Sonho e pesadelo, ciclos da vida

Aos leitores que me cobraram a atualização do Balaio e a liberação de comentários, explico que só cheguei agora de viagem e tive, novamente, problemas de conexão com o notebook, meu genioso computador ambulante, que só funciona quando quer, onde quer.

Vocês sabem que não deixo de escrever nos feriados, nem no dia de Natal. Nem é por obrigação. Gosto disso. Mas não tem coisa pior do que escrever e não conseguir publicar.

Já aconteceu muito isso comigo nos tempos do telégrafo, do telex, das antigas marmitas que antecederam os laptops, mas minha incompatibilidade com as máquinas supera todas as conquistas tecnológicas. Nunca a gente consegue escrever de novo, do mesmo jeito, aquilo que se perdeu no espaço.

O bom do Balaio é que quando eu não publico texto novo, os próprios leitores fazem isto por mim, como aconteceu hoje com o Samuel, um dos nossos melhores comentaristas, às 12:45.

Ele me sugeriu escrever sobre o 21 de abril e as semelhanças entre a luta de Tiradentes contra a derrama dos impostos imperiais e o sacrifício dos brasileiros que estão enfrentando o Leão neste momento.

Mas o Samuel se empolgou com a sugestão e acabou escrevendo ele mesmo a matéria completa, melhor do que eu faria, cuja leitura recomendo (está nos comentários do post “Por que tanta gente quer ser jornalista?”.

Queria ter publicado ontem e o faço hoje, aproveitando este feriadão sem grandes novidades, uma breve reflexão sobre a vida para justificar o título acima.

Quantas vezes a gente não vai deitar, sonhando ainda meio acordado um sonho bom, na certeza de que tudo vai dar certo e, sem que nada tivesse acontecido de novo nas horas mortas da noite, amanhecemos cheios de pesadelos, pensando em compromissos, cobranças, maus presságios?

À medida em que as horas do dia caminham, as coisas vão acontecendo, boas ou ruins, independentemente dos nossos sonhos e pesadelos, das nossas pré-ocupações e desejos.

Será que em algum lugar já está tudo escrito e cabe a nós apenas seguir o roteiro que nunca nos foi mostrado? Alguns chamam a isso de destino, algo que nos seria dado ao nascer, um prato feito, como se nada pudéssemos fazer para mudá-lo.

Mas tivemos neste final de semana um caso que me fez pensar sobre o destino de cada um e estes sonhos e pesadelos que povoam nossas horas de repouso – por vezes, mais cansativas do que o próprio trabalho, tão doidos e suados acordamos.

Com a vida louca que levou nos últimos anos e as graves e recorrentes contusões e cirurgias sofridas, parecia que o destino de Ronaldo estava selado, nunca mais voltaria a ser o que era.

Pois ao ver a arrancada que ele deu em cima do pobre do Rodrigo, deixado na poeira, para fazer o segundo gol do Corinthians e matar o São Paulo no jogo de domingo, dando um tapinha por cima do Bosco, fez a gente lembrar porque ele é chamado de Fenômeno. Pelo menos, agora, tata-se de um fenômeno de sobrevivência.

Quem mandou cutucar a fera com aquela besteira de chamar o Fenômeno de “ex-jogador”, como fez um diretor do São Paulo que não merece nem ter o nome dele publicado aqui? Talvez, depois dessa, já seja um ex-diretor

Fenômeno é um cara que faz tudo o que um atleta não deve fazer e ressuscita para o futebol a cada nova curva de um destino que, para qualquer outro, poderia significar o fim da linha.

Nem em seus melhores sonhos, imagino que Ronaldo outra vez Fenômeno (e eu que já o chamei aqui de Ronalducho) pudesse sonhar com um gol como este que levou o Corinthians às finais do Paulistão.

Muito menos dá para saber quantos pesadelos ele teve nestes últimos tempos, com tantas coisas ruins acontecendo em sua vida, apanhando de tudo que é lado, pisando feio na bola da vida.

Vendo hoje de manhã, na praia deserta, a maré subir na hora de sempre, pensei mais uma vez como não adiante ir contra a natureza das coisas, mas também não podemos perder as oportunidades que surgem à nossa frente, nem devemos correr riscos desnecessários.

Uma semana atrás, a ressaca brava, com ondas de três metros de altura, recomendava a pescadores e surfistas que não desafiassem o mar, mas muitos deles arriscaram. Alguns morreram.

Ronaldo, por sua vez, não desperdiçou a chance que o Corinthians lhe deu, talvez a última, para ser feliz jogando bola.

Se bem que, no caso dele, deve-se tomar muito cuidado, e nunca falar em última chance.

Ele já teve várias – e aproveitou todas. Apesar de são-paulino, fiquei feliz pelo Ronaldo, por ter dado a volta por cima, e sorrido de novo para a torcida, como um menino que se reencontrou com seu destino, ao mesmo tempo tão doce e tão amargo, a exemplo do que acontece com cada um de nós, filhos de Deus, célebres ou anônimos, não importa.

A cada noite precisamos transformar os pesadelos da manhã num novo sonho bom de ser sonhado – e, de preferência, vivido. Faz parte dos ciclos da vida, dos altos e baixos que vão nos empurrando para um novo dia, apesar de tudo.


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