Questionado sobre a possibilidade de os integrantes do Clube da Esquina se reunirem novamente em um grande espetáculo, como nos velhos tempos, o letrista Márcio Borges, amigo antigo e primeiro parceiro de Milton Nascimento, não alimentou muita esperança. Para ele, dificuldades de agenda e os diferentes rumos que cada um tomou inviabilizariam a ideia, tornando quase impossível conciliar as presenças do próprio Milton, Lô Borges, Beto Guedes, Fernando Brant, Wagner Tiso, Toninho Horta, Ronaldo Bastos, Nivaldo Ornelas, Flávio Venturini, Nelson Ângelo, Tavinho Moura e outros conhecidos integrantes da turma.
Felizmente, Borges se equivoca cada vez que membros do Clube da Esquina fazem suas apresentações Brasil afora, reunindo legiões de antigos e novos fãs. Um dos últimos grandes espetáculos foi em Belo Horizonte, quando um público estimado em 10 mil pessoas lotou um dos mais emblemáticos espaços públicos da capital mineira, na inauguração do Circuito Cultural da Praça da Liberdade – cuja via central, por sinal, se chama “Travessia”, em homenagem ao primeiro grande sucesso da festejada dupla Milton Nascimento/Fernando Brant. No melhor da sua forma e entusiasmo, lá estavam não só Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges e Wagner Tiso, antigos membros do Clube, como a nova geração representada por Telo Borges, Marina Machado, Fernanda Takai (Pato Fu), Rogério Flausino (Jota Quest).
Museu
Márcio Borges é, ao mesmo tempo, um dos principais personagens e depositário da maior parte das histórias dos quase 40 anos de um talentoso grupo de compositores, autores e instrumentistas que marcou a música popular brasileira a partir do início da década de 1970. Ele é o presidente da Associação dos Amigos do Museu Clube da Esquina, uma entidade com 150 sócios e que, desde 2004, luta para implantar um espaço físico em que os admiradores das obras de Milton Nascimento e companhia possam ter acesso aos acervos sonoros e visuais dos seus ídolos, parte já disponível virtualmente no site do Museu (leia texto abaixo).
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“O que melhor define e mantém vivo o espírito do Clube da Esquina há tanto tempo é a mistura da genialidade de Milton Nascimento e da sua capacidade de aglutinar pessoas, abrigando-os na grande fraternidade que se formou em torno dele”, disse Borges. Isso vai desde os talentosos amigos de primeira hora de Três Pontas e Belo Horizonte, passando por grandes nomes mundiais da música como Elis Regina, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Nana Caymmi, Alaíde Costa, Clementina de Jesus, Mercedes Sosa, Sara Vaughan, Wayne Shorter, Herbie Hancock, Cat Stevens, James Taylor, Michel Legrand e tantos outros.
Apesar de relacionado a Minas Gerais, o Clube da Esquina, desde o início, foi muito além das fronteiras do Estado. Autora do livro Travessia – a vida de Milton Nascimento, a jornalista Maria Dolores Pires do Rio Duarte, trespontana como Milton, registra que “ele sempre recusou a ideia de grupo fechado, de um grupo mineiro, dizendo ainda que o Clube da Esquina nunca teve manifesto, bandeira ou ideologia. Foi uma fase em que várias pessoas de talento se reuniram para fazer, tocar e viver a música. Pensavam que podiam mudar o mundo por meio de melodias e letras, palavras e harmonias”.
Diferentemente do que muitos pensam, o Clube é algo imaginário, não tem estatuto nem sede. Nunca passou de uma simples esquina, formada pelo cruzamento das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no tradicional bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, onde Lô Borges, sentado no meio fio, ensaiava seus primeiros acordes. A história de uma das mais importantes movimentações culturais surgidas no Brasil começou no início dos anos 1960, no edifício Levy, localizado no centro de BH, onde os Borges e Milton Nascimento foram vizinhos e plantaram as primeiras sementes do Clube da Esquina. Bituca – como Milton é conhecido na intimidade – foi praticamente adotado como o décimo segundo filho do casal seu Salomão e dona Maricota, patriarca e matriarca da numerosa família. Os dois são considerados os grandes incentivadores do Clube, por criar em sua casa um ambiente propício para que seus filhos e amigos se desenvolvessem musicalmente.
Confinamentos e sapos
A assinatura do contrato com a Odeon, em 1969, foi o início da decolagem do Clube da Esquina, com Milton Nascimento reunindo nos estúdios gente da sua turma para ouvir, dar palpite e participar ativamente das gravações, num clima que se tornou característico da sua forma de trabalhar. Mas o marco definitivo foi o álbum Clube da Esquina, de 1972. Num quase confinamento de quatro meses numa casa em Piratininga, Mar Azul, Niterói, Milton, Lô Borges, Beto Guedes, Márcio Borges, Ronaldo Bastos e Fernando Brant conceberam o disco, com a participação de Tavito, Robertinho Silva, Luiz Alves, Wagner Tiso, Toninho Horta, Sirlan e Rubinho, visitas frequentes ao local.
“O formato em disco duplo foi uma grande ousadia na época e somente possível pela interferência do diretor artístico Adail Lessa, que conseguiu convencer a cúpula da EMI-Odeon de que ele poderia ser um bom negócio. Um projeto como o Clube da Esquina, que se apoiava apenas na criatividade e qualidade musical, seria praticamente impossível de ser bancado hoje por uma gravadora”, disse Márcio Borges. Rogério Flausino, vocalista da banda Jota Quest, reforça essa opinião, dizendo que “a geração atual de músicos está muito pressionada pelas gravadoras por resultados numéricos, metas para a venda de discos e lucros financeiros, o que, às vezes, sacrifica a qualidade do trabalho dos artistas”.
Ao álbum Clube da Esquina estão associadas histórias pitorescas. Como a vez em que Milton Nascimento quis levar um coro de sapos para o estúdio de gravação para servir como fundo musical, pedido negado pelos diretores da Odeon. Mas, contando com ampla liberdade, desde o início Milton foi reunindo ao seu redor um número cada vez maior de compositores, letristas, arranjadores, intérpretes novos e conhecidos e até caravanas inteiras de conterrâneos de Três Pontas, levados por ele para participar do que ele chamava de “falta de couro”, coros improvisados de suporte aos seus criativos arranjos musicais.
“Apesar dos números nunca terem sido mostrados para nós, o disco foi um sucesso e abriu caminho para que a gravadora investisse pesado em Milton Nascimento e no pessoal do Clube, que se tornou conhecido em todo o mundo, a ponto de fazer com que o celebrado guitarrista americano Pat Metheny fosse ao bairro de Santa Teresa, Belo Horizonte, onde tudo começou, e descobrisse, com surpresa, que o Corner Club, ao contrário do que pensava, era apenas o encontro de duas ruas de paralelepípedos”, lembra Márcio Borges.
As contribuições do pessoal do Clube da Esquina vão além da música. Fernando Brant, um dos seus melhores representantes, autor da letra de Travessia e de diversas outras composições geniais, além dos shows que vem fazendo com Tavinho Moura, também luta para defender os direitos da sua classe como presidente da União Brasileira de Compositores, uma sociedade fundada em 1942 e que já teve como dirigentes Braguinha, Mário Lago e Ataulfo Alves. “Uma das principais brigas compradas hoje pela entidade é contra o Governo Federal, que pretende mudar a atual legislação de direitos autorais, com grandes prejuízos para a categoria”, afirmou Brant.
Mas o grande mérito do Clube da Esquina foi permitir que talentos de toda parte se encontrassem, tornando a música do planeta muito mais rica. Ou, como escreveu Milton Nascimento no posfácio do livro Os sonhos não envelhecem – Histórias do Clube da Esquina, de autoria de Márcio Borges: “O Clube não pertencia a uma esquina, a uma turma, a uma cidade, mas sim a quem, no pedaço mais distante do mundo, ouvisse nossas vozes e se juntasse a nós. O Clube da Esquina continua vivo nas músicas; nas letras; no nosso amor; nos nossos filhos e a quem mais chegar”.
O Museu Clube da Esquina A ideia do Museu Clube da Esquina surgiu em 2004 para contar a história viva de uma geração por meio dos seus protagonistas, preservando a memória oral e o acervo físico de uma época marcante da cultura brasileira, por meio de depoimentos, áudios, imagens e documentos. É reconhecido pelo Ministério da Cultura e registrado como Oscip Federal no Ministério da Justiça. O projeto, que busca patrocínios públicos e privados pela Lei Rouanet, pretende utilizar de forma diversificada o espaço onde será instalado. Estão previstas exposições permanentes e temporárias, salas de ensaio, estúdio, palco para shows, cinema, loja, cybercafés e um bar, a serem utilizados como espaço museográfico, com fotos, objetos, partituras, vestimentas e instrumentos musicais. |
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O braço virtual do Museu está on-line desde 2005, permitindo acesso a depoimentos de artistas sobre sua história de vida, cerca de 40 horas de vídeos, milhares de fotos, exposições permanentes, ensaios acadêmicos, crônicas, uma rádio interna, histórias em quadrinhos e uma seção infantil. As apresentações ao vivo, palestras e exposições itinerantes têm sido constantes, reunindo músicos e compositores que integram o Clube da Esquina, com presença de estudantes e jovens músicos, participantes de ONGs da área cultural e alunos de escolas do ensino médio e superior. De 2004 a 2009 foram realizados mais de 40 espetáculos e palestras em todo o Brasil, nas cidades de Belo Horizonte, São Paulo, Salvador, Brasília, Vitória, Niterói, Juiz de Fora, Piracicaba, Araraquara, Caxias do Sul, Três Pontas, Itaúna, Poços de Caldas e Montes Claros, entre outras, reunindo cerca de 40 mil espectadores. Também foram promovidas duas oficinas de letras em São Paulo e uma em Ouro Preto, que geraram 80 novas canções compostas por pessoas de diversas faixas etárias e sociais, além de exposições itinerantes vistas por mais de 12 mil visitantes. |
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