Anderson, estudante de Ciências Sociais da PUC, que chegou a morar em favelas por mais de dois anos para elaborar o projeto BioUrban, que defende o conceito de “ocupação criativa”, integrando ações culturais e sociais. Quando soube do trabalho de Anderson, Caio fez questão de ir conhecer de perto um dos lugares visitados por ele, um enorme prédio industrial da Avenida Prestes Maia, também no Centro de São Paulo, que, desde 2007, tornou-se a maior ocupação vertical da América Latina, agregando mais de duas mil pessoas.

Caio pretendia fazer um vídeo registrando as condições de vida no local, mas foi tomado por algo, segundo ele, muito maior. “Tive um choque de realidade. Morei a minha vida toda no Centro e nunca ouvi falar do Prestes Maia.”

Os dois acabaram se aproximando e, meses depois, com a ocupação da casa da família de Chico Buarque, decidiram fundar a Comboio, organização sem fins lucrativos que promove ações culturais e oficinas educacionais. Em contraponto à truculenta ação que expulsou os moradores do prédio ocupado na Avenida Ipiranga, Caio provoca: “Uma semana depois que ocupamos a casa dos Buarque de Holanda , um grupo em Paris, chamado 5a Feira Negra, ocupou um prédio de luxo no centro de Paris. A imprensa daqui associou os dois fatos e começou a nos dar projeção e força. Não tardou para a Folha de S.Paulo e o Estadão virem atrás da gente e, veja como são as coisas, enquanto gente comum ocupa e leva porrada, fomos tratados de maneira completamente diferente. O delegado nos recebeu sorrindo. Disse que a gente estava reinventado a esquerda. Lógico que pensamos em reinterpretar esses símbolos e ser vitrine de várias questões, mas eu não sei se podemos chamar isso de uma reinvenção da esquerda. A coisa fundamental para nos unir é o consenso de que todos somos a favor da vida. Algo que é muito maior do que a esquerda ou a direita. O encontro de pessoas que são a favor do ser humano e da vida e não do capital ou da posse. É preciso perceber o quanto essa mudança de propósitos transformará nossa sociedade”.

Ecos do discurso de Caio surgem na voz do cearense Gonçalo Gonçalves de Farias que, como Nazaré e Nilson, chegou ao Columbia no primeiro dia e trabalhava, há mais de dez anos, como zelador de um prédio na Mooca, bairro onde vivia, de cortiço em cortiço, até encontrar refúgio no hotel.

“É preciso formar uma nova geração de brasileiros com real consciência. Não faço a defesa de partido algum, mas sei que é preciso diálogo para construir uma sociedade mais realista e com mais amor ao próximo. Dói no meu coração saber que eu preciso dividir 1 kg de arroz com alguém que passou fome por dias, porque falo de alguém que tem 45, 50 anos e não encontra trabalho.”

Farias vive com um primo, no quarto 602, e diz trabalhar “virado num danado” para se manter empregado e ter a certeza de que o dia em que vier a moradia terá condições de pagá-la.

Como todos os outros personagens que entrevistamos, ressalta o ambiente acolhedor do Columbia. “Por aqui, as crianças brincam livres pelo prédio o dia todo. Tomo café na casa de um, bebo uma cervejinha na casa de outro. Por onde ando, todo mundo me acolhe. E a vida aqui é só alegria. Gosto de compartilhar com eles a esperança de um dia conseguir esse teto. Estamos nessa pindaíba toda por causa da corrupção, porque a habitação é um direito de todo brasileiro, mas não sobra dinheiro para construir casa. Lugar de político ladrão devia ser a cadeia. Uma vez que teve a chance de chegar ao poder e não representou o povo com dignidade, que só pensou em roubar, jamais poderia voltar para a política. O cara é mandado embora por justa causa e fica queimado, não arruma emprego em lugar nenhum. Não é isso que acontece? Por que não fazem o mesmo com os políticos?”. Com a sábia analogia de Farias, nossa reportagem se despede do Columbia.


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